6.1.6. Senhor Temível
Em certa ocasião quando estive visitando a Usina hidrelétrica de Itaipu, fiquei abismado com o tamanho da construção e das turbinas. O que me chamou muito a atenção foi quando verifiquei um caminhão parado perto de uma das turbinas. De forma comparativa o caminhão me pareceu muito pequeno ainda que não seja, exceto relativamente.
As referências são essenciais para que possamos dimensionar adequadamente os diversos aspectos da realidade. Sem elas, conceitos como tamanho, tempo e distância tornam-se instáveis, assumindo proporções ora exageradas, ora subestimadas. A ausência de parâmetros confiáveis nos leva a supervalorizar ou desvalorizar, superestimar ou minimizar aquilo que percebemos − distorcendo, assim, nossa compreensão do mundo e de nós mesmos.
Como lhe parece hoje a casa dos seus avós − aquela onde você passava as férias na infância? E o tamanho do tio que, aos quatro anos, parecia um verdadeiro gigante? Com o tempo, nossas percepções mudam. O que antes parecia imenso pode agora parecer pequeno. As referências que usamos para medir e interpretar a realidade são moldadas por experiências, maturidade e perspectiva.
Dando um salto incomensuravelmente qualitativo, perguntamos: quais são nossas referências quando pensamos em Deus?
O oceano, em meio a uma tempestade, pode parecer assustador − especialmente quando estamos em uma embarcação frágil. Um avião comercial, voando a 11 mil metros de altitude, mesmo com turbulência reduzida nessa faixa, pode nos inspirar temor pela vastidão do espaço e pela sensação de suspensão vulnerável. Um tremor de terra, ainda que leve, pode nos desestabilizar, especialmente para nós que vivemos no Brasil e não estamos acostumados a isso.
Esses fenômenos nos impressionam porque desafiam nossas referências de controle, segurança e proporção. No entanto, nenhum deles se compara à grandeza de Deus. Ele transcende todas as medidas humanas − tempo, espaço, força, profundidade. Sua santidade e poder são incomensuráveis. E é justamente essa grandeza que nos convida ao temor reverente, não ao medo paralisante. Um temor que nasce da admiração, da consciência de nossa pequenez e da beleza de sua misericórdia.
O temor que Deus inspira é notório nas páginas das Escrituras. Esse temor não ocorre por não conhecermos o seu amor e bondade, antes, é gerado pela dimensão de sua grandeza e santidade que ultrapassam qualquer padrão ou referência que tenhamos e, portanto, se mostra a nós, de modo terrível, impenetrável e incomensurável. Desse modo, Deus é para ser amado, mas, também, temido. Nada se compara a Ele.
O temor de Deus envolve o senso de nossa pequenez e da sua maravilhosa graça. Esse temor é um encantamento com a sua majestade e a consciência de nosso pecado e carência de sua misericórdia. Aliás, o Senhor é quem nos ensina a temê-lo e reverenciá-lo. Estou convencido que o temor de Deus é um aprendizado de amor que se manifesta em admiração, obediência e culto[1] tendo implicações em todas as áreas de nossa vida. Temer a Deus deve ser o princípio orientador de nossa vida e decisões.
A compreensão correta deve nos conduzir a atitudes compatíveis ainda que dentro de nossa condição de pecadores. Explico. Não é a nossa condição simplesmente de pecador que gera temor diante de Deus. Mas, o senso consciente de criatura. Os anjos também, em sinal de reverência, cobrem o seu rosto diante da majestade de Deus (Is 6.2). É justamente por sermos pecadores que não conseguimos perceber com maior clareza aspectos da glória de Deus; enquanto homens, em condição mais santa do que a nossa, conhecendo a Deus mais intimamente, sentiam-se mais pecadores (Is 6.5/Jo 12.38-41; Gn 18.27; 1Tm 1,15)
Portanto, o senso da grandeza incomensurável de Deus deve nos conduzir não à especulação, mas, ao santo temor em obediência e culto.
Os salmistas se alegram no temor de Deus, cientes da sua santa majestade: “Porque grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível (arey”) (yare) mais que todos os deuses” (Sl 96.4). “Celebrem eles o teu nome grande (lAdG”)(gadol) e tremendo (arey”) (yare), porque é santo (vAdq’) (qadosh)” (Sl 99.3).
O nosso santo temor acompanhado de uma atitude condizente, alegra o Senhor. A Palavra nos ensina que o Deus abençoa os que o temem: “Ele abençoa os que temem (arey”) (yare) o SENHOR, tanto pequenos como grandes” (Sl 115.13)
Esse Deus que é Rei glorioso e temível, é nosso pastor, que cuida pessoalmente de nós. Se Deus é por nós, não há força que possa nos separar do seu amor e cuidado. Louvemos ao Senhor com alegria e santo temor.
6.1.7. Realiza Maravilhosas Proezas
Os anjos, com sensibilidade, se reúnem em uma assembleia santa para adorar a Deus considerando as suas maravilhas estampadas na Criação: “Celebram os céus as tuas maravilhas (al,P,)(pele) (grandioso,[2] prodígios[3]), ó SENHOR, e, na assembleia dos santos, a tua fidelidade (hn”Wma/) (emunah)” (Sl 89.5).[4]
O salmista considerando a fidelidade de Deus e a promessa Messiânica, canta de forma alegre.
O povo de Deus, deve também fazê-lo, inclusive considerando o cuidado de Deus para com a sua Igreja conforme o seu pacto de misericórdia que preserva o seu povo ao longo da história:
Cantarei para sempre as tuas misericórdias (ds,x) (hesed), ó SENHOR; os meus lábios proclamarão a todas as gerações a tua fidelidade. 2 Pois disse eu: a benignidade está fundada para sempre; a tua fidelidade, tu a confirmarás nos céus, dizendo: 3 Fiz aliança com o meu escolhido e jurei a Davi, meu servo: 4 Para sempre estabelecerei a tua posteridade e firmarei o teu trono de geração em geração. (Sl 89.1-4).
O nosso Pastor é o único Deus − singular em majestade, incomparável em poder. O salmista, em adoração, reconhece essa exclusividade divina ao declarar: “Ao único que opera grandes (lAdG”) (gadol) maravilhas (al’P’) (pala), porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136.4).
A rotina das bênçãos quase imperceptíveis
A rotina, embora valiosa para organizar nossos afazeres cotidianos e permitir que vivamos com naturalidade e economia de esforço, pode, de maneira sutil e involuntária, obscurecer aos nossos olhos os grandes feitos que nos cercam. O que se repete tende a ser esquecido; o extraordinário, quando constante, corre o risco de ser tratado como trivial.
Contudo, na perspectiva da fé, nada é banal na Providência de Deus. Ele cuida de nós diariamente por meio de processos naturais − as estações, o alimento, o sono, o nascer do sol − e, ainda assim, exerce sobre tudo isso controle absoluto e gracioso. O ordinário é, na verdade, extraordinário quando visto à luz da soberania divina. Cada detalhe da vida é sustentado por sua mão invisível, e reconhecer isso é cultivar um coração que louva mesmo na simplicidade.
Nos acostumamos com as estações do ano, com as chuvas que vêm e vão, com o frio do inverno e as flores da primavera. O nascimento de uma criança, o alimento diário, uma noite tranquila de sono, o céu estrelado, o canto dos pássaros ao amanhecer − tudo isso, embora carregado de beleza e significado, pode passar despercebido quando envolto pela familiaridade. E, no entanto, são expressões constantes da graça de Deus, que opera maravilhas mesmo naquilo que chamamos de comum.
O salmista também desfrutava de experiências semelhantes, mas, quando contempla o poder de Deus manifesto de várias formas na criação e em sua vida, com amplo conhecimento de causa, exclama em louvor: “Graças te dou, visto que por modo assombrosamente (arey”) (yare’) maravilhoso (hl’P’) (palah) me formaste; as suas obras são admiráveis (al’P’) (pala) (maravilhosas, extraordinárias), e a minha alma o sabe muito bem” (Sl 139.14).
As manifestações do cuidado de Deus sobre nós são em grande parte imperceptíveis. Creio que conforme formos amadurecendo espiritualmente, vamos adquirindo uma dimensão maior de suas obras em nossa vida. Escreve o salmista: “São muitas, SENHOR, Deus meu, as maravilhas (al’P’) (pala) que tens operado e também os teus desígnios para conosco; ninguém há que se possa igualar contigo. Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar” (Sl 40.5).
Na constatação de que os feitos maravilhosos de Deus são memoráveis, o salmista conclui: “Benigno (!WNx;) (channun)[5] e misericordioso (~Wxr;) (rachum)[6] é o SENHOR” (Sl 111.4).
Esse conceito reaparece no salmo de ação de graças, quando o salmista rende graças ao único Deus que opera grandes maravilhas amparadas em sua misericórdia: “Ao único que opera grandes (lAdG”) (gadol) maravilhas (al’P’) (pala), porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136.4).
Feitos memoráveis
Aquilo que cultivamos em nossa memória tende a moldar nossa maneira de interpretar a realidade, modelar e orientar nossas ações e influenciar nosso ensino. A memória, portanto, não é apenas um depósito de experiências passadas, mas um instrumento ativo na formação da nossa visão de mundo.
O salmista, ao meditar sobre Deus e suas obras, reconhece que elas são memoráveis − dignas de serem preservadas com gratidão. Ele escreve: “Ele fez memoráveis (rk,z) (zeker) as suas maravilhas (al’P’) (pala); benigno e misericordioso é o SENHOR” (Sl 111.4).
Essa afirmação nos convida a desenvolver uma memória agradecida, sensível às ações de Deus em nossa história. Para isso, é necessário cultivar um coração que reconhece, celebra e transmite os feitos do Senhor. Suas obras, por serem maravilhosas, devem ocupar lugar de honra em nossa lembrança, direcionando nossa interpretação da vida e fortalecendo nossa fé.
Além disso, os feitos de Deus devem ser proclamados e ensinados. Ao narrá-los, conservamos sua memória viva e conduzimos outros à mesma percepção − despertando neles gratidão, reverência e louvor. A memória da graça de Deus não é apenas pessoal; ela é comunitária, pedagógica e missional.
O esquecimento dos atos de Deus
O esquecimento dos atos de Deus contribui para o nosso afastamento dele e de sua Palavra. Esse é o diagnóstico que faz o salmista ao considerar a rebeldia de Israel: “Nossos pais, no Egito, não atentaram (lk;f)(sakal) às tuas maravilhas (al’P’) (pala); não se lembraram (rk;z”) (zakar) da multidão das tuas misericórdias (ds,x,) (hesed) e foram rebeldes junto ao mar, o mar Vermelho” (Sl 106.7).
O povo se manteve indiferente a Deus. Não considerou a Palavra de Deus, seus atos e a aliança feita.
Creio que essa experiência não é estranha a muitos de nós. Há momentos em que, sob o impacto de um grande livramento, a realização de um desejo longamente acalentado, o restabelecimento de uma enfermidade ou a conquista de um emprego após meses de espera, somos tomados por sincera gratidão. Louvamos a Deus com integridade, fazemos votos santos, reconhecemos nossas falhas e renovamos nossa comunhão com o Senhor.
Contudo, à medida que os dias passam e o júbilo inicial se dissipa, corremos o risco de cair no esquecimento − esquecemos os feitos de Deus, suas misericórdias e até mesmo os compromissos que assumimos em sua presença. A memória se esvazia, e com ela, a sensibilidade espiritual. Foi exatamente isso que aconteceu com o povo de Israel.
Após experimentar livramentos extraordinários, como o milagre no Mar Vermelho, o povo louvou ao Senhor com entusiasmo. Mas logo depois, esqueceu-se das obras de Deus, não aguardou seus desígnios e se tornou rebelde. O esquecimento espiritual não é apenas uma falha de memória — é uma ruptura da fé, uma negligência da graça, uma ingratidão que obscurece a alma.
11 As águas cobriram os seus opressores; nem um deles escapou. 12 Então, creram nas suas palavras e lhe cantaram louvor. 13 Cedo, porém, se esqueceram (xk;v’) (shakach) das suas obras e não lhe aguardaram os desígnios (…) 21 Esqueceram-se (xk;v’) (shakach) de Deus, seu Salvador, que, no Egito, fizera coisas portentosas (lAdG”) (gadol). (Sl 106.11-13, 21).
As maravilhas de Deus envolvem a sua Palavra. Por isso, devemos considerá-la com sinceridade e louvor.
A história nas Escrituras é uma demonstração prática dos princípios estabelecidos por Deus. A Lei de Deus é contada por meio da história do povo. A obediência traz a bem-aventurança da comunhão com Deus. A desobediência, as consequências da quebra da aliança feita por Deus com o seu povo.
A Lei de Deus não é apenas uma proposição revelada e teológica, antes, é também contada na história.
De certa forma, a história de nossa vida não deixa de ser uma demonstração prática dos efeitos de nossa obediência e desobediência a Deus, sempre, é claro, envolvida pela misericórdia de Deus que nos capacita a obedecer, nos perdoa em nosso arrependimento e nos restaura à sua comunhão.
O valor da Lei
Ainda que não sejamos salvos pela Lei. O Senhor Jesus Cristo a cumpriu perfeita e completamente por nós. Isso não significa que a Lei de Deus no seu aspecto moral tenha sido abolida. Não temos alvará para vivermos em pecado.[7] Pelo contrário, ela continua sendo o reto e santo padrão estabelecido por Deus para todos nós.
Rejeitar a Lei, além de fazermos pouco caso de nosso Senhor, equivale a rejeitar as bênçãos de Deus envolvidas em sua obediência. É simplesmente propor um novo caminho de vida e de felicidade desenvolvido conforme os nossos interesses pretensamente autônomos e, obviamente pecaminosos.
Considerar os feitos de Deus em louvor e adoração
No Salmo 105, o salmista considerando as obras maravilhosas de Deus na história de Israel, instrui: “Lembrai-vos (rk;z”) (zakar) das maravilhas que fez, dos seus prodígios e dos juízos (jP’v.mi) (mishpat)[8] de seus lábios” (Sl 105.5).
Asafe em profunda angústia, se reanima na consideração dos feitos de Deus:
2 No dia da minha angústia, procuro o Senhor; erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam; a minha alma recusa consolar-se. 3 Lembro-me de Deus e passo a gemer; medito, e me desfalece o espírito. 4 Não me deixas pregar os olhos; tão perturbado estou, que nem posso falar. 5Penso nos dias de outrora, trago à lembrança os anos de passados tempos. 6De noite indago o meu íntimo, e o meu espírito perscruta. 7Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna a ser propício? 8 Cessou perpetuamente a sua graça (ds,x,) (hesed)? Caducou a sua promessa para todas as gerações? 9Esqueceu-se Deus de ser benigno? Ou, na sua ira, terá ele reprimido as suas misericórdias? 10 Então, disse eu: isto é a minha aflição; mudou-se a destra do Altíssimo. 11 Recordo os feitos do SENHOR, pois me lembro das tuas maravilhas (al,P,) (pele) da antiguidade. 12 Considero também nas tuas obras todas e cogito dos teus prodígios. 13O teu caminho, ó Deus, é de santidade. Que deus é tão grande como o nosso Deus? 14 Tu és o Deus que operas maravilhas (al,P,) (pele) e, entre os povos, tens feito notório o teu poder. (Sl 77.2-14).
Em outro momento, Asafe canta: “Graças te rendemos, ó Deus; graças te rendemos, e invocamos o teu nome, e declaramos as tuas maravilhas (al’P’) (pala)” (Sl 75.1).
O salmista rememorando os feitos misericordiosos de Deus na história de seu povo, escreve: “Rendam graças ao SENHOR por sua bondade (ds,x,) (hesed) e por suas maravilhas (al’P’) (pala) para com os filhos dos homens!” (Sl 107.8).
O salmista assume um compromisso pessoal: “Louvar-te-ei, SENHOR, de todo o meu coração; contarei todas as tuas maravilhas (al’P’) (pala)” (Sl 9.1).
Apologético, Missional e pedagógico
Os feitos maravilhosos de Deus ultrapassam os limites de Israel. Isso tem também um propósito apologético e missionário. A igreja por sua vez, deve narrar os feitos de Deus com propósitos adoracionais e pedagógicos.
No testemunho de Asafe, que citamos parcialmente, vemos o propósito apologético-missional:
13 O teu caminho, ó Deus, é de santidade. Que deus é tão grande como o nosso Deus? 14 Tu és o Deus que operas maravilhas (al,P,) (pele) e, entre os povos, tens feito notório o teu poder. 15 Com o teu braço remiste o teu povo, os filhos de Jacó e de José. 16 Viram-te as águas, ó Deus; as águas te viram e temeram, até os abismos se abalaram. 17 Grossas nuvens se desfizeram em água; houve trovões nos espaços; também as suas setas cruzaram de uma parte para outra. 18 O ribombar do teu trovão ecoou na redondeza; os relâmpagos alumiaram o mundo; a terra se abalou e tremeu. 19 Pelo mar foi o teu caminho; as tuas veredas, pelas grandes águas; e não se descobrem os teus vestígios. 20 O teu povo, tu o conduziste, como rebanho, pelas mãos de Moisés e de Arão. (Sl 77.13-20).
Em outro lugar o salmista conclama o povo a anunciar entre os povos a glória e as maravilhas de Deus: “Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos, as suas maravilhas (al’P’) (pala)” (Sl 96.3).
O mesmo Asafe, estabelece a necessidade de educar seus filhos e as futuras gerações contando as maravilhas de Deus na história:
3 O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, 4 não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas (al’P’) (pala) que fez. 5 Ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, 6 a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes; 7 para que pusessem em Deus a sua confiança e não se esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os mandamentos; 8 e que não fossem, como seus pais, geração obstinada e rebelde, geração de coração inconstante, e cujo espírito não foi fiel a Deus. (Sl 78.3-8).
O nosso Pastor tem operado maravilhas em nossa cotidianidade. Os seus atos na história devem ser objeto de nossa reflexão e gratidão. Sei que é muito difícil para nós ultrapassarmos os limites do que é apenas imediatamente percebido, contudo, amparados da certeza de quem é o nosso Senhor, ainda que com modéstia epistemológica,[9] podemos vislumbrar aspectos da grandeza de sua direção em nossa vida. O Senhor deve ser louvado. Devemos instruir nossos filhos nesse caminho e proclamar a todas as pessoas os seus feitos.
Algumas considerações
Diante da majestade de Deus, somos chamados ao santo temor − não como pavor, mas como reverência que transforma. Esse temor revela nossa pequenez e desperta em nós amor obediente, confiança e louvor. Ele não afasta, mas aproxima, moldando nossa vida em comunhão com o Senhor.
Ao mesmo tempo, somos convocados a cultivar uma memória viva e agradecida pelas maravilhas que Deus realiza − tanto as grandiosas quanto as aparentemente discretas. Esquecer seus feitos é perder o rumo da fé; lembrar é reconhecer, celebrar e transmitir. A fé bíblica é narrativa: ela proclama, ensina e louva.
Que nossa rotina não nos torne insensíveis, mas atentos ao cuidado divino. Que nossa história pessoal e comunitária seja marcada pela lembrança das obras de Deus, conduzindo-nos à fidelidade, à missão e ao culto. O Deus que realiza maravilhosas proezas é o nosso Pastor. Por isso, vivamos em temor, gratidão e proclamação. Amém.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] “Se um genuíno conhecimento de Deus habita os nossos corações, seguir-se-á inevitavelmente que seremos conduzidos a reverenciá-lo e a temê-lo. Não é possível ter genuíno conhecimento de Deus exceto pelo prisma de sua majestade. É desse fator que nasce o desejo de servi-lo, e daqui sucede que toda a vida é direcionada para ele como seu supremo alvo” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.6), p. 306).
[2] Sl 31.21.
[3] Sl 72.18; 78.12.
[4]Vejam-se também: Sl 26.7; 86.10; 88.10,12; 105.2,15,16; 106.22; 107.15,21, 31, 42-43.
[5] A palavra (!WNx;) (channun) é empregada para expressar a natureza graciosa de Deus, revelada de forma especial em contextos de arrependimento, intercessão e aliança. Intimamente associada à ideia de favor imerecido, ela destaca a disposição divina de conceder favor mesmo quando não há mérito humano. No Antigo Testamento a palavra acentua um dos atributos os mais sublimes de Deus, exaltando sua misericórdia como fundamento da relação redentora com seu povo. (2Cr 30.9; Ne 9.17,31; Sl 78.38; 86.15; 103.8; 145.8).
[6](!WNx;) (channun) e (~Wxr;) (rachum) são palavras usadas no Antigo Testamento em conjunto, formando a expressão clássica, conforme a tradução: “Compassivo e gracioso” (Ex 34.6; Sl 103.8; Jl 2.13; Ne 9.17). (~Wxr;) (rachum) descreve o caráter de Deus como alguém que se inclina com ternura para aliviar o sofrimento, mesmo quando o ser humano não merece. É uma palavra que revela o coração pastoral de Deus, especialmente em contextos de arrependimento, restauração e aliança. A raiz racham também está relacionada à palavra (~x,r,) (rechem) que significa “útero” − sugerindo uma compaixão visceral, profunda e protetora. (Gn 49.25; Jó 3.11; Sl 22.10; 58.3 Jr 1.5). Podemos dizer de forma figurada que a misericórdia de Deus é algo que brota das “entranhas”, revelando um cuidado íntimo, terno e protetor.
[7]“Não pense que o Evangelho que o liberta da maldição da lei é uma licença para você desprezar e ignorar a lei” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei!: In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, [p. 11-23], p. 14).
[8] Juízos (jP’v.mi) (mishpat), enfatizam a suprema autoridade de Deus em nos prescrever as leis que devem regular as nossas relações e exigir que as cumpramos. “Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos (jP’v.mi) (mishpat) que eu vos ensino, para os cumprirdes, para que vivais, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR, Deus de vossos pais, vos dá. (…) 5 Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos (jP’v.mi) (mishpat), como me mandou o SENHOR, meu Deus, para que assim façais no meio da terra que passais a possuir. (…) 8 E que grande nação há que tenha estatutos e juízos (jP’v.mi) (mishpat) tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho? (…) 14Também o SENHOR me ordenou, ao mesmo tempo, que vos ensinasse estatutos e juízos (jP’v.mi) (mishpat), para que os cumprísseis na terra a qual passais a possuir” (Dt 4.1,5,8,14). “Chamou Moisés a todo o Israel e disse-lhe: Ouvi, ó Israel, os estatutos e juízos (jP’v.mi) (mishpat) que hoje vos falo aos ouvidos, para que os aprendais e cuideis em os cumprirdes” (Dt 5.1). “Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos (jP’v.mi) (mishpat) que mandou o SENHOR, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a possuir” (Dt 6.1).
[9] “A fé reformada incentiva a humildade epistemológica ao tentar dizer o que Deus está fazendo na história. (…) A história de uma perspectiva calvinista é, na verdade, cheia de mistério” (Darryl G. Hart, 1929 e tudo aquilo, ou o que o calvinismo diz aos historiadores em busca de significado?: In: David W. Hall; Marvin Padgett, orgs. Calvino e a Cultura, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, [p. 19-34], p. 21).