À sombra do Onipotente

Por Fôlton Nogueira

 

Quando eu era ainda bem jovem, meu colega de serviço – mais velho do que eu – era um sujeito bem trapalhão. Boa pessoa, extrovertido e até bonachão, mas muito irresponsável. Certo dia fui à casa dele e fiquei surpreso com uma Bíblia aberta na mesa de centro. Ele me explicou que era uma simpatia que a esposa estava fazendo, antes que o ladrão, que entrara na casa do vizinho, entrasse na deles também: A Bíblia estava aberta no Salmo 91. Segundo ele, para ficar sob a sombra do Onipotente.

Anos depois, pastoreando em uma cidade pequena, após muita insistência, acedi aos pedidos de uma senhora e fui visitar seu filho quarentão, que apesar de ter sido criado na igreja, era mais conhecido pela vida devassa e blasfema. Estava internado e ia de mal a pior.

Logo que entrei no quarto fiquei surpreso com diversas manchas avermelhadas em seu corpo (que à época era tido como sintoma de Aids) e um arranjo de almofadas na cabeceira da cama com uma Bíblia aberta, no Salmo 91.

Conversamos e concluí que eu não deveria ter visitado mesmo. Ele me ensinou a respeito do valor terapêutico de se repousar à sombra do Onipotente. E, como se eu não soubesse, se empenhou por me explicar que no Salmo 91, em hebraico, estão repetidos os quatro nomes de Deus. Sacrossantos! Discursava, para alegria da pobre mãe que o tinha por verdadeiro santo e dizia não saber por que seu filho padecia tanto na mão de uns médicos tão obtusos que não achavam a cura de seu mal.

Não saiu do hospital. Morreu lá mesmo.

Eu teria exemplos de pelo menos mais três outros usos bizarros do salmo 91.

Embora nos apropriemos indistintamente das promessas contidas neste Salmo ele foi cumprido em Jesus, e até Satanás sabe disso, pois ao tentar nosso Senhor, desafiando-o a saltar do pináculo do templo, ele citou os versículos 11 e 12 deste Salmo: “Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra”.

Não quero dizer que não devamos reafirmar nossa confiança em Deus mediante as belas e santas palavras deste Salmo, mas deploro o uso do mesmo como elemento de simpatias, magias, ou de fechamento de corpo como alguém que transcrevia o versículo 7 e o colocava por debaixo da roupa, sobre o coração, com medo de balas perdidas.

O segredo daquele que habita no esconderijo do Altíssimo está no versículo 14: Conhecer a Deus pelo nome e a ele se apegar com amor. Conhecer a Deus pelo nome não é saber pronunciar IHWH, mas estar em Jesus Cristo, o verdadeiro Nome revelado de Deus e a manifestação completa de seu amor.

Neste Salmo há também uma figura que se realizou de forma notável em Jesus: Vendo Jerusalém, ele chorou e disse: “Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes” (Lc 13.34).

Percebeu? Sob as asas de Jesus!

Agora veja o que o versículo 4 de nosso salmo promete: “Cobrir-te-á com as suas penas, e, sob suas asas, estarás seguro”. Percebeu? Ficar à sombra do Altíssimo não é ficar à sombra de uma Bíblia aberta no Salmo 91, é ficar à sombra de Jesus.

 

Revisado por Ewerton B. Tokashiki

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