1.5. Senhor supremamente grande
Embora Deus seja incomparável, os Salmos frequentemente empregam recursos comparativos com um objetivo didático, ressaltando aspectos de seu caráter que, em essência, transcendem qualquer medida humana.
Essa aparente contradição se torna compreensível ao considerarmos que nossa maneira de definir o mundo − ainda que Deus não possa ser definido com nossas categorias −, envolve comparações e, a nossa percepção avaliativa depende de conceitos referenciais a fim de que possamos entender relativamente a questão de tamanho, quantidade, qualidade, distância, etc.
Considerando obviamente os nossos limites, essa – conforme já tratamos – é uma forma usada pelo próprio Deus para falar de si de modo que possamos entender.
Um dos termos, com as suas variações, empregados pelas Escrituras para realçar a soberania de Deus e a maravilha de suas obras, é a palavra Grande.
Especialmente à luz dos Salmos, analisemos alguns aspectos da grandeza de Deus e como isso traz implicações para a nossa vida:
Porque o SENHOR é o Deus supremo (lAdG”) (gadol) [1] e o grande (lAdG”) (gadol) Rei acima de todos os deuses. (Sl 95.3/Sl 96.4).
O teu caminho, ó Deus, é de santidade. Que deus é tão grande (lAdG”) (gadol) como o nosso Deus? (Sl 77.13).
O SENHOR é grande (lAdG”) (gadol) em Sião e sobremodo elevado (~Wr) (rum) acima de todos os povos. (Sl 99.2).
Grande (lAdG”) (gadol) é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu entendimento (hn”WbT.) (tebunah) (= inteligência, aptidão, habilidade) não se pode medir. (Sl 147.5).
Esse é o Deus conhecido pelo seu povo: “Conhecido ([d;y”) (yada’)[2] é Deus em Judá; grande (lAdG”) (gadol), o seu nome em Israel” (Sl 76.1).[3]
Grandeza que nos conduz ao culto
Vemos aqui a importância de conhecer a Deus. Que experiência mais maravilhosa poderia existir nessa existência e na eternidade?
Dia após dia, temos a oportunidade de conhecer mais a Deus tanto pela razão quanto pela experiência. Nas situações aparentemente insignificantes – ou mesmo naquelas que, por sua magnitude ou temor, parecem inalcançáveis –, reconhecemos o poder, a santidade, a justiça e o amor de Deus cuidando de nós. De fato, grande é o Senhor!
A suprema grandeza do Senhor não só o torna digno de nossos louvores, mas também nos revela que nosso culto deve ser marcado pela plena consciência de que adoramos aquele que é verdadeiramente grandioso.
A natureza divina, assim como os seus poderosos e misericordiosos feitos, nos convida profundamente ao culto. Por isso, nossa adoração deve ser precedida por uma reflexão cuidadosa sobre Deus e a imensidão de sua grandeza. Afinal, o modo como adoramos reflete nossa percepção acerca de Deus e o valor que atribuímos aos seus feitos, pois é a nossa doutrina que fundamenta e orienta nossa prática de culto. Em essência, adoramos conforme acreditamos.
No culto público, como nos portamos? O que ocupa a nossa mente? O que governa o nosso coração? Como poderemos nos apresentar diante do grande rei de forma indiferente, dispersiva e fragmentada?
Confesso ter que pedir a Deus perdão por isso também. Nem sempre me apresento de forma integra diante do meu Senhor. Grande é o Senhor em sua misericórdia!
Essa compreensão é comum aos salmistas:
Grande (lAdG”) (gadol) é o SENHOR e mui digno de ser louvado, na cidade do nosso Deus. (Sl 48.1).
Porque grande (lAdG”) (gadol) é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível (arey”) (yare) mais que todos os deuses. (Sl 96.4).
Grande (lAdG”) (gadol) é o SENHOR e mui digno de ser louvado; a sua grandeza (hL’WdG>) (gedullah) é insondável (rq,xe !yIa;) (ayin cheqer). (Sl 145.3).
O Senhor, somente, deve ser magnificado
O nosso culto, pelo seu motivo e conteúdo, deve ter uma conotação missionária visto que o grande Deus é o seu motivo e propósito. A adoração deve ser um testemunho para todos do quão grande é o nosso Senhor.
Os salmistas louvam a Deus reconhecendo a sua grandeza e convida a todos que quiserem, a assim fazê-lo:
Engrandecei (ld;G”) (gadal) o SENHOR comigo, e todos, à uma, lhe exaltemos o nome. (Sl 34.3/Sl 40.6; 69.30; 70.4).
Bendize, ó minha alma, ao SENHOR! SENHOR, Deus meu, como tu és magnificente (ld;G daom.) (gadal meod): sobrevestido de glória e majestade. (Sl 104.1).
Louvai-o pelos seus poderosos feitos; louvai-o consoante a sua muita grandeza (ld;G” bro) (gadal rob). (Sl 150.2).
O salmista compromete-se a anunciar os grandiosos feitos do Senhor: “Falar-se-á do poder dos teus feitos tremendos (arey”) (yare), e contarei a tua grandeza (hL’WdG>) (gedullah)” (Sl 145.6).
Grata memória
Em momentos de dúvidas, incertezas e abatimento, é oportuno considerar a nossa história de vida; trazer à memória os feitos de Deus e cultivar uma “grata memória”.
Por vezes, o presente se apresenta como um tirano em nossas vidas, impondo a ilusão megalomaníaca de ser a única realidade, alheia a tudo o que lhe antecedeu. Quando nossa fé se vê dominada pelo onipresente “agora” e assombrada pelo temido futuro, ela corre o risco de entrar em um estado de amnésia – esquecendo, como bem evoca a poetisa, que “no passado Deus guiou-te assim.” [4]
Entretanto, a Palavra nos liberta dessa tirania exclusiva do presente, revelando que podemos e devemos confiar e repousar no Senhor, cuja fidelidade é incomparável. Ele é o Senhor do tempo e do espaço, controlando todas as dimensões – aquelas que conhecemos e até mesmo as que permanecem além do nosso alcance.
O considerar os feitos de Deus é, com muita frequência, um estímulo a confiar e a continuar confiando. Deus nos chamou, nos guiou e preservou. Ele é o Deus grande que opera maravilhas em nossa vida e na de nossos irmãos. Devemos descansar em suas promessas.
Quando o povo clamava por um rei, Samuel abdicou de seu cargo como juiz de Israel e se despediu, recapitulando brevemente a história do povo. Ao concluir seu ministério, ele exorta: “Tão-somente, pois, temei ao SENHOR e servi-o fielmente de todo o vosso coração; pois vede quão grandiosas (lAdG”) (gadol) coisas vos fez” (1Sm 12.24).
Esse sentimento é comum aos salmistas. Davi considerando os feitos de Deus e o fato de que Ele ouve as suas orações, escreve: “Pois tu és grande (lAdG”) (gadol) e operas maravilhas; só tu és Deus!” (Sl 86.10).
O salmista se dispõe a adorar a Deus em companhia dos fiéis tendo em vista as suas grandes obras: “1Aleluia! De todo o coração renderei graças ao SENHOR, na companhia dos justos e na assembleia. 2Grandes (lAdG”) (gadol) são as obras do SENHOR, consideradas por todos os que nelas se comprazem” (Sl 111.1-2).
O escritor sagrado rende graças a Deus considerando as suas maravilhosas obras fruto de sua misericórdia: “Ao único que opera grandes (lAdG”) (gadol) maravilhas (al’P’) (pala), porque a sua misericórdia (ds,x) (hesed) dura para sempre” (Sl 136.4).
Davi canta com alegria a magnificente misericórdia de Deus que se manifestou em seu livramento e alento de sua alma:
Render-te-ei graças, SENHOR, de todo o meu coração; na presença dos poderosos te cantarei louvores. 2 Prostrar-me-ei para o teu santo templo e louvarei o teu nome, por causa da tua misericórdia (ds,x) (hesed) e da tua verdade, pois magnificaste (ld;G”) (gadal) acima de tudo o teu nome e a tua palavra. 3 No dia em que eu clamei, tu me acudiste e alentaste a força de minha alma. (Sl 138-1-3).
Quando o salmista recapitula de modo reflexivo a história de Israel no deserto – um período marcado pelo cuidado e pela provisão divina, assim como pela desobediência do povo – ele destaca um ponto crucial: o esquecimento dos grandiosos feitos de Deus. Ao relembrar os momentos em que o Senhor operou maravilhas, especialmente no Egito, o salmista sublinha que essa memória esquecida revela a tendência humana de ignorar o que verdadeiramente sustenta a sua existência. Conforme afirma o salmista: “Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que, no Egito, fizera coisas portentosas (lAdG”) (gadol)” (Sl 106.21).
A certeza do cuidado de Deus fortalece a nossa fé
A certeza da grandeza de Deus deve alimentar e fortalecer a nossa fé: “Com efeito, eu sei ([d;y”) (yada’) que o SENHOR é grande (lAdG”) (gadol) e que o nosso Deus está acima de todos os deuses” (Sl 135.5).
Os feitos grandiosos de Deus, por vezes, são reconhecidos até mesmo pelos ímpios, conforme registra o salmista:
1Quando o SENHOR restaurou a sorte de Sião, ficamos como quem sonha. 2Então, a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua, de júbilo; então, entre as nações se dizia: Grandes (ld;G”) (gadal) coisas o SENHOR tem feito por eles. (Sl 126.1-2).
Algumas considerações
O culto, fundamentado na adoração ao grande Deus, deve ser também um ato missionário. Ao reconhecer que a verdadeira essência do culto é adorar aquele que é infinitamente grandioso, somos movidos a expressar essa verdade de forma audaciosa. Isso significa que nossas orações, louvores e testemunhos devem apontar para a soberania de Deus, convidando outros a experimentarem a transformação que vem de reconhecer Seu poder e misericórdia.
Em resumo, os Salmos nos ensinam que conhecer e adorar o Deus Grande não é apenas um exercício intelectual ou ritual. É uma prática diária que envolve recordar seus feitos, examinar nossas atitudes, compartilhar nossa fé e confiar que, mesmo diante das incertezas do presente, o Senhor permanece fiel e soberano. Como o salmista expressa, “Grande é o Senhor!” a nossa vida deve ser um contínuo reflexo desse reconhecimento.
Esse é o nosso Deus. É o nosso Pastor e Rei. Ele é grande e os seus atos de misericórdia são grandiosos. Confiemos nele. Cantemos louvores. Propaguemos sua majestade. Amém.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] Para um estudo mais exaustivo do uso da palavra e de suas variantes, vejam-se: M.G. Abegg, Jr. Gdl: In: Willem A. VanGemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 798-801; Jan Bergman, et. al. Gâdhal: In: G.J. Botterweck, Helmer Ringgren, eds. Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdamans, 1977 (Revised edition), v. 2, p. 390-416. (Para os nossos objetivos, especialmente, as páginas 406-412).
[2]([d;y”) (yada’). Conforme já mencionamos, esse conhecimento envolve diversos aspectos de nossa capacidade experimental.
[3] Todo o Salmo 76 é uma demonstração da grandeza operante de Deus.
[4] 2ª estrofe do hino “Confiança em Deus”, nº 156 do Hinário Novo Cântico. Hino escrito em 1752 pela escritora alemã, de grande ênfase pietista, Kathrina A.D. Von Schegel (1697-1768). A nossa tradução é o presbiteriano (IPI) Isaac N. Salum (1913-1993).