Quem deve pregar a Palavra de Deus?
Por Johannes Geerhardus Vos
Pergunta 158. Por quem deve ser pregada a Palavra de Deus?
- A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que forem suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício.
Referências bíblicas
- 1Tm 3.2, 6; Ef 4.8-11; Os 4.6; Ml 2.7; 2Co 3.6. Aqueles que pregam a Palavra de Deus publicamente devem possuir obrigatoriamente certas qualificações definidas na Bíblia.
- Jr 14.15; Rm 10.15; Hb 5.4; 1Co 12.28-29; 1Tm 3.10; 4.14; 5.22. A Palavra de Deus deve ser pregada publicamente somente pelos que foram legitimamente chamados para o ofício do ministério da Palavra.
Comentário
- Essa pergunta do catecismo trata especialmente de que tipo de pregação da Palavra?
Trata da pregação da Palavra numa congregação da igreja de Cristo. Pode-se inferir isso das palavras “em público para a congregação” na resposta da Pergunta 156. Quem não for ministro ordenado ou licenciado pode testemunhar de Cristo em particular ou em público, conforme a oportunidade o permita, mas a pregação pública oficial da Palavra na igreja deve ser feita apenas por aqueles devidamente separados para essa obra.
- Por que a pregação oficial da Palavra deve ser feita só “pelos que forem suficientemente dotados”?
Claro está que a pregação da Palavra é uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações apropriadas para que seja feita de maneira adequada. Há qualificações espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para que a igreja tenha um ministério adequado. Um homem que não tenha nascido de novo e que não seja um consistente crente em Cristo, não tem obviamente condição de pregar a Palavra de Deus aos outros; seria apenas um cego conduzindo outro. Um homem incapaz de pensar corretamente, incapaz de detectar falácias de um argumento perverso, é passível de ser ele mesmo desviado por um falso ensinamento e, por sua vez, capaz de desviar outros. Um homem a quem falta educação geral e teológica normalmente não será capaz de fazer justiça à grande obra de pregação da Palavra de Deus e correrá o perigo de pregar uma mensagem desequilibrada ou parcial. Quando Deus chama um homem para a obra do ministério, também o aparelha com as habilidades e qualificações necessárias para que possa realizar a obra adequadamente.
- Por que a nossa igreja, e a maioria das igrejas protestantes, exige a formação superior completa num seminário para o ofício do ministério?
Quanto mais importante for a obra, mais importante será que tenham o treinamento adequado os que a realizarão. Sempre tem havido quem ache que seja perda de tempo, em maior ou menor grau, gastar sete anos na formação superior num seminário, preparando-se para a obra do ministério. Há hoje em muitas denominações a pressão constante para que essas exigências sejam relaxadas e que sejam admitidos no ministério homens que tenham menos do que isso. Alguns consideram quer as matérias ensinadas em um curso superior – como filosofia, história e literatura – sejam inúteis ao ministério e uma perda de tempo que deveria ser investido “ganhando almas”. Há, da mesma maneira, quem pense que um breve “Curso de Bíblia” e mais algumas matérias práticas como a retórica religiosa (homilética) e prática pastoral devam ser suficientes e que o amplo estudo de Hebraico, Grego, História Eclesiástica e Teologia Sistemática sejam desperdício de tempo.
Ninguém que precisasse passar por uma cirurgia estaria disposto a ir a um cirurgião que obteve o seu treinamento através de atalhos. O Estado insiste, corretamente, que aqueles cujas decisões e ações envolva a vida ou a morte de seus semelhantes estejam plenamente treinados para o exercício de seu ofício. Quão mais importante é que os ministros do evangelho, cujo trabalho pode afetar o destino eterno de seres humanos, estejam plenamente instruídos para a tarefa a eles designada. Considerando-se o espaço tempo necessário ao treinamento na medicina e de outras doutas profissões, os quatro ou cinco anos empenhados no curso superior de um seminário não são demasiados para o treinamento ministerial.
O ministro a quem faltar o treinamento num seminário dificilmente conseguirá entender o mundo moderno ao qual ele tem de entregar a sua mensagem. O estudo de filosofia, história e de outras matérias acadêmicas está longe de ser uma perda de tempo. Elas apresentam o cenário do pensamento moderno e habilitam o ministro a proclamar todo o conselho de Deus de um modo que confronte cabalmente a situação dos dias presentes. Semelhantemente o estudo de Grego, Hebraico, Teologia Sistemática, etc., é qualquer coisa, menos perda de tempo, pois permitem ao ministro conhecer de primeira-mão a Bíblia e seus ensinamentos, e pregar uma mensagem bíblica, consistente e integrada.
A tendência moderna de contar os estudos “teóricos” e aumentar os estudos “práticos” na preparação para o ministério é deplorável e deve ser resistida. Existem dois tipos de seminários teológicos e institutos bíblicos. Num deles o alvo é instrumentar o estudante com uma certa quantidade de material pronto com o qual ele pode sair e ir pregar. No outro, o objetivo é colocar nas mãos do estudante as ferramentas do estudo bíblico e da pesquisa teológica e treiná-lo para usá-las corretamente. Daí, então, ele pode sair e pregar e a matéria-prima da sua pregação jamais vai se esgotar enquanto viver. Cremos que este último é que é o único e apropriado tipo de treinamento para a obra do ministério.
Não se deve entender, pelo que foi dito, que jamais haja exceções a essas regras. É obvio que alguns discípulos do nosso Senhor tiveram pouca ou nenhuma educação formal, mas tornaram-se eficazes ministros da Palavra. Eles, no entanto, gozaram de inestimável vantagem de passarem três anos na companhia de Jesus sob a Sua instrução pessoal. Deus às vezes chama para o oficio ministerial um homem com pouca ou nenhuma educação formal e nesses casos excepcionais, onde está evidente a chamada divina, a igreja não deve hesitar e, ordenar o candidato ao ministério. Tais casos, contudo, são muito raros, especialmente em dias em que são normais as oportunidades para a aquisição da educação. Não se deve permitir que a exceção torne-se regra.
- Que significa “devidamente aprovados e chamados”?
Há uma chamada divina para o ministério e uma chamada para a igreja. Devemos lembrar sempre que o ministério não é uma profissão, mas um ofício. Ninguém pode simplesmente decidir tornar-se um ministro da mesma maneira que decide tornar-se advogado ou exercer uma linha de trabalho. É preciso ter alguma razão para se crer que seja chamado para o ministério. Isso não quer dizer uma revelação especial do céu, como um sonho ou uma visão, mas a consciência de que se possui em alguma medida as qualificações exigidas, juntamente com o sincero desejo de pregar o evangelho, a disposição para fazer sacrifícios pela causa de Cristo e de empenhar-se para obter a preparação necessária. Deus conduzirá ao ministério, as Sua própria maneira, àqueles a quem Ele chamar.
A chamada da igreja consiste, primeiro, em autenticar a chamada de Deus pela “devida aprovação” do candidato, suas convicções religiosas, sua habilidade geral e a sua preparação acadêmica e teológica. Essa “aprovação” está normalmente dividida em vários estágios. Primeiro, o candidato é recebido sob os cuidados de um presbitério como estudante para o ministério; depois de uma preparação parcial ele é licenciado para pregar; finalmente, depois de completada a preparação e com o convite de uma congregação ou junta missionária é ordenado ao ofício do ministério.
A chamada formal da igreja é o convite de alguma congregação para que o candidato venha ser o seu pastor, ou de alguma junta missionária ou outra agência da igreja visível para que o candidato se engaje na obra missionária local ou no estrangeiro, ou em algum outro aspecto da obra ministerial. Em todo caso, antes que o homem seja ordenado, deve haver uma chamada definitiva – seja para o pastorado de alguma congregação ou de outro campo de trabalho específico.
- Por que antes de entrar no ofício ministerial o homem tem de ser devidamente chamado por Deus e pela igreja?
Nem mesmo o nosso Senhor Jesus Cristo fez de si sumo sacerdote, mas foi chamado por Deus para esse ofício da mesma maneira que Arão o fora (Hb 5.4-5). Apesar disso existem hoje muitos pregadores e missionários freelancers e independentes. Essa é uma tendência errada e deve ser desencorajada. Muitos desses pregadores e missionários independentes podem verdadeiramente ter sido chamados por deus e podem estar fazendo um bom trabalho pregando a Cristo, e este crucificado; mas há uma certa falta de consideração e negligência da igreja visível como instituição divina comprometida com a atitude deles, e que não pode ser aprovada. O chamado de Deus e o chamado da igreja não são antagônicos, toda verdadeira igreja é instrumento de Deus para o treinamento e o ordenamento de homens no ofício ministerial. Alguns há que, alegando uma piedade superior, sustentam que a chamada de Deus é suficiente e que eles não precisam da chamada e da ordenação da igreja. Essa falta de respeito para com a igreja visível não é bíblica e deve ser desestimulada.
Extraído de Johannes Geerhardus Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2007), pp. 508-511.
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Revisado por Ewerton B. Tokashiki
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Eliana da Silva Santos
Se tiver um desentendimento com uma pessoa possa subir no púlpito e pregar?