A “França Antártica”: primeira presença calvinista no Brasil

Por Alderi Souza de Matos

No início da sua história, o Brasil foi alvo do interesse político e econômico de diversas nações européias, entre elas a França. Assim, em novembro de 1555 uma expedição comandada pelo vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571) chegou à Baía da Guanabara e implantou uma colônia que ficou conhecida como França Antártica. Esse empreendimento contou com o apoio do almirante Gaspard de Coligny (†24-08-1572), influente estadista e futuro líder dos calvinistas franceses, os huguenotes.

Sendo inicialmente simpático à causa da Reforma e procurando elevar o nível moral e espiritual da sua colônia, Villegaignon escreveu a João Calvino solicitando o envio de colonos protestantes. A Igreja Reformada de Genebra atendeu prontamente ao pedido, enviando um grupo de evangélicos sob a liderança de dois pastores, Pierre Richier e Guillaume Chartier.

A nova expedição chegou à Baía da Guanabara no dia 7 de março de 1557. Três dias depois, a 10 de março, uma quarta-feira, os colonos desembarcaram na pequena ilha (Forte Coligny) e realizaram o primeiro culto protestante no Brasil e possivelmente no Novo Mundo. O oficiante foi o Rev. Pierre Richier, que, acompanhado de todos, cantou o Salmo 5 (hino 122 do Hinário Presbiteriano: “À minha voz, ó Deus, atende”). Em seguida, o referido pastor pregou um sermão sobre o Salmo 27.4: “Uma coisa peço ao Senhor e a buscarei, que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo.” No domingo 21 de março houve a primeira celebração da Santa Ceia.

Influenciado pelo ex-dominicano Jean Cointac, Villegaignon passou a entrar em atrito com os calvinistas sobre uma série de questões teológicas, reproduzindo nos trópicos o que acontecia na Europa. Ele inicialmente proibiu aos reformados a celebração da eucaristia, depois as pregações e finalmente as reuniões de oração. O pastor Chartier foi enviado à França em busca de instruções e os colonos protestantes foram expulsos da pequena ilha em que a colônia estava instalada, até hoje conhecida como Ilha de Villegaignon.

A expulsão colocou os calvinistas em contato direto com os índios tupinambás, aos quais procuraram evangelizar, sendo esse evento o primeiro contato missionário protestante com um povo não-europeu. Entre esses reformados estava o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde escreveu um valioso relato dessas experiências, intitulado História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, publicado em Paris em 1578. Em seu livro, Léry não somente fornece informações sobre a natureza, a fauna e a flora de um Brasil ainda intocado pela civilização branca, mas descreve de maneira singularmente perspicaz e objetiva os mais variados aspectos da cultura indígena.

Ao passar pelas imediações um navio que se dirigia para a França, os frustrados colonos resolveram retornar ao seu país. Pouco depois, quando o barco ameaçou naufragar, cinco calvinistas ofereceram-se para voltar à terra. Estes cinco – Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André Lafon e Jacques Le Balleur – foram prontamente aprisionados por Villegaignon, que apresentou-lhes uma série de questões teológicas e exigiu uma resposta por escrito dentro de doze horas. Esses leigos redigiram um notável documento, conhecido como Confissão de Fé da Guanabara, que finalmente custou as suas vidas.

Diante da recusa dos calvinistas em abjurar as suas convições, Villegaignon condenou-os à morte. Bourdel, Verneuil e Bourdon foram estrangulados e lançados ao mar. André Lafon, sendo o único alfaiate da colônia, teve a vida poupada sob a condição de que não divulgasse as suas idéias religiosas. Jacques Le Balleur fugiu para o continente, indo parar em São Vicente, onde pregou as suas convicções. Por insistência dos jesuítas, foi levado para a capital colonial, Salvador, onde esteve aprisionado por vários anos (1559-1567). Em 1567, o governador geral Mem de Sá levou-o para o Rio de Janeiro, fundado recentemente, onde ele foi enforcado e os últimos franceses foram finalmente expulsos.

Política e ideologicamente, o empreendimento francês foi obviamente um fracasso, não tendo sido adequadamente concebido em termos de seus propósitos, tanto seculares quanto religiosos. Em especial, a questão religiosa, não tendo sido resolvida na França, não o poderia ser no Brasil. Todavia, o experimento, apesar do seu trágico desfecho, tem grande valor para a história do protestantismo, em virtude do seu caráter pioneiro. A França Antártica foi a primeira tentativa de implantação de uma igreja reformada e de um trabalho missionário protestante na América Latina. O heroísmo dos mártires calvinistas tem inspirado sucessivas gerações de evangélicos no Brasil e no mundo.

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