John Wesley e a doutrina da Perseverança dos Santos

Por Ewerton B. Tokashiki

 

John Wesley (1703-1791 d.C.) o principal fundador do movimento Metodista conhecia e rejeitava a doutrina da Perseverança do Santos. A doutrina naqueles dias já era bem difundida. Por ter sido ordenado clérigo Anglicano fez os seus votos de ordenação com uma aceitação ampla dos 39 Artigos de Fé da Religião Anglicana que no artigo 17 declara que

a predestinação para a vida é o eterno propósito de Deus, pelo qual (antes de lançados os fundamentos do mundo) tem constantemente decretado por seu conselho, a nós oculto, livrar da maldição e condenação os que elegeu em Cristo dentre o gênero humano, e conduzi-los por Cristo à salvação eterna, como vasos feitos para a honra. Por isso os que se acham dotados de um tão excelente benefício de Deus, são chamados segundo o propósito de Deus, por seu Espírito operando em tempo devido; pela graça obedecem à vocação; são justificados gratuitamente; são feitos filhos de Deus por adoção; são criados conforme à imagem de Seu Unigênito Filho Jesus Cristo; vivem religiosamente em boas obras, e enfim chegam, pela misericórdia de Deus, à felicidade eterna.[1]

Entranto, Wesley preferia uma teologia claramente arminiana. O biógrafo Mateo Leliévre coloca que

ele [Wesley] rechaçava a doutrina calvinista da perseverança final, assim como também reprovava a predestinação absoluta, e isso mediante uma seqüência rigorosamente lógica; ao aceitar a liberdade e a responsabilidade do homem como ponto de partida na vida cristã, o Espírito Santo não podia posteriormente despojá-lo depois dessas prerrogativas tão perigosas. A possibilidade da apostasia, tão claramente ensinada nas Escrituras, é uma admoestação constante para todos.[2]

A ideia de Wesley de perder a salvação era algo tão firme e essencial em seu sistema teológico que ele colocava esta doutrina arminiana no mesmo grau de valor com outras doutrinas fundamentais. Em seu sermão publicado “Pensamentos sérios Sobre a Perseverança dos Santos” ele deixa isto bem claro declarando o seguinte

se as Escrituras são verdadeiras, aqueles que são santos ou justos no julgamento do próprio Deus; os que possuem a fé que purifica o coração, que produz uma boa consciência; os que são ramos da verdadeira videira, de quem Cristo diz: “Eu sou a videira, vós as varas”; os que de tal modo conhecem a Cristo que, através desse conhecimento, escaparam da poluição do mundo; os que vêem a luz da glória de Deus no rosto de Jesus Cristo e que são participantes do Espírito Santo, do testemunho e dos frutos do Espírito; os que vivem pela fé no Filho de Deus; os que são santificados pelo sangue da aliança, podem, contudo, cair e perecer eternamente.[3]

O batista calvinista John Gill escreveu, em 1752, uma réplica a este sermão defendendo a doutrina da Perseverança dos Santos. Na introdução do seu sermão Gill declara que

a doutrina da Perseverança Final dos Santos em graça para a glória, sendo uma doutrina plenamente expressa na Escritura Sagrada (…) pode parecer estranho que algum homem crendo na divina revelação, e professando piedade, pudesse opor-se a ela, e chamar tal oposição de Pensamentos Sérios a respeito dela, como um escritor o fez, e publicou um panfleto com um título assim.[4]

A Certeza da Salvação era uma doutrina enfaticamente presente no arcabouço teológico de Wesley. Ele ensinava a legitimidade e necessidade de crer e defender a doutrina da Certeza da Salvação,[5] embora não cresse na permanência definitiva dela, isto é, na Perseverança dos Santos. Todavia, deve ficar claro que a Perseverança e Certeza na salvação são doutrinas diferenças, mas não contrárias.

Para entendermos a origem da doutrina da Certeza da Salvação no pensamento de Wesley deve-se notar que três períodos na sua vida foram decisivos para que esta doutrina ficasse imprimida em sua mente. Primeiro, embora a sua família tivesse predominante influência arminiana, eles também foram influenciados pelos puritanos, especialmente na doutrina da Certeza da Salvação. O historiador Tony Lane observa que o “seu pai em seu leito de morte lhe afirmou que ‘a prova mais forte do cristianismo é o testemunho interior do Espírito Santo’”.[6]

O segundo período envolve o seu relacionamento com os morávios. O próprio Wesley registrou em seu diário (7/2/1736) um diálogo que ele teve com eles, onde é questionado acerca da Certeza da Salvação. Dos seus escritos se lê que

ele disse: “Meu irmão, eu devo primeiro fazer-lhe uma ou duas perguntas. Você tem o testemunho dentro de si? O Espírito de Deus testifica com seu espírito que você é um filho de Deus?” Eu fiquei surpreso e não sabia o que responder. Ele observou isto e perguntou: “Você conhece Jesus Cristo?” Hesitei e disse: ”Eu sei que ele é o Salvador do mundo”. “Verdade”, replicou ele, “mas você sabe que ele o salvou?” Eu respondi: “Eu espero que ele tenha morrido para me salvar”. Ele apenas acrescentou: “Você conhece a si mesmo?” Eu disse: “Conheço”. Mas temo que elas tenham sido palavras vãs.[7]

Terceiro período decisivo para fixação da doutrina da Certeza da Salvação na mente de Wesley foi a sua experiência de conversão. Novamente podemos verificar em seu diário (24/5/1738) o registro deste fato.

Ao anoitecer fui muito sem vontade a uma congregação religiosa na Rua Aldersgate, onde alguém estava lendo o prefácio de Lutero, a Epístola de Romanos. Cerca de quinze para as nove, quando estava lendo descrevendo a transformação que Deus opera no coração através da fé em Cristo, senti meu coração estranhamente aquecido. Eu senti que confiava em Cristo, Cristo somente, para a salvação. E uma certeza foi me dada que ele havia tirado meus pecados, os meus mesmo, e me salvado da lei do pecado e da morte.[8]

Está claramente documentada a doutrina da Certeza da Salvação no pensamento teológico de Wesley. Contudo, deve-se observar que para ele esta certeza se referia apenas a ter presente os benefícios da salvação, e não a sua permanência. Tornando o seu sistema doutrinário num Arminianismo inconsistente. Não se deve confundir que Wesley ao crer com veemência na doutrina da Certeza da Salvação aceitasse a doutrina calvinista da Perseverança dos Santos. Esta última ele sempre a negou. Manteve-se arminiano até o fim. Esta interpretação da salvação foi a sua herança para o movimento Metodista.

 

NOTAS:

 

[1] Confissão de fé da Igreja Anglicana revisada em 1571. Este documento doutrinário confessional é usado na ordenação dos seus clérigos.

[2] Mateo Leliévre, João Wesley: Sua Vida e Obra (São Paulo, Ed. Vida, 1997), p. 364-365.

[3]  R.W. Butner & R.E. Chiles, Coletânea da Teologia de Wesley (Rio de Janeiro, Colégio Episcopal, 2a ed., 1995) p. 179.

[4] John Gill, The Doctrine of the Saint Final Perseverance Asserted and Vindicated in: Sermons and Tracts (The Baptist Standard Bearer, Inc., 1999), sermon 46, p. 2.

[5] O Dr. Duncan A. Reily tem traduzido e editado os sermões de Wesley dividindo-os em tópicos, o que facilita um estudo mais detalhado do assunto. Para uma análise melhor do assunto indico a publicação “João Wesley, Sermões A Certeza da Salvação” (São Paulo, Imprensa Metodista, 1997), vol. 4.

[6]Tony Lane, Pensamento Cristão – Da Reforma à Modernidade (São Paulo, ABBA Press, 1999), vol. 2, pp. 60.

[7] Tony Lane, Pensamento Cristão, vol. 2, pp. 59

[8] Tony Lane, vol. 2, pp. 60

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