Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente

A menos que Deus mude a maneira de pensarmos – o que Ele faz em alguns pelo milagre do novo nascimento – nossas mentes sempre nos dirão para nos virarmos contra Deus – o que é precisamente o que fazemos. ‒ James M. Boice (1938-2000).[1]

O homem fabrica essas concepções. E é inevitável que deva fazê-lo, pois do contrário não seria capaz de qualquer orientação e decisão práticas. É difícil ver como proibir isso; agir assim é inerente à própria vida do homem. Toda pessoa traz alguma concepção ao menos de sua própria vida e das pessoas que lhe são próximas; um retrato da sua própria vida-trabalho ou da de outrem, tal como esta até então se desenvolveu e seguirá, ou deveria ou não seguir, conforme sua percepção, compreensão e julgamento. Sua noção particular dessas diferentes determinações dos seres criados, de bem e mal, de certo e errado, de felicidade e angústia, naturalmente desempenhará um papel importante nesse processo. – Karl Barth (1886-1968).[2]

 

Introdução

As cartas de Pedro são fascinantes e também difíceis. O que ele disse a respeito da complexidade dos escritos de Paulo − os quais conhecia ainda que parcialmente  e os colocam no mesmo nível dos Escritos do Antigo Testamento −, pode muito bem ser aplicado a ele (2Pe 3.15-16). Provavelmente Pedro não entendia assim os seus escritos devido ao fato de Deus ter lhe revelado, inspirado e iluminado para ter a clareza do significado do que escrevera.

O fato é que a inspiração nem sempre vinha acompanhada da imediata iluminação; ou seja: da plena compreensão do que escreviam por revelação de Deus (Vejam-se: Dn 12.8,9; Zc 1.9; 4.4,5; 1Pe 1.10,11). Um outro aspecto, é que dentro da compreensão da inspiração “dinâmica” ou “orgânica”[3] das Escrituras, Deus não anulou a personalidade dos escritores, por isso, inspirados por Deus, puderam usar de suas experiências, pesquisas, aptidões e manter o seu estilo. Na realidade, Deus separou os seus servos antes de eles nascerem e os preparou para desempenharem essa função (Is 49.1,5; Jr 1.5; Gl 1.15,16; 2Pe 3.15,16).[4] A ação de Deus por meio de processos psicológicos penetrava a mente humana de tal modo que ele falava as suas palavras, expressando a vontade de Deus (Jr 1.9).[5]

Um dos assuntos grandiosos das Cartas de Pedro, refere-se à orientação de como  os destinários que viviam espalhados em vários países e cidades do Oriente Médio e do Império Romano, deveriam viver em um clima por vezes, extremamente hostil. Nas suas Cartas temos um manual  apologético[6] e de princípios de uma cosmovisão cristã.

A palavra de consolo e responsabilidade levada, relaciona-se à compreensão de que tanto eles como nós hoje, vivemos como estrangeiros e peregrinos neste mundo que, mesmo sendo o nosso habitat concedido por Deus, não é a nossa Terra Prometida e aguardada. Por isso, com o nosso coração alimentado pela esperança de um lar celestial, a realidade presente é que estamos aqui, não a passeio, mas como súditos do reino, vivenciando a nossa fé de forma ativa, sem nos deixar influenciar pelos valores que nos cercam e, que com muita frequência, dão-nos a impressão de sua onipresença e, pior, perpetuidade.[7]

Na realidade, esse conflito existe porque fomos transformados pelo Espírito de Deus; daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pe 2.9-10). No entanto, ainda não somos plenamente o que seremos. A plenitude de nossa filiação se consumará no céu, quando seremos conformados à imagem de Cristo (1Jo 3.1-2/Rm 8.18-25,29-30). Agora, com novo coração e valores, porém, sem que a inclinação para o pecado tenha sido erradicada totalmente de nossa vida, caminhamos por fé, que emana da graça, buscando uma vida de santificação (1Jo 3.3)[8] que se aproxime do modelo proposto de santidade que é o próprio Deus (1Pe 1.13-16), vivendo a nossa fé  de modo operante,[9] em meio a um mundo caído mas, que manifesta aspectos da graça comum de Deus.[10]

Portanto, estamos no mundo, mas, não somos deste mundo. Somos peregrinos, estrangeiros, forasteiros  e hóspedes.[11] Valendo-me de uma expressão de Tchividjian, diria que somos “estrangeiros residentes”.[12] É natural que haja uma tensão em nós. Somos imperfeitos, limitados, temos nossos anseios que, por vezes, tendem a ser maximizados em meio a aspectos tão convidativos de nossa cultura e, em certo sentido, confortáveis.[13] À frente vamos tornar a esse assunto.

A nossa perspectiva é teológica. Desse modo, nada mais natural do que comecarmos por deixar claro o nosso ponto. Creio que a melhor forma de fazê-lo, é definindo, estabelecendo assim, ainda que sumariamente, o que entendemos por teologia.

 

Definição de teologia

Teologia pode ser definida operacionalmente, como o estudo sistemático da revelação especial de Deus conforme registrada nas Escrituras Sagradas, tendo como fim último o glorificar a Deus por meio do seu conhecimento e obediência à sua Palavra.[14] “O tema e o conteúdo da teologia é a Revelação de Deus”, interpreta Mackay (1889-1983).[15]

Somos conduzidos a esse conhecimento pelo Espírito que nos faz compreender as Escrituras, vendo em suas páginas a Jesus Cristo, quem nos conduz ao Pai. A Trindade é, portanto, o centro de toda teologia. A teologia começa por onde começa as Escrituras: pelo Deus que se revela agindo e falando. Onde não há revelação, nos calamos.

Dito de outro modo: O fundamento da teologia é a Palavra, o foco é Jesus Cristo, o Deus encarnado. O nosso Mestre deve ser o Espírito falando nas Escrituras. Nosso propósito deve ser o conhecimento e a adoração ao Deus Triúno.

 

Teologia original e derivada

Desta concepção, subentende-se, seguindo a linha de Kuyper (1837-1920),[16] que:

a) A Teologia nunca é “arquetípica”, mas, sim “éctipica”.[17] Ela não é gerada pelo esforço de nossa observação de Deus, mas, sim o resultado da revelação soberana e pessoal de Deus. Uma “Teologia Arquetípica” – se é que podemos falar deste modo – pertence somente a Deus porque somente Ele se conhece perfeitamente tendo, inclusive, ciência completa do seu conhecimento perfeito. “Em si mesmo ele é sujeito e objeto de todo conhecimento”, resume Hoeksema (1886-1965).[18]

 Somente Deus possui um conhecimento perfeito, arquétipo de si mesmo.[19] Por isso, como temos insistido em outros trabalhos, a Teologia sempre será o efeito da ação reveladora, inspiradora e iluminadora de Deus por meio do Espírito. (1Co 2.11).[20]

A Teologia nunca é a causa primeira, sempre é o efeito da ação primeira de Deus em revelar-se. “No princípio Deus…”. Isto deve ser sempre considerado em todo e qualquer enfoque que dermos à realidade. Deus se revela e se interpreta por meio do Espírito, e é somente por meio dele que teremos um genuíno conhecimento do Senhor como Senhor.

A teologia sempre é relativa: “relativa à revelação de Deus. Deus precede e o homem acompanha. Este ato seguinte, este serviço são pensamentos humanos concernentes ao conhecimento de Deus”, sumaria Barth (1886-1968).[21]

b) A Teologia não termina em conhecimento teórico e abstrato, antes se plenifica no conhecimento prático e existencial de Deus por intermédio da sua Revelação nas Escrituras Sagradas, mediante a iluminação do Espírito. Conhecer a Deus é obedecer a seus mandamentos. “A boa teologia desloca-se da cabeça até o coração e, finalmente, até a mão”, sumariam Grenz (1950-2005) e Olson.[22]

A genuína teologia cristã é compreensível, transformadora e operante. (1Ts 1.5-10).[23] Ela reflete a nossa confissão, nos conduz à reflexão, e tem implicações direta em nossa ética.[24]

Destacamos também, que trabalhamos teologia dentro de nossas tradições teológicas que são pressupostos que adotamos. A observação de Van Til (1895-1987)  é, portanto, pertinente:

Uma vez que esses padrões ou dogmas da igreja tenham sido aceitos, é desnecessário dizer que o teólogo que escreve uma obra de Teologia Sistemática a escreverá de acordo com a interpretação dada nesses padrões. Dizer que isso obstrui sua liberdade seria dizer que ele não adotou livremente esses credos como membro da igreja.[25]

 

A Palavra, o Espírito e a Teologia

A relevância da teologia está na mesma proporção de seu auxílio na interpretação e compreensão da Palavra de Deus. O Espírito como Autor das Escrituras é o mesmo quem nos convence de sua autoridade concedendo-nos discernimento espiritual. O testemunho do Espírito é mais relevante e eficaz do que qualquer argumento ou arrazoado humano.

Calvino, o teólogo da Palavra e do Espírito, escreveu magistralmente sobre este ponto, certificando que o testemunho do Espírito é superior a qualquer argumento humano porque, na realidade, é mais elevado do que a  capacidade humana racional:

O testemunho do Espírito é superior a todos os argumentos. Deus na Sua Palavra é a única testemunha adequada a respeito de Si mesmo, e, de maneira semelhante, Sua Palavra não será verdadeiramente crida nos corações dos homens até que tenha sido selada pelo testemunho do Seu Espírito. O mesmo Espírito que falou através dos profetas deve entrar em nosso coração para convencer-nos que eles entregaram fielmente a mensagem que Deus lhes deu. (…) Sendo iluminados pelo Seu poder, já não devemos ao nosso próprio juízo, nem ao de outros, o fato de crermos que as Escrituras vêm da parte de Deus; mas, por razões além do julgamento humano temos perfeita certeza, como se nelas contemplássemos a glória do próprio Deus, que elas foram transmitidas a nós da própria boca de Deus, pela instrumentalidade dos homens. Não procuramos argumentos ou probabilidades sobre os quais fundamentar nosso julgamento, mas sim sujeitamos nosso julgamento e nosso intelecto a elas como sendo algo acima e além de toda disputa. Nossa convicção, portanto, é tal que não requer argumentos; nosso conhecimento é tal que é consistente com o melhor dos argumentos; porque nelas a mente descansa com mais segurança e firmeza do que em quaisquer argumentos.[26]

 

Teologia Reformada ou Calvinista?

Quando falamos de Teologia Reformada, estamos nos referindo à Teologia proveniente da Reforma (Calvinista) em distinção à Teologia Luterana. Ainda que usemos os termos de forma intercambiável e, considerando o fato de que a Teologia Reformada não é estritamente proveniente de João Calvino (1509-1564),[27] o designativo Reformada é preferível[28] ao Calvinista.[29]

 

Emprego da palavra cosmovisão

A palavra que normalmente é traduzida por cosmovisão vem do alemão Weltanschauung, sendo a composição de Welt (“mundo’) e Anschauung (“visão”, “contemplação”, “convicção”, “perspectiva”, etc.)  usada, ainda que de passagem, primeiramente por Kant (1724-1804) na sua obra, Crítica da Faculdade de Julgar, (1790).[30]

Podemos empregá-la com o sentido de “visão de mundo” e “mundividência”. Em português o termo foi traduzido por “intuição do mundo”.[31]

A cosmovisão está associada ao sistema de ideias e valores que sustentamos. São uma espécie de “óculos teóricos” que, conscientes ou não, mas que, de alguma forma – mais intensa ou menos intensa; de modo mais elaborado ou menos elaborado, em questões mais simples ou mais complexas da vida[32] – está arraigada em nosso coração, nos permitindo ver o mundo por meio dessas lentes, privilegiando aspectos da realidade,[33] conferindo-lhes significados que, direta ou indiretamente, direcionam a nossa percepção e comportamento, constituindo-se assim, em um “sistema de vida”.[34]

Nas páginas que se seguem, veremos alguns dos pontos sustentados ou decorrentes da Teologia Reformada em sua perspectiva bíblica, segundo compreende o autor deste ensaio. Sabendo de início que ainda que o Cristianismo não seja um conjunto disforme e até mesmo discrepante de ideias e conceitos, a nossa cosmovisão não é necessariamente monocromática em todas as suas particularidades.[35]

Devemos nos lembrar também, que a nossa cosmovisão é uma tentativa humana de analisar os desafios de nossa existência partindo das Escrituras.

De início quero destacar a sensível e verdadeira compreensão de Piper que escreve combatendo de modo sério e pastoral determinada tendência teológica:

Teologia ruim machuca as pessoas. Mais cedo ou mais tarde, um pensamento errado sobre Deus leva a uma crença errada. E uma crença errada leva ao enfraquecimento da vida moral espiritual e, por fim, à condenação. A maioria dos cristãos vê intuitivamente que negar a presciência de Deus quanto às ações livres mostrará uma tendência de enfraquecer a confiança da igreja de que Deus pode guiar pessoas e nações, que ele pode responder a orações acerca daqueles que estão perdidos e no erro, que ele pode predizer o futuro, que ele pode garantir o triunfo final e que age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam e dos que foram chamados de acordo com seu propósito. Alguma geração pagará o preço desse pensamento errado sobre Deus. Quanto mais perto os pensamentos errados atingirem a centralidade da doutrina de Deus, sua perfeição pessoal e seus caminhos salvadores, mais cedo e doloroso será o pagamento. Coisas eternas estão em jogo na negação da presciência plena e definitiva de Deus.[36]

O nosso propósito é tentar apresentar alguns temas dentro de uma visão (não necessariamente a visão) reformada, crendo poder contribuir ainda que de forma bastante modesta, para a análise de algumas questões que podem ser úteis em nossa peregrinação.

 

Maringá, 24 de abril de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] James M. Boice, O Evangelho da Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 111.

[2] Karl Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, III/3, 11.48, § 2, p. 20.

[3] A inspiração é também chamada de “orgânica”, porque a Escritura pode ser comparada em certo sentido a um organismo, onde há uma interação harmoniosa de forças, havendo uma operação “concursiva” ou autoria confluente. Deus preparou os seus servos desde à eternidade, tornando-os “órgãos da inspiração”. “A interpretação adequada da inspiração bíblica é a orgânica, que salienta a forma servil da Escritura. A Bíblia é a Palavra de Deus em linguagem humana. A inspiração orgânica é inspiração ‘gráfica’, e é tolice distinguir pensamentos inspirados de palavras e letras inspiradas” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 389).  (Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 431ss.;  B.B. Warfield,  A Inspiração e a autoridade da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 67-68; Homer C. Hoeksema, The Doctrine of Scripture, Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1990, p. 78ss.; Gordon R. Lewis; Bruce A. Demarest,  Integrative Theology, Grand Rapids, Mi.: Zondervan, 1987, v. 1, p. 135-138). A Bíblia em sua formação, apesar de elementos que conduziriam a uma mensagem desconexa e até mesmo contraditória, revela em seu conteúdo “uma interconexão orgânica que se impõe no decurso dos muitos séculos que sua composição levou”, escreve Archer, Jr. (1916-2004). (Gleason L. Archer, Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 15).

[4] Vejam-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006; B. B. Warfield, Revelation and Inspiration: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981, v. 1, p. 101.

[5] Cf. J.I. Packer, A suficiência da linguagem humana: In: Norman Geisler, org. A Inerrância Bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2003,  [p. 233-268], p. 238.

[6]“O lado positivo da apologética é a comunicação do Evangelho à geração presente de modo que possam entender” (F.A. Schaeffer, O Deus que intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 213).

[7] “Da mesma maneira, Satanás diabolicamente desconstrói o mundo de Deus. Ele faz o mal parecer bem e o bem, mal (Is 5.20). Ele engendra um mundo novo em que seus caminhos se tornam comuns, aceitáveis, normais. Os caminhos de Deus estão fora de tendência: são estranhos, esquisitos, bizarros. Os caminhos de Satanás são os meios pelos quais todas as alternativas são julgadas. (P. Andrew Sandlin, Deus decide o que é normal, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2021, p. 10.  (Edição do Kindle).

[8]“Ora, visto que a fé abraça a Cristo como Ele nos é oferecido pelo Pai, e Aquele, de fato, seja oferecido não apenas como justiça, remissão dos pecados e paz, mas também como santificação, e fonte de água viva, sem dúvida, jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito. (…) A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do Seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso” (João Calvino, As Institutas, III.2.8). “Onde quer que toquemos qualquer parte da estrutura da soteriologia calvinista, tocamos na veia viva do propósito de Deus de ter um povo santo” (Albert N.  Martin, As Implicações Práticas do Calvinismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p.32).

[9] “Quando obedecermos ao mandato cultural, participaremos do trabalho do próprio Deus, como agentes da sua graça comum” (Nancy Pearcey,  Verdade Absoluta: libertando o cristianismo de seu cativeiro cultural, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 53).

[10]“Somos obrigados, em qualquer parte do mundo em que vivemos, a reconhecer as riquezas da bondade divina visualizadas na fertilidade e desenvolvimento da terra” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 65.9), p. 618). “Não existe parte alguma da terra negligenciada por Deus, e que as riquezas de sua liberalidade se estendem por todo o mundo” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2,  (Sl 65.12-13), p. 620). Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Fé como boa obra e a boa obra da fé, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2020.

[11]Vejam-se:  D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 367; John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 22, (1Pe 2.11), p. 78; João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Edições Paracletos, 1997, (Hb 13.14), p. 391-392.

[12] W. G. Tullian Tchividjian, Fora de Moda, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 93.

[13] “A fé cristã não tira os homens do mundo  – pelo contrário coloca-os ainda mais em seu meio – mas liberta-os de sua afeição pelo mundo. A lei do mundo e o caminho do mundo não podem mais ser deles depois que passam a pertencer a Deus. A rendição a Deus é simultaneamente uma quebra com os antigos caminhos do mundo. (…) O homem cristão deve agora adotar o estilo arquitetural de Deus e livrar-se do estilo do mundo. Isso requererá ainda trabalho duro até que esta reconstrução seja completada em cada um de seus detalhes!” (Emil Brunner, Romanos, São Paulo: Fonte, 2007, (Rm 12.1-2), p. 169).

[14] Para uma exposição mais detalhada sobre o significado da teologia, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Fundamentos pressuposicionais da Teologia Reformada, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2022, p. 47-68

[15]John Mackay, Prefacio a la Teologia Cristiana, México; Buenos Aires: Casa Unida de Publicaciones; La Aurora, 1946, p. 28.

[16]A. Kuyper, Principles of Sacred Theology, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1980 (reprinted), § 60, p. 257ss. Ver também: Herman Bavinck, Reformed Dogmatics: Volume 1: Prolegomena, p. 212. Esta distinção, ao que parece, originou-se com o teólogo Polanus (1561-1610) (Cf. Richard A. Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1987, v. 1, p. 126-127).  Kant também emprega ambas as classificações, falando de theologia archetypa  e theologia ectypa (I. Kant, Lectures on philosophical theology, London: Cornell University Press, 1978,  p. 23,86).

[17]“Éctipo” é uma palavra de derivação grega, “e)/ktupoj” (cópia de um modelo, ou reflexo de um arquétipo), passando pelo latim “ectypus” (feito em relevo, saliente). “Éctipo” é o oposto a arquétipo (do grego, “a)rxe/tupoj” = “original”, “modelo”). Na filosofia, G. Berkeley (1685-1753) estabeleceu esta distinção no campo das ideias:

“Pois acaso não admito eu um duplo estado de coisas, a saber: um etípico, ou natural, ao passo que o outro é arquetípico e eterno? Aquele primeiro foi criado no tempo; e este segundo desde todo o sempre existiu no espírito de Deus” (G. Berkeley, Três Diálogos entre Hilas e Filonous, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 22), 1973, 3º Diálogo, p. 119).

[18]H. Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1976, p. 15. Barth acentua: “A revelação é um círculo fechado onde Deus é o sujeito, o objeto e o termo médio” (Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 19). Ver também: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 155, 185s.

[19]De certo modo, é isso que afirma Wollebius (1586-1629): “A verdadeira teologia é corretamente classificada como original e derivada. A teologia original é o conhecimento que Deus tem de si mesmo. Na realidade esta não difere da essência de Deus. A teologia derivada é uma espécie de cópia da original, primeiro em Cristo, o Deus-homem, e em segundo, nos membros de Cristo. Alguns membros de Cristo são triunfantes no céu, e outros militantes na terra; a teologia dos triunfantes pode ser chamada de teologia dos benditos, e a dos militantes é nomeada de teologia dos peregrinos” (Johannes Wollebius, Compêndio de Teologia Cristã,  Eusébio, CE.: Peregrino, 2020, p. 23).

[20] Veja-se: Geerhardus Vos, Teologia Bíblica, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 13-14.

[21]Karl Barth, The Faith of the Church: A Commentary on Apostle’s Creed According to Calvin’s Catechism, Great Britain: Fontana Books, 1960, p. 27.

[22]Stanley J. Grenz; Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo sobre Deus e sua relação com o ser humano, São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 51.

[23] Veja-se: Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 67.

[24] Ver R.C. Sproul, O Que É a Teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 14-15.

[25]Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 4.

[26]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1984 (Resumo feito por J.P. Wiles), I.7. p. 40.

Em outro lugar, Calvino escreveu:

“Deus não deu a conhecer a Palavra aos homens com vistas a momentânea apresentação, assim que de pronto a abolisse com a vinda de Seu Espírito; pelo contrário, enviou o mesmo Espírito, pelo poder de Quem havia dispensado a Palavra, para que realizasse sua obra mediante a eficaz confirmação dessa mesma Palavra. Desta forma, Cristo abriu o entendimento aos dois discípulos de Emaús (Lc 24.27,45), não para que, postas de parte as Escrituras, se fizessem sábios de si mesmos, mas para que entendessem essas Escrituras. De modo semelhante, Paulo, enquanto exorta aos tessalonicenses a que não extingam o Espírito, não os arrebata às alturas, a vãs especulações à parte da Palavra, mas imediatamente acrescenta que as profecias não deveriam ser desprezadas (1Ts 5.19,20). Com o que acena, longe de dubiamente, que a luz do Espírito é sufocada assim que em desprezo vêm as profecias” (J. Calvino, As Institutas, I.9.3). (Veja-se, João Calvino, As Institutas, I.7.4-5). Hesselink (1928-2018) diz que “a contribuição mais original e duradoura de Calvino para uma compreensão evangélica da natureza e da autoridade da Escritura foi sua doutrina do testemunho interno do Espírito Santo” (I. John Hesselink, O Movimento Carismático e a Tradição Reformada. In: Donald K. McKim, ed. Grandes Temas da Tradição Reformada, p. 339). Pannier (1869-1945), do mesmo modo, escreve: “Esta doutrina especificamente calvinista, baseada na Escritura Sagrada, é o fio condutor que permite seguir de um extremo ao outro o plano geral e os diversos capítulos do livro”  (Jacques Pannier, Introduction à Institution de la Religion Chrestienne, Paris: Société Les Belles Lettres, 1936, v. 1, p. XXVI).

[27] Ver: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, História e Filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 99.

[28]“O termo ‘reformado’ tornou-se gradualmente o preferido para a forma de protestantismo que surgiu desse poderoso cadinho de ideias – em parte para enfatizar o compromisso do movimento de ‘reformar-se de acordo com a Palavra de Deus’ e, em parte, para distingui-lo de uma percepção rival de protestantismo, agora, cada vez mais conhecido como ‘luteranismo’. Embora o termo ‘calvinismo’, com frequência, seja usado para se referir a esse tipo de protestantismo por causa da influência de Calvino no seu surgimento e consolidação, alguns estudiosos dão preferência ao termo ‘reformado’, além de esse termo ser muito encontrado na literatura culta” (Alister McGrath, A Revolução Protestante, Brasília, DF.: Palavra, 2012, p. 99-100).

[29] A expressão “Calvinismo”, além de ambígua (B.B. Warfield, Calvin and Calvinism, Grand Rapids: Michigan: (The Work’s of Benjamin B. Warfield), 1981, v. 5, p. 353), foi introduzida em 1552 pelo polemista luterano Joacquim Westphal (c. 1510-1574), pastor em Hamburgo, para referir-se em especial aos conceitos teológicos de Calvino (Cf. Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of The European Reformation, Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1993, p. 6; Bernard Cottret, Calvin: a Biography, Grand Rapids, Mi.: Eerdmans and Edinburgh: T & T Clark, 2000, p. 239). Na realidade, Calvino deplorou o uso do termo (1563) que ele considera empregado cruelmente por esses “zelotes frenéticos” (Cf. John Calvin, Commentaries on the Prophet Jeremiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. 9), 1996 (reprinted), (Carta Dedicatória do seu comentário do Livro de Jeremias), p. xxii). Entretanto, usamos o termo no sentido que permanece até os nossos dias, como designativo da teologia Reformada em contraste com a Luterana. (Vejam-se: B.B. Warfield, Calvin and Calvinism, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (The Work’s of Benjamin B. Warfield), 2000 (Reprinted), v. 5, p. 353; W.S. Reid, Tradição Reformada: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 3, p. 562). McGrath oferece-nos dados complementares sobre o uso da expressão em outro de seus valiosos livros, indicando que a palavra foi empregada pelos luteranos alemães referindo-se ao Catecismo de Heidelberg (1563), que havia penetrado no, até então, inabalável território luterano [lembremo-nos do princípio predominante então, de que: “sua região determina sua religião”]; assim a expressão queria indicar algo que era “estrangeiro”, estranho à fé luterana, era “calvinista”. (Vejam-se: Alister E. McGrath, Reformation Thought: An Introduction, 2. ed. Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1993, p. 9; Alister E. McGrath, A Life of John Calvin: A Study in the Shaping of Western Culture, p. 202-203). Barth está correto quando nos diz que “O ‘calvinismo’ é um conceito que devemos aos historiadores modernos. Quando nós o usarmos, tenhamos a certeza de que as Igrejas reformadas do século XVI, do século XVII, e mesmo a do século XVIII, jamais se nomearam como sendo ‘calvinistas’.” (Karl Barth, em introdução à obra, Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, Egloff, Paris, © 1948, p. 10). “O calvinismo é uma construção dogmática que eu distinguiria da fé viva de Calvino. Muitos protestantes calvinistas preferem dizerem-se reformados para não incorrer na censura de idolatria. Um bom calvinista não deveria dizer-se “calvinista”, e, em sua origem, o calvinismo é uma invenção de luteranos da segunda ou terceira geração, hostis à teologia de Calvino, em particular sobre as questões eucarísticas” (Bernard Cottret, A purificação calvinista do cristianismo. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2961&secao=316. (Acesso em 24.04.2022).

[30]I. Kant, Crítica da  Faculdade de Julgar, Petrópolis, RJ.; Bragança Paulista, SP.: Vozes; Editora Universitária São Francisco (Coleção Pensamento Humano), 2017, I.2, § 26.

[31] I. Kant, Crítica da  Faculdade de Julgar, Petrópolis, RJ.; Bragança Paulista, SP.: Vozes; Editora Universitária São Francisco (Coleção Pensamento Humano), 2017, I.2, § 26.  A despeito de Gadamer (1900-2002) se equivocar ao atribuir a Hegel a introdução do termo “Cosmovisão” (Hans-Georg Gadamer, Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 3. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes,  1999, p. 170), foi Hegel quem deu grande difusão ao uso da expressão (Veja-se: David K. Galgue, Cosmovisão: A história de um conceito, Brasília, DF.: Monergismo, 2017, p. 106). A obra de Ory  (1844-1913), resultado de suas preleções (Kerr Sectores, 1891) (Publicada em 1893) foi uma tentativa inovadora, ousada e abrangente de apresentar a expressão dentro de uma perspectiva bíblica, denominando-a “visão cristã do mundo”  (Veja-se: James Orr, A Visão Cristã de Deus e do mundo, São Paulo: Vida Nova, 2023, p. 45ss.; 92-99; 580ss.; 607). Para uma visão analítica de diversas definições e conotações do termo, além da obra de James Orr, vejam-se: David K. Naugle, Cosmovisão: A história de um conceito, Brasília, DF.: Monergismo, 2017, p. 89-103; James W. Sire, Dando nome ao elefante: Cosmovisão como um conceito, Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 35-76; Heber C. de Campos Jr., Amando Deus no Mundo: por uma cosmovisão reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2019, p. 79-95 (em especial).

[32]Veja-se: Karl Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, III/3, 11.48, § 2, p. 20.

[33] “Óculos corretos são capazes de pôr o mundo em foco mais claro – e a cosmovisão correta pode funcionar de um modo muito parecido. Quando alguém olha o mundo pela perspectiva da cosmovisão errada, o mundo não faz sentido. Ou o que a pessoa pensa fazer sentido estará, na verdade, errado em aspectos importantes. Aplicar o esquema conceitual correto, isto é, ver o mundo através da cosmovisão correta, pode ter repercussões importantes para o resto da compreensão da pessoa de acontecimentos e ideias”  (Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 27).

[34] Ainda que o dito seguinte tenha um propósito oposto à fé cristã, vejo aqui lampejos da graça comum, possivelmente em um raro momento de sanidade de Gramsci (1891-1937),   que podem ilustrar o que estamos dizendo: “Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte?” (Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020, v. 1, p. 94).

[35] “Eu não quero sugerir que os proponentes de uma mesma cosmovisão geral irão necessariamente concordar em todas as questões. Qualquer análise de cosmovisões que implique unanimidade total estará grosseiramente equivocada” (Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 44).“Em vez de pensar no cristianismo como uma coleção de partículas e fragmentos teológicos a serem cridos ou debatidos, devemos abordar, nossa fé como um sistema conceitual, uma visão total do mundo e da vida” (Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 29).

[36]John Piper, et. al. eds. Teísmo Aberto: uma teologia além dos limites bíblicos, São Paulo: Vida, 2006, p. 460-461.

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