1.6. Todo-Poderoso (1)
Lutero (1483-1546), comentando o Cântico de Maria (Magnificat) (1521), escreve:
“Creio em Deus-Pai, Todo-poderoso”. Ele é todo-poderoso, de modo que em todos e através de todos e sobre todos reina exclusivamente seu poder. (…) Este é um artigo muito elevado e que encerra muita coisa; ele põe por terra toda arrogância e petulância, todo orgulho, glória, falsa confiança e enaltece somente a Deus; sim, ele indica a razão porque se deve enaltecer somente a Deus.[1]
Uma das doutrinas que permeiam toda Escritura Sagrada é a Soberania de Deus. “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso….”, esta tem sido a declaração de fé feita pelos cristãos desde o século II, por meio do Credo Apostólico. A Igreja, amparada nas Escrituras, tem, por graça, afirmado a sua fé no Deus “Todo-Poderoso”, Senhor de todas as coisas e, que ao mesmo tempo, é o nosso Pai Bondoso.[2]
Um dos traços mais notáveis da essência do poder de Deus é, sem dúvida, a sua autonomia.[3] Somente em Deus encontramos uma autonomia total e absoluta,[4] pois Ele é completo por si mesmo – um fim em si mesmo – sem necessitar de qualquer acréscimo ou sofrer qualquer diminuição. Essa característica sublinha que não há nada que se equipare à grandeza de Deus, nem algo que possa ofuscar a Sua Glória.
A Glória de Deus, por sua vez, não é meramente um atributo adicional, mas a própria manifestação eterna da realidade de seu ser. É através dessa Glória que se revela a perfeição de sua natureza, evidenciando uma existência plena, autossuficiente e absolutamente soberana. Essa verdade nos convida a reconhecer que toda a criação se curva diante de um Deus cuja grandeza é inquestionável e cuja autonomia rege todas as coisas.
Todo poder procede de Deus
E mais: todo o poder procede de Deus, que é a sua fonte inesgotável. Não há poder fora de Deus, estranho à sua concessão e preservação.
Spurgeon (1834-1892) enfatiza corretamente: “Deus é independente de tudo e de todos. Ele age de acordo com sua própria vontade. Quando Ele diz: ‘Eu farei’, o que quer que diga será feito. Deus é soberano, e sua vontade, não a vontade do homem, será feita”.[5]
Poder soberanamente livre
O poder de Deus é soberanamente livre. A soberania e a onipotência fazem parte da sua natureza essencial. Ele é, por natureza, o próprio poder. Ele não tem primariamente compromissos com terceiros. Em outras palavras: Deus é soberano em si e por si mesmo. Por isso mesmo, para Ele não há impossíveis. Mesmo perante qualquer oposição que possa pretender lhe ser hostil – diga-se de passagem, sob sua concessão −, Ele executa com perfeição o seu plano.[6]
Tudo o que Deus deseja, Ele pode realizar (Mt 19:26; Jó 23:13[7]).[8] Contudo, sua essência não depende do constante exercício de seu poder para se manifestar. Deus existe de forma plena e absoluta, sem qualquer vácuo entre ato e potência. Em Sua natureza, o potencial já se encontra integralmente consumado.
Embora Ele possa realizar tudo o que desejar, Deus escolhe soberanamente não executar todo o seu poder, porque seu propósito não exige que Ele atue em todas as possibilidades. Essa seletividade não restringe sua capacidade; pelo contrário, evidencia a perfeição e a liberdade de sua vontade, que se alinha harmoniosamente com o seu caráter e seus desígnios santos eternos.
Poder consistentemente harmonioso
A sua ação é determinada por seus sábios e voluntários decretos os quais, por sua vez, não estão sujeitos a conselhos ou pressões externas ou compulsões interna. Os seus decretos, além de eternos – portanto, antes da criação –, são consistentes consigo mesmo e uma expressão deliberativa de sua natureza.
Deus realiza o que realiza porque, além de plenos poderes para fazê-lo, Ele age conforme a sua santa vontade. A sua Palavra é íntegra. Ele é fiel. Deus cumpre completamente as suas promessas. Em Deus não há contradição, fraqueza, ou impossibilidade.
Ontologicamente Deus não precisa de nada fora de si mesmo. Ele se basta a si mesmo. Deus é. Ele é, conforme vimos nas palavras de Turretini (1623-1687), “independente e verdadeiramente autopoderoso”. [9] A criação nada lhe acrescenta ou diminui. Nenhuma alteração ocorre no seu ser[10] que diminua ou aperfeiçoe a sua essência.
Deus se apresenta nas Escrituras como de fato é, o Deus Todo-Poderoso (Onipotente), com capacidade para fazer todas as coisas conforme a sua vontade (Sl 115.3; 135.6; Is 46.10; Dn 4.35; Ef 1.11).[11]
Deus possui autoridade suprema e o poder absoluto de realizar tudo aquilo que deseja ou venha a desejar, agindo de acordo com a forma, o tempo e o propósito que Ele determinar.[12]
Deus se revela coerente com todas as demais perfeições de sua natureza. Em outras palavras, Ele exerce seu poder em perfeita harmonia com os atributos que o definem, como santidade, justiça, sabedoria e amor.
Essa integração demonstra que não há separação ou contradição entre o poder e as demais qualidades divinas. A ação de Deus é um testemunho da unidade e integridade de seu caráter, operando sempre de forma consistente com a plenitude de quem Ele é.[13]
A sua vontade é ética e santamente determinada. O poder de Deus se manifesta de forma consonante com a sua vontade.[14] Em outras palavras: “A vontade de Deus é uma com seu ser, sua sabedoria, bondade e todas as suas outras perfeições”, sumaria Bavinck.[15]
Se agencia por meio das causas externas
Contudo, pela graça, Deus frequentemente se utiliza de causas externas para realizar seus propósitos. Por exemplo, se desejasse, Ele poderia estabelecer a salvação de todos os homens, independentemente da revelação da Palavra e da fé em Cristo; contudo, escolhe não agir dessa forma. Essa decisão revela que a forma de agir de Deus não é arbitrária, mas reflete sua sabedoria, que, livremente, definiu o critério de salvação – fundamentado na graça, que se manifesta por intermédio da fé conforme a Palavra (Rm 10.17; Ef 2.8) [16]
Em tudo, Deus age de modo compatível com a perfeição de sua justiça, integrando sua soberania com um propósito redentor que permanece fiel à sua natureza eterna.[17]
Bavinck (1854-1921), mais uma vez é-nos útil aqui ao escrever: “Sua vontade é idêntica ao seu ser, e a teoria do poder absoluto, que separa o poder de Deus de suas outras perfeições, é somente uma abstração vazia e impermissível”.[18]
Poder absoluto e poder ordenado
A soberania de Deus se manifesta no fato dele poder fazer tudo o que faz (poder ordenado) e mesmo aquilo que não realiza, visto que não determinou fazê-lo (poder absoluto). O poder absoluto de Deus envolve o seu poder ordenado.[19] E o poder ordenado delimita o poder absoluto pela própria decisão restritiva de Deus: quando Deus decide fazer o que faz, delimitou a sua ação de forma que não mais pode fazer o que não determinou fazer e, na realidade, não pretende fazer diferente. Como temos insistido, o poder de Deus é sempre condizente com a totalidade de seus atributos.
O poder absoluto de Deus não é incoerente com a sua essência. A vontade de Deus é santa. Não há propósitos e atitudes contraditórios em Deus. O soberano poder de Deus somente é limitado pelo absurdo ou pelo autocontraditório e por ações imorais.[20] “Deus é o padrão para a moralidade humana, assim Ele não pode ser menos que perfeito em sua santidade, bondade, e retidão”, conclui Frame.[21]
Deus exerce o seu poder no cumprimento do que decretou e nas obras da providência. Aliás, as obras da providência consistem na execução temporal dos decretos eternos de Deus.[22]
O poder realizado não serve de limites para Deus
Contudo, o que Deus realiza não serve de limites para o seu poder: “Destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão”, adverte João Batista aos arrogantes descendentes da carne, mas, não da fé de Abraão (Mt 3.9).
Na criação e preservação temos uma magnífica amostragem da majestade de Deus e de seu poder, não contudo, a totalidade. O poder de Deus transcende infinitamente o seu poder revelado. O seu poder é maior do que tudo o que criou. Todavia, o seu poder sempre será, em ato e potência, consoante com as suas eternas perfeições.[23]
Portanto, quando oramos a Deus, não temos dúvida quanto ao seu poder para nos atender em nossas súplicas. Ele pode. Não sabemos apenas se isso faz parte do seu propósito santo, sábio e eterno. Por isso, o que fazemos é suplicar a Deus que confirme com poder e graça o seu propósito, e nos dê fé para aceitar a sua direção ainda que não entendamos adequadamente a sua vontade.
Deus é o Senhor Todo-Poderoso. O seu poder não é derivado, antes autoexistente e autopreservado. O salmista nos diz: “Nos céus, estabeleceu o SENHOR o seu trono, e o seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19).
Os amigos de Daniel e sua fidelidade
Quando Nabucodonosor quis obrigar os amigos de Daniel a se curvarem diante de um ídolo que fizera, em seu suposto poder, mostra-se terrivelmente arrogante.
O rei os chama e lhes faz a pergunta, conferindo-lhes, porém, a oportunidade de retratação. A resposta foi surpreendente:
É verdade, ó Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que vós não servis a meus deuses, nem adorais a imagem de ouro que levantei? Agora, pois, estai dispostos e, quando ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da gaita de foles, prostrai-vos e adorai a imagem que fiz; porém, se não a adorardes, sereis, no mesmo instante, lançados na fornalha de fogo ardente. E quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos? Responderam Sadraque, Mesaque e Abede-Nego ao rei: Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te responder. Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste. (Dn 3.14-18/Dn 3.12).
O rei foi incapaz de dobrar os três jovens e estes, mesmo amarrados e atirados na fornalha (Dn 3.21), eram de fato os únicos livres, pois nem mesmo a ameaça de morte o fizeram dobrar-se a um ídolo pagão. Isto ilustra como a fidelidade nas pequenas questões pode tornar-se ainda mais vigorosa no momento de grandes desafios e provações.[24]
Para aqueles jovens a soberania de Deus não era assunto para mero arrazoado, era questão de vida ou morte. Com Deus não se brinca; eles não estavam dispostos a simplesmente empreender um debate sobre a soberania de Deus após Ele mesmo ter dado provas suficientes do seu poder.
É aqui que vem a nossa questão: Sadraque, Mesaque e Abede-Nego não sabiam se sobreviveriam à condenação do rei. No entanto, tinham certeza de que Deus se assim o quisesse (poder ordenado), nada nem ninguém poderia impedir-lhe (poder absoluto).
Como escreve Marconcini, “Os jovens não têm necessidade de um milagre para acreditar na onipotência divina, ao contrário dos pagãos. Deus pode libertar do fogo: se não o faz, alimenta outros projetos aos quais é justo abandonar-se com extrema confiança”.[25] Ou seja: Eles conheciam o seu Deus de forma que sabiam que Ele tinha poder absoluto para livrá-los; contudo, o que eles não poderiam fazer, e de fato não fizeram, era declarar levianamente que Deus os livraria.[26] “[Deus] é poderoso para nos salvar se assim quiser”, declara Calvino.[27] Sem dúvida esta era a certeza daqueles jovens e, certamente, deve fazer parte de nossa fé.
Daqui tiramos um princípio de suma importância: Deus não satisfaz necessariamente as nossas expectativas. Ele cumpre sempre as suas promessas, não aquilo que imaginamos que Ele vá fazer. Notemos que estes homens estariam cheios de motivos para dizer que Deus os libertaria, afinal eles estavam naquela situação devido à sua fidelidade a Deus.
Eles não comprometeram a sua fé a um desejo natural de sobrevivência. Deus não lhes prometera preservá-lo naquela prova; portanto, eles não poderiam falar por Deus. O que eles sabiam é que o Deus sábio e soberano tinha poder para livrá-los. Se Ele assim o desejasse, nem a fornalha nem o rei poderiam impedi-lo; contudo, o seu poder não estaria condicionado a esta circunstância: libertá-los ou não. Deus sabe o que é melhor para nós ainda que não entendemos perfeitamente isso.[28]
Precisamos aprender a confiar em Deus e nas suas promessas, no entanto, devemos também aprender a não confundir os nossos anseios com o propósito de Deus, ainda que aqueles sejam considerados por nós santos e justos.
Calvino conclui: “Sempre que for oportuno, Deus usará seu poder e nos salvará; contudo, se Ele nos levar à morte, decidamos em nossos corações que não nos há nada melhor do que morrermos, e que é prejudicial o prolongamento de nossas vidas”.[29]
Esses jovens demonstraram também que a acusação feita era parcialmente verdadeira; eles não serviriam nem adorariam a deuses estranhos, que nada são: “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.17-18/Dn 3.12).
Eles sabiam que Deus age como determina agir, tendo plenos poderes para levar adiante a sua determinação (Sl 115.3).
Deus por intermédio de Isaías, falando a respeito da futura destruição da babilônia, diz: “…. O meu conselho permanecerá de pé, farei toda da minha vontade” (Is 46.10).
Quais são os nossos sonhos, planos e projetos para os próximos dias, meses e anos? Como os idealizamos? É necessário que tenhamos em mente que se eles estiverem dentro do propósito de Deus nada poderá impedir-nos. Entretanto, devemos ter sempre em mente o “se”.
Deus, conforme o seu propósito, salvou os seus servos. O próprio rei pagão Nabucodonosor, teve de admitir: “Não há outro Deus que possa livrar como este” (Dn 3.29). Nabucodonosor aprende que ele pode fazer decretos e governar o seu império, no entanto, o seu poder não é absoluto.
Deixar Deus ser Deus
Uma das grandes dificuldades dos homens em todos os tempos é deixar Deus ser Deus;[30] recebê-lo tal qual Ele se revela, não cedendo à tentação de construí-lo dentro de nossos pressupostos culturais ou mesmo do nosso gosto pessoal.[31] Estamos dispostos a fabricar nossos deuses para que eles possam cobrir e preencher as brechas de nossa pretensa compreensão em busca de uma arrogante autonomia.
Assim, quando pretensamente consigo dominar a realidade, já não preciso de Deus; quando não, invoco este deus criado por mim para justificar as minhas crenças, expectativas e, ao mesmo tempo, a minha falta de fé. Dentro desta perspectiva, onde há ciência não precisamos de Deus;[32] onde reina a ignorância há um espaço para um ser transcendente, destituído de sua glória, é verdade, mas, assim mesmo um “ser superior”. Aqui há o esquecimento proposital, de que o ateísmo é também uma questão de fé.[33] Posso crer que Deus existe, como também, crer que ele não existe. Em ambos os casos, a fé é essencial.
Tentativa de nivelar Deus aos nossos pecados
No Antigo Testamento os judeus insensíveis aos seus próprios pecados, tomaram o aparente silêncio de Deus como uma aprovação a seus erros, projetando nele o seu comportamento. Nivelaram Deus a si mesmos e, deste modo, criam terem encontrado um álibi teológico para suas transgressões.[34] No entanto, Deus, no momento próprio, exporia diante deles os seus delitos: “Tens feito estas coisas, e eu me calei; pensavas que eu era teu igual; mas eu te arguirei e porei tudo à tua vista” (Sl 50.21).
Calvino diz que o homem pretende usurpar o lugar de Deus: “Cada um faz de si mesmo um deus e virtualmente se adora, quando atribui a seu próprio poder o que Deus declara pertencer-lhe exclusivamente”.[35]
De fato, os homens estão dispostos a reconhecer espontaneamente diversas virtudes em Deus: o seu amor, sua graça, bondade, perdão, tolerância, provisão, etc. Agora, a sua soberania, jamais.[36]
Rejeitar o Evangelho é rejeitar a Deus
A rejeição ao Evangelho é, na realidade, uma rebeldia contra o domínio soberano de Deus. A negação da soberania de Deus é uma atitude que pode pavimentar o caminho para o ateísmo. Pink (1886-1952) entende que “negar a soberania de Deus é entrar em um caminho que, seguindo até à sua conclusão lógica, leva a manifesto ateísmo”.[37]
Como sempre desejosos de ser autônomos a nossa dificuldade óbvia está em reconhecer a Deus como o Senhor que reina.[38] Esta é uma concorrência que não aceitamos com naturalidade e, na realidade, nos rebelamos contra ela. A nossa autonomia presumida é bastante ciosa de seus supostos poderes. Tendemos a ser bastante iluministas em nosso otimismo diante do que vemos no espelho.
A Palavra, por sua vez, nos desafia a aprender com ela a respeito de Deus e de seu Reino. O nosso Deus, entre tantas perfeições, é o Deus soberano, Sem este atributo, Deus não seria Deus: “Verdadeiramente reconhecer a soberania de Deus é, portanto, contemplar o próprio Deus soberano”, resume Pink.[39]
No entanto, Jó demonstra a dificuldade de nossa compreensão, ao indagar: “Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?” (Jó 26.14).
Mas, o fato que faz parte amplamente da experiência cristã, é que somente aquele que confia intensamente na soberania de Deus poderá encontrar a paz em meio às vicissitudes da vida.[40]
Conhecer a Deus em sua soberania é libertador
A graça de Deus se manifesta no fato dele possibilitar a nós conhecê-lo em sua soberania. Portanto, conhecer a Deus é um dom da graça. Aliás, nas palavras de Packer, é o “dom supremo”.[41]
Esse conhecimento, por sua vez, nos liberta para que possamos conhecer a nós mesmos e as demais coisas da realidade. Somente por obra e graça de Deus poderemos enxergar com clareza o que posto diante de nós reivindica ser realidade e aquilo que nos escondem, como se não existisse, mas, que de fato tem o seu valor e significado. Somente Deus nos fornece uma estrutura de referência que confere sentido à realidade e, portanto, à nossa vida.[42]
O Reino de Deus é o reinado de Deus. O seu governo absoluto sobre todas as coisas, visíveis e invisíveis. A sua providência é exercida sobre todos os homens; nada lhe escapa. O seu governo é sobre tudo e todos.[43]
Todo poder provém e é sustentando por Deus
Todo o poder é derivado de Deus. Toda autoridade tem a Deus como Autor supremo. Confiar em qualquer manifestação de poder ou autoridade fora de Deus é pura tolice. Deus é a fonte de todo o poder. Todo poder está em Deus e todo poder é preservado por Ele. Fora de Deus nada nem ninguém pode auto-existir. Como autor de todas as coisas, Ele tem autoridade sobre toda a realidade e poderes.
O Deus soberano com a sua vontade perfeita tem todo o poder. O Reino e a Glória lhe pertencem eternamente. Nada lhe é acrescentado ou retirado. Sua soberana vontade é caracterizada pela perfeição: a sua vontade é perfeita (Rm 12.2) envolvendo todas as nossas necessidades.
Por isso, não há impedimentos na concretização de suas promessas. É justamente isso que diz o anjo a Maria, surpresa, diante de sua gravidez anunciada: “Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1.37).
O prazer e a suficiência de Deus estão nele mesmo. Deus não precisa de meios para executar o que quer. Como bem escreve Hodge (1797-1878): “Esta simples ideia da onipotência de Deus, de que Ele pode fazer sem esforço, mediante volição, tudo o que quer, é a ideia de poder mais elevada e mais claramente apresentada nas Escrituras”.[44]
O Rei pagão, Nabucodonosor, extasiado diante do poder manifesto do Senhor, pela graça comum de Deus pôde exclamar genuinamente: “Segundo a sua vontade Ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).
A Escritura nos relata que Deus é livre para usar os anjos, os eleitos, os ímpios, Satanás, uma jumenta, os montes, etc. Ele é quem determina os fins e os meios pelos quais atuará. Ele é Senhor dos meios e dos fins. Os meios se tornam caminhos intermediários porque assim Deus os determinou.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
________________________________________________________
[1] Martinho Lutero, Magnificat: In: Obras Selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia, 1996, v. 6, p. 50-51.
[2] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014.
[3] Sobre a soberania de Deus, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Soberania de Deus e a responsabilidade humana, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.
[4] “A Divindade possui não apenas conhecimento infinito, mas também absoluta liberdade de vontade, de maneira que tudo o que faz, ou permite que seja feito, assim o faz e permite livremente e por sua própria vontade” (Girolamo Zanchi, A Doutrina da Predestinação, São Paulo: João Calvino Publicações, 2021, p. 39).
[5]C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 42-43.
[6] Ver: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP. 2001, p. 479-512.
[7]“Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19.26). “Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja, isso fará” (Jó 23.13).
[8] Stott (1921-2011) coloca nestes termos: “A liberdade de Deus é perfeita, no sentido de que Ele é livre para fazer absolutamente qualquer coisa que Ele queira” (John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 58).
[9]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 334. Do mesmo modo, veja-se também a p. 547. Veja-se o instrutivo e edificante capítulo de MacArthur: John F. MacArthur, Jr. Deus: face a face com Sua Majestade, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 91-107.
[10]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 550.
[11]“No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). “O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). “Nele (Jesus Cristo), digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
[12]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 326-327.
[13]“Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13).
[14] “Deus tem poder para fazer tudo quanto Ele queira; e com certeza a pessoa que tenta separar o poder de Deus de Sua vontade, ou retratá-lo como incapaz de fazer o que Ele queira, o que o tal faz é simplesmente tentar rasgá-lo em pedaços” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 78.18), p. 212). (Veja-se também: João Calvino, As Institutas, Campinas, SP.; São Paulo: Luz para o Caminho; Casa Editora Presbiteriana, 1985-1989, III.23.2). “Quanto a nós, basta-nos lembrar apenas duas coisas importantes: de um lado, o direito de Deus é supremo e absoluto, e acima do qual não podemos pensar nem falar, e Ele pode fazer com o que é seu tudo quanto lhe apraz; de outro, Ele é sempre santo e agradável à natureza perfeitíssima de Deus, de modo que em seu uso Ele nada faz em oposição à sua sabedoria, bondade e santidade” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 336). Do mesmo modo, veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 247.
[15]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 247.
[16]“E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8).
[17]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.
[18]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 254.
[19]Vejam-se: Stephen Charnock, The Existence and Attributes of God, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Two Volumes in one), 1996 (Reprinted), v. 2, p. 12; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 252ss.; Agostinho, A Cidade de Deus contra os pagãos, 2. ed. Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Federação Agostiniana Brasileira, 1990, v. 1, 5.10, p. 204-205; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 335-336.
[20]Vejam-se: William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, [s.d.], (Reprinted), v. 1, p. 359-360; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 83; J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 34; Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2003, v. 1, p. 428; Sto. Agostinho, A Cidade de Deus, 2. ed. Petrópolis, RJ.; São Paulo: Editora Vozes; Federação Agostiniana Brasileira, 1990, v. 1, V.10. p. 204-205; John M. Frame, The Doctrine of God, Phillipsburg, NJ.: P & R Publishing, 2002, p. 518-521; Wayne Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 160; Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 231; Heber Carlos de Campos, O Ser de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 386-389; Alister E. McGrath, Teologia, sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 332-336; C.S. Lewis, O Problema do Sofrimento, 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 19-26; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 252-256; Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 307ss.; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 326ss.
[21]John M. Frame, The Doctrine of God, p. 519.
[22]No Catecismo Maior de Westminster (1647) temos a pergunta 14: “Como executa Deus os seus decretos?”. Responde: “Deus executa os seus decretos nas obras da criação e da providência, segundo a sua presciência infalível e o livre e imutável conselho da Sua vontade”. Veja-se também: Sto. Agostinho, A Trindade, São Paulo: Paulus, 1994, III.4.9.
[23]Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 256; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 329ss.
[24]Veja-se: Ronald S. Wallace, A Mensagem de Daniel, São Paulo: ABU., 1985, p. 60.
[25]B. Marconcini, Daniel: Um povo perseguido procura as fontes da esperança, São Paulo: Paulinas, 1984, p. 30.
[26] “Ao ler esta história não temos de chegar à conclusão de que Deus sempre livra a seus filhos como livrou a aqueles três. Deus nem sempre nos concede livramentos tão dramáticos. (…) A salvação eterna é segura; a liberação do forno de fogo somente foi um sinal dessa salvação” (S.G. De Graaf, El Pueblo de la Promesa, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1981, v. 2, p. 372).
[27]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Edições Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.16-18), p. 206.
[28] “Ao esperarmos pelo livramento divino, é preciso que vigiemos bem para não cedermos às insinuações dos sentidos; tenhamos sempre em mente que Ele nem sempre opera segundos os meios aparentes, senão que nos livra quando usa métodos que são inescrutáveis à razão. Se porventura tentarmos prescrever qualquer linha particular de procedimento, não estaremos agindo de outra forma senão voluntariamente limitando seu infinito poder” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 61.2), p. 563).
[29]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, v. 1, (Dn 3.23-25), p. 216.
[30]“Dizer que Deus é soberano é declarar que Deus é Deus” (A.W. Pink, Deus é Soberano, Atibaia, SP.: Editora Fiel, 1977, p. 19).
[31]Veja-se: Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 32-35.
[32]Este otimismo secular foi sustentado primariamente por Nietzsche. Veja-se: Alister E. McGrath, Teologia, sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 331.
[33]“O ateísmo é uma questão de fé tanto quanto o cristianismo” (Alister McGrath, O Deus Desconhecido: Em Busca da Realização Espiritual, São Paulo: Loyola, 2001, p. 23). “Portanto, os homens que rejeitam ou ignoram a Deus o fazem não porque a ciência ou a razão requeira que o façam, mas pura e simplesmente porque querem fazê-lo” (Henry H. Morris, The Bible has the Answer, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1971, p. 16. Apud D. James Kennedy, Por Que Creio, Rio de Janeiro: JUERP. 1977, p. 33). “Não vejo como é possível não acreditar em Deus e considerar que não se pode comprovar Sua existência, e depois a acreditar firmemente na inexistência de Deus, pensando poder prová-Lo” (Umberto Eco, In: Umberto Eco; Carlo Maria Martini, Em que creem os que não creem? Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 85). “Pode-se negar que a existência de Deus seja demonstrável. Não se pode demonstrar que Deus não existe” (Jean-Yves Lacoste, Ateísmo: In: Jean-Yves Lacoste, dir. Dicionário Crítico de Teologia, São Paulo: Paulinas; Loyola, 2004, p. 204). “A ideia de que a ciência ‘refuta’ a existência de Deus é o tipo de declaração simplista que se destaca de forma proeminente no recente ateísmo populista” (Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 76).
[34] “Em todos os lugares os ministros piedosos tem tido a experiência do mesmo tipo de conflitos; pois os homens sempre formam sua avaliação sobre Deus com base em si mesmos, e creem que Ele se satisfaz com exibição externa, porém não podem, sem a maior dificuldade, ser levados a oferecer-lhe a integridade de seu coração” (John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 1.11), p. 56).
[35]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 100.1-3), p. 549. Veja-se também: João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Caps. 1-3, p. 11-14.
[36] Kennedy (1930-2007) diz precisamente isso: “O motivo por que tantas pessoas se opõem a essa doutrina (predestinação) é que elas querem um Deus que seja qualquer coisa, menos Deus. Talvez permitam-lhe ser algum psiquiatra cósmico, um pastor prestativo, um líder, um mestre, qualquer coisa, talvez… contanto que Ele não seja Deus. E isso por uma razão muito simples… elas mesmas querem ser Deus. Essa sempre foi a essência do pecado – o fato que o homem pretende ser Deus” (James Kennedy, Verdades que Transformam, São Paulo: Editora Fiel, 1981, p. 31).
[37]A.W. Pink, Deus é Soberano, Atibaia, SP.: Editora Fiel, 1977, p. 21. Em outro lugar: “Os idólatras do lado de fora da cristandade fazem ‘deuses’ de madeira e de pedra, enquanto os milhões de idólatras que existem dentro da cristandade fabricam um Deus extraído de suas mentes carnais. Na realidade, não passam de ateus, pois não existe alternativa possível senão a de um Deus absolutamente supremo, ou nenhum deus” (A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 28). “Defender a crença num ‘poder do alto’ nebuloso é balançar entre o ateísmo e um cristianismo total com suas exigências pessoais” (R.C. Sproul, Razão para crer, São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 48).
[38]Ver o sermão de Spurgeon sobre Mt 28.15 citado por Pink. A.W. Pink, Os atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 32-33.
[39]A.W. Pink, Deus é Soberano, Atibaia, SP.: Editora Fiel, 1977, p. 138.
[40] Veja-se: John MacArthur Jr., Abaixo a ansiedade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 30.
[41] “Conhecer a Deus é o dom supremo da graça de Deus” (J.I. Packer, Conhecendo Deus: o mundo e a Palavra. In: Gabriel N.E. Fluhrer, ed. Firme Fundamento: A inerrante Palavra de Deus em um mundo errante, Rio de Janeiro: Anno Domini, 2013, p. 16).
[42]Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 180.
[43] “Cada um de nós é rei ou rainha sobre um pouco. O reino de Deus está ‘sobre tudo’, como o salmista gostava de dizer” (Cornelius Plantinga Jr. O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 110).
[44]Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 307.