O Seminário e a formação de Pastores – Parte 22
7.3.3.2. Harvard: A Imprensa e o Seminário
Os Pais Peregrinos atravessaram o continente e chegaram à América do Norte com o firme propósito: De obter a liberdade de adorar a Deus de acordo com suas próprias consciências, e de realizarem um trabalho missionário. Eles não somente desejavam a liberdade religiosa, mas também buscavam evangelizar os índios.
É um fato interessante que o selo original da Colônia da Baía de Massachusetts, que chegou e se estabeleceu em Salem, em 1628, tinha nele um índio norte-americano, com estas palavras saindo de sua boca: “Venha e nos ajude”. Esse dispositivo no selo de sua colônia publicou para o mundo o fato de que eles se consideravam missionários estrangeiros na América do Norte. Esse também foi o caso de seus irmãos da Colônia de Plymouth, que chegaram oito anos antes.[1]
Tipografia nas Colônias Americanas
Outro propósito dos puritanos na América, foi a formação de seus pastores. Podemos ver isso de forma evidente já no século XVII por meio da criação daquela que seria chamada posteriormente de Universidade de Harvard e a criação da Tipografia (1639).[2]
Contextualizemos um pouco.
Joseph Glover – “Pai da Imprensa Americana”
Um dos aspectos do estabelecimento da tipografia foi o apelo piedoso-litúrgico e missionário.
O maquinário tipográfico foi trazido da Inglaterra pelo pastor puritano Joseph Glover[3] para o colégio que ele juntamente com outras pessoas desejava fundar ou continuar apoiando.[4]
Os registros divergem um pouco. Não sabemos ao certo de Glover havia visitado e ou morado anteriormente a Nova Inglaterra. Sabemos contudo, que ele era um homem rico, tendo inclusive muitas propriedades em Massachusetts.[5]
Ele desejava também comungar com amigos seus que moravam em Massachusetts, que partilhavam da mesma compreensão teológica, distinta da Anglicana.[6]
No verão de 1638 ele embarcou na Inglaterra[7] com sua família: esposa e 5 filhos, Trouxe também uma máquina impressora e material tipográfico. Vieram também alguns homens que contratou com vistas ao estabelecimento de uma tipografia e, apoiar o trabalho do incipiente Colégio de Cambridge.
Lamentavelmente, ele morreu durante a viagem (1638), contudo o seu projeto foi levado adiante por sua viúva Elizabeth Glover (1602-1643)[8] e pelos homens que trouxera consigo com este fim, o serralheiro Stephen Daye (1594-1668) e seus dois filhos, dos quais um era tipógrafo, Matthew Daye (c. 1619-1649). Stephen Daye deveria trabalhar para o Rev. Glover como pagamento pela sua viagem juntamente com sua esposa e filhos.[9]
Por essa iniciativa, Glover é considerado o “Pai da Imprensa Americana”.[10]
Os primeiros trabalhos publicados, foram: Freeman’s Oath (“Juramento do homem livre”) (Janeiro de 1639)[11] e An Almanack for 1639, Calculed for New England, compilado por Mr. William Pierce, Mariner, dos quais não restam exemplares, foram feitos sob os auspícios do Harvard College.[12] O terceiro, do qual restam muitos exemplares, é The Whole Booke of Psalmes Faithfully Translated Into English Metre, mais conhecido como Bay Psalms Book (1640).[13]
Primeira Bíblia impressa na Nova Inglaterra
A primeira Bíblia impressa naquele país, foi em 1663 (Novo Testamento, 1661),[14] por intermédio dos impressores Marmaduke Johnson (1628-1674) e Samuel Green (1649-1692). A primeira fábrica de papel foi fundada por William Rittenhouse (1644-1708), em 1690, Germantown na Filadélfia.[15]
Harvard College
Retornemos um pouco. Em 1636, o Grande Tribunal Geral da Baía de Massachusetts da Nova Inglaterra votou a verba de 400 libras para a criação de uma Escola. Em 1637, foi determinado que o Colégio aprovado no ano anterior fosse construído na Vila de New Town (depois [1638] chamada de Cambridge em homenagem ao Rev. John Harvard que estudara em Cambridge).
Posteriormente, em 1639, o Tribunal Geral de Massachusetts determinou que ao Colégio passasse a se chamar Harvard College em homenagem ao pastor puritano, John Harvard (1607-1638), que, não tendo filhos, em seu testamento, havia doado metade de seu patrimônio – o equivalente a 800 libras −, e uma biblioteca com 260 títulos perfazendo um total de 400 volumes.[16] A escola recebeu outros donativos e o Estado completou o resto.[17]
Battles comenta:
Aproximadamente três quartos dos livros eram obras de teologia, a maioria das quais consistia em comentários bíblicos e sermões puritanos. Cícero, Sêneca e Homero figuravam entre as opções clássicas, mas não havia outras obras literárias além dessas. Era, enfim, a coleção de um pastor puritano atuando numa colônia perdida nos confins do Novo Mundo. Mas os livros legitimaram a pequena escola, provendo-a dos fundamentos intelectuais de que uma faculdade necessita. A escola foi-lhe grata, tomando para si o sobrenome de seu benfeitor, e Newtowne passou a chamar-se Cambridge, em homenagem à alma mater do finado pastor.[18]
Em 1643, por ocasião da formatura da primeira turma de Harvard[19] foi publicado em Londres um folheto, Primeiros Frutos da Nova Inglaterra,[20] uma espécie de histórico da instituição, acompanhado dos seus estatutos e vida cotidiana; ele é um apelo para aquisição de mais fundos.
O documento começa assim:
Depois que Deus nos conduziu sãos e salvos para Nova Inglaterra, e construímos nossas casas e asseguramos o necessário para nossos meios de subsistência, edificamos locais convenientes para o culto de Deus e estabelecemos nosso Governo Civil: Depois disso, uma das coisas que mais ambicionávamos era incentivar o Ensino e perpetuá-lo para a Posteridade; temendo deixar um Clero ignorante para as Igrejas, quando nossos atuais Ministros repousarem ao Pó.[21] (Destaques meus).
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1]Veja-se: Nehemiah Adams, The Life of John Eliot with an account of the early missionary efforts among the Indians of New England, Boston: Massachusetts Sabbath Scholl Society, 1847, p. 8.
[2]Nas Américas, a tipografia surgiu pela primeira vez no México (1539) em virtude de Carlos V, da Espanha, haver autorizado o bispo Juan Zumarraga (1468-1548) a instalar uma oficina na terra recém-descoberta. O Peru foi o segundo país americano a possuir tipografia (1579). A Bolívia o terceiro (1610).
[3] O nome de Joseph foi grafado de várias maneiras em reportagens que se referiam a ele como: Jose, Josse e Jos’ (Veja-se a transcrição de diversos documentos com essas variações em: Anna Glover, Glover Memorials and Genealogies: An Account of John Glover of Dorchester and his descendants, Boston: David Clapp & Son, Printers, 1867, p. 561). Ele fora Reitor de Sutton em Surrey, Inglaterra no período de 1628-1636, quando apresentou a sua renúncia, com vistas ao seu propósito de se mudar para a Nova Inglaterra, o que foi aceita com “tristeza”. (Veja-se: Isaiah Thomas. The History of Printing in America: With a Biography of Printers, and an Account of Newspapers. Miami, FL.: Hardpress © 1874, 2017, v. 1, Edição do Kindle, posição 1793 de 8004; Anna Glover, Glover Memorials and Genealogies: An Account of John Glover of Dorchester and his descendants, p. 560.
[4]Quanto à perspectiva puritana de “educação”, Veja-se: Leland Ryken, Santos no Mundo, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1992, p. 167-181.
[5]Cf. Isaiah Thomas, The History of Printing in America: With a Biography of Printers, and an Account of Newspapers. Miami, FL.: Hardpress © 1874, 2017, v. 1, Edição do Kindle, posição 1774 de 8004. McMurtrie (1888-1944), não isoladamente, diz que ele morou lá em 1634-1635 e comprou propriedades na Nova Inglaterra antes de trazer a família. Assim, ele voltou para Massachusetts com o firme propósito de apoiar o incipiente Colégio. (Douglas C. McMurtrie, O Livro: Impressão e fabrico, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1982), p. 421).
[6] Cf. Isaiah Thomas, The History of Printing in America: With a Biography of Printers, and an Account of Newspapers, Miami, FL.: Hardpress © 1874, 2017, v. 1, Edição do Kindle, posição 1373 de 8004.
[7] Nesse mesmo navio (“John of London”) veio também o Rev. Ezekiel Rogers (1590-1660) e cerca de 60 famílias. (Anna Glover, Glover Memorials and Genealogies: An Account of John Glover of Dorchester and his descendants, p. 562)
[8] Por vezes o nome da esposa de José Glover é apresentada como sendo Sarah [Owfield] (1598-1628). Na realidade essa foi a sua primeira esposa que faleceu ainda muito jovem, com 30 anos. O casal teve três filhos: Roger, Elizabeth e Sarah. José Glover contraiu segunda núpcias, agora com Elizabeth Harris em 1630, com quem teve 2 filhos: Priscila e John. Após o falecimento de Joseph Glover (1638), Elizabeth casou-se novamente (22.06.1641). Agora com o Rev. Henry Dunster (1609-1659), que era então o primeiro presidente de Harvard College, servindo nessa função por 14 anos (17.08.1640-1654) (Veja placa em seu túmulo: http://www.henrydunster.org/) (Consultado em 02.06.2024). Dunster era um administrador e professor muito competente. Posteriormente apresentou alguns problemas teológicos que resultaram em grande desgaste. (Para maiores detalhes sobre a vida de Dunster, veja-se: http://www.henrydunster.org/DUNSTER_HOUSE_ PRESENTATION_HENRY_DUNSTER_400th_ANNIVERSARY_Nov_12_2009.pdf)(Consultado em 02.06.2024); (Veja-se também: Isaiah Thomas. The History of Printing in America: With a Biography of Printers, and an Account of Newspapers, Edição do Kindle, posição 1640; 1800 de 8004); Perry Miller; Thomas H. Johnson, (eds). The Puritans, Mineola, New York: Dover Publications, (2 Volumes bounds as one), 1991, p. 700).
[9] https://historycambridge.org/innovation/American%20Printing.html (Consultado em 04.06.2024).
[10] Anna Glover, Glover Memorials and Genealogies: An Account of John Glover of Dorchester and his descendants, p. 561.
[11]“A fórmula do juramento de obediência prestado pelo cidadão ao Governo” (Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, São Paulo: Hucitec., 1992, p. 305).
[12]Vejam-se: D.C. McMurtrie, O Livro: Impressão e fabrico, p. 421ss.; Carlos Rizzini, O Jornalismo Antes da Tipografia, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 161; Encyclopaedia Britannica, verbetes: “Daye, Stephen”, “Printing”, “Harvard University”.
[13] Esta edição metrificada dos Salmos, foi destinada à adoração pública e privada dos fiéis, tornando-se extremamente popular. Em 1773 esta obra já havia atingido cerca de setenta edições. Na 3ª edição de 1651, 36 outras “canções da Escritura” foram inseridas. A 9ª edição de 1698, “foi a primeira a incluir tons, treze deles em duas partes, melodia e baixo, inseridos numa sessão final, sendo considerada a primeira composição musical impressa na América” (L. Gordon Tait, Bay Psalm Book: In: Donald K. McKim, ed. Encyclopaedia of the Reformed Faith, Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1992, p. 31). Este “Hinário” tornou-se o mais popular de todos os “saltérios” publicados em inglês. (Cf. H. McElrath, Bay Psalm Book: In: Keith Crim, (Gen. ed.). Abingdon Dictionary of Living Religions, Nashville, Tennesse: Abingdon, 1981, p. 93-94). Para acessar uma foto da primeira página da primeira edição desse hinário, veja-se: https://medium.com/@kyon_designer/a-imprensa-chega-a-am%C3%A9rica-hist%C3%B3ria-do-design-gr%C3%A1fico-6d8f58aee433 (Consultado em 01.06.2024).
[14] Esta Bíblia, patrocinada pela Associação Inglesa para a propagação dos Evangelhos entre os índios da Nova Inglaterra, não foi publicada em inglês mas, na língua algonquiana, falada pela tribo Pequot dos índios Iroquianos de Massachusetts, “uma língua não-escrita composta de sons guturais e inflexões de voz” (Ruth A. Tucker, “… E Até aos Confins da Terra…”, São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 90). O autor desta proeza foi o ministro puritano John Eliot (1604-1690) – “o apóstolo dos índios” –, que, proveniente da Inglaterra, chegou à Nova Inglaterra em 02/11/1631 (Veja-se: James Kendall Hosmer, (ed.), Winthrop’s Journal: History of New England, 1630-1649, New York: Charles Scribner’s Sons, 1908, v. 1, p. 70). A sua tradução do Novo Testamento está disponível: https://archive.org/details/ newtestamentofou00elio/page/ n13/mode/2up (Consultado em 05.06.2024).
Eliot se dedicou intensamente ao trabalho docente, pastoral e, também, missionário entre os índios Pequot, aprendendo a língua e elaborando uma gramática. “Ele foi reconhecido como um homem cuja simplicidade de vida e maneiras, e doçura evangélica de temperamento, conquistaram para ele todos os corações, seja nas aldeias dos emigrantes ou nas cabanas enfumaçadas dos nativos da Nova Inglaterra” (https://www.1902encyclopedia.com/E/ELI/john-eliot.html) (Consultado em 05.06.2024). Um documento importante é a “Breve Narrativa (1670), elaborada por Eliot a respeito do progresso de seu trabalho. (https://www.bartleby.com/lit-hub/american-historical-documents/john-eliots-brief-narrative/). (Consultado em 05.06.2024). (Vejam-se: Ruth A. Tucker, “… E Até aos Confins da Terra…”, 88ss.; Stephen Neill, História das Missões, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 230-231; Robert H. Glover, The Progress of World-Wide Missions, 4. ed. New York: Harper & Brothers Publishers, 1939, p. 85-87; George L. Prentiss, Eliot: In: Philip Schaff, (ed.). Religious Encyclopaedia: Or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Chicago: Funk & Wagnalls, Publishers, (revised edition), 1887, v. 1, p. 715-716; Hipólito Escolar, Historia de las Bibliotecas, 2. ed. Salamanca, Madrid: Fundación Germán Sanchez Ruipérez, 1985, p. 470). D. C. McMurtrie, O Livro: Impressão e fabrico, p. 423ss., traz a reprodução do frontispício das seguintes obras citadas: The Whole Booke of Psalmes e da “Bíblia de Eliot”. O frontispício desta Bíblia encontra-se também reproduzida In: Mark A. Noll, A History of Christianity in the United States and Canada, p. 75. Esta Bíblia é considerada primorosa em seu cuidado tipográfico. (Cf. José Barboza Mello, Síntese Histórica do Livro, Rio de Janeiro: Editora Leitura, S.A., 1972, p. 287). As Bíblia em inglês deveriam, por lei, ser importadas da Inglaterra (Cf. https://historycambridge.org/innovation/American%20Printing.html) (Consultado em 04.06.2024).
[15] Lyman Horace Weeks, A History of Paper-Manufacturing in the United States, 1690-1916, New York: The Lockwood Press Trade Journal Company, 1916, p. 3, 57, 266. Vejam-se: Otávio Malta, et. al. Livro: In: Antonio Houaiss, (Ed.), Enciclopédia Mirador Internacional, v. 13, [p. 6958-6961], p. 6959 e D.C. McMurtrie, O Livro: Impressão e fabrico, p. 421ss.; Carlos. Rizzini, O Jornalismo Antes da Tipografia, p. 161ss. Para maiores detalhes sobre a evolução da imprensa nos Estados Unidos, Vejam-se: Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 305ss.; D.C. McMurtrie, O Livro: Impressão e fabrico, p. 427ss.; Edwin Emery, História da Imprensa nos Estados Unidos, Rio de Janeiro: Editora Lidador, (1965), p. 39ss.
[16] Compare: Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 305; Mark A. Noll, A History of Christianity in the United States and Canada, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1996 (Reprinted), p. 44; Matthew Battles, A Conturbada História das Bibliotecas, São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003, p. 87; https://www.harvard.edu/about/history/timeline/#1600s [Consultado em 02.06.2024]).
[17]Veja-se: Primeiros Frutos da Nova Inglaterra, (1643) In: Harold C. Syrett, (Org.). Documentos Históricos dos Estados Unidos, São Paulo: Cultrix, 1980, p. 29.
[18]Matthew Battles, A Conturbada História das Bibliotecas, p. 87. Quanto às dificuldades posteriores da Biblioteca, Veja-se: Matthew Battles, A Conturbada História das Bibliotecas, p. 89-90. Battles informa-nos que o nº de livros da biblioteca em cerca de 2003 era de mais de 10 milhões de exemplares (Matthew Battles, A Conturbada História das Bibliotecas, p. 90).
[19]A primeira turma conclui seus estudos em 1642 com 9 formandos.
[20] Harold C. Syrett, org. Documentos Históricos dos Estados Unidos, São Paulo: Cultrix, 1980.
[21] Primeiros Frutos da Nova Inglaterra, (1643): In: Harold C. Syrett, org. Documentos Históricos dos Estados Unidos, São Paulo: Cultrix, 1980, p. 29. (Também: Perry Miller; Thomas H. Johnson, (eds). The Puritans, Mineola, New York: Dover Publications, (2 Volumes bounds as one), 1991, p. 700-707). Houghton apresenta uma gravura dos prédios de Harvard em 1726. (S.M. Houghton, Sketches From Church History, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 2000 (Reprinted), p. 171).
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