1. O Senhor se revela em suas obras
1.1. Altíssimo
Uma expressão usada por vezes nas Escrituras para se referir a Deus, é Altíssimo. Deus está acima de todas as coisas. Esta é uma forma poética de dizer que Deus é o Senhor soberano sobre toda a criação. Ele é o Altíssimo eternamente. Ele não se confunde com as outras divindades tribais, locais ou associadas aos elementos da terra – tais como, montanhas, fogo, mares, etc. − criadas pela imaginação humana.
Antes, Ele é o Altíssimo sobre todos os poderes e sobre a natureza, obras de suas mãos. Ele antecede e se distingue de sua criação. Nada existe que tenha surgido por si mesmo ou tenha existência própria. Portanto, tudo que existe ou venha a existir não pode fazê-lo à revelia de seu poder criador e sustentador.
Esse foi o ponto que assustou os marinheiros diante do profeta Jonas que se identifica como alguém que teme ao Senhor, criador de todas as coisas: “Sou hebreu e temo ao SENHOR, o Deus do céu, que fez o mar e a terra” (Jn 1.9/Jn 1.16).[1] Se aquela tão grande tempestade vinha do Senhor Todo-poderoso, que divindadizinha que eles diziam crer, poderia livrá-los naquele momento? Esse raciocínio era perfeitamente lógico. (Vejam-se: Dt 32.39; 2Rs19.18; Sl 135.5; Is 37.19\Jr 10.12; 51.15).[2]
Nos salmos lemos: “Eu, porém, renderei graças ao SENHOR, segundo a sua justiça, e cantarei louvores ao nome do SENHOR Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon)” (Sl 7.17). “Pois o SENHOR Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon) é tremendo, é o grande rei de toda a terra” (Sl 47.2).
Nos Salmos 83 e 92 temos a combinação dos nomes Senhor e Altíssimo, enfatizando a sua realeza sobre todas as coisas e todos os deuses. (Veja-se: Sl 97.9)[3], evidenciando a verdadeira unicidade de Deus diante de um panteão de ídolos forjados pelo coração humano: “E reconhecerão que só tu, cujo nome é SENHOR, és o Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon) sobre toda a terra” (Sl 83.18). “Tu, porém, SENHOR, és o Altíssimo (~Arm’) (marom) (= alto, elevado) eternamente” (Sl 92.8).[4]
Na relação cultual com Deus, é comum a ideia de que o povo deve subir ao templo. A questão não é apenas topográfica, mas, de natureza essencial: Deus é o Senhor altíssimo, perfeito em toda a sua natureza e relações; nós somos criaturas dependentes de suas misericórdias. Ele habita o alto e o sublime. Davi então ora: “A ti, SENHOR, elevo (af’n”) (nasa’) a minha alma” (Sl 25.1).
Mesmo sabendo que as armadilhas estão embaixo, o salmista olha continuamente para cima, porque somente o Senhor o pode livrar: “Os meus olhos se elevam continuamente ao SENHOR, pois ele me tirará os pés do laço (tv,r,) (resheth) (rede)[5]” (Sl 25.15). O salmista tem a certeza de que o cuidado de Deus é mais eficaz e efetivo do que o seu olhar fixo para as possíveis armadilhas.
O Altíssimo que cuida de nós
De fato, a vida cristã vai nos mostrando aos poucos que Deus cuida de nós muito além de nossa percepção ou mesmo da percepção dos perigos. É uma tentação comum racionalizar demais a nossa vida, nos esquecendo de que temos um Deus que cuida de nós em todos os momentos e circunstâncias. O nosso Deus não nos é indiferente e, também, não dorme nem cochila (Sl 121.3-4). O “turno” de Deus é “diuturno”, ininterrupto: De dia e de noite; para sempre (Sl 121.5,6,8) e seu cuidado é integral (Sl 121.5-7).[6]
O Altíssimo é onipotente, ainda que o ímpio não creia, ou até mesmo os servos de Deus em momento de fraqueza diante de circunstâncias adversas, poderem cair em um ateísmo prático, negando o seu poder.
Os arrogantes, em sua ostentada e aparente prosperidade, zombam de Deus. Os fiéis, por sua vez, por um instante, podem ser tentados a se deixar seduzir pelo sucesso daqueles que trilham caminhos sem qualquer reverência ao Senhor. Essa foi a experiência do salmista, ao se ver fascinado pelo progresso visível do ímpio em meio à sua arrogância e aparente impunidade:
3 Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. (…) 8 Motejam e falam maliciosamente; da opressão falam com altivez. 9 Contra os céus desandam a boca, e a sua língua percorre a terra. 10 Por isso, o seu povo se volta para eles e os tem por fonte de que bebe a largos sorvos. 11E diz: Como sabe Deus? Acaso, há conhecimento no Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon)? (Sl 73.3.8-11).
No Salmo 97 temos um convite a louvar o Senhor, que é o Altíssimo sobre toda a criação e sobre todos os deuses criados pelos homens:
1Reina o SENHOR. Regozije-se a terra, alegrem-se as muitas ilhas. 2 Nuvens e escuridão o rodeiam, justiça e juízo são a base do seu trono. 3 Adiante dele vai um fogo que lhe consome os inimigos em redor. 4 Os seus relâmpagos alumiam o mundo; a terra os vê e estremece. 5 Derretem-se como cera os montes, na presença do SENHOR, na presença do Senhor de toda a terra. 6 Os céus anunciam a sua justiça, e todos os povos veem a sua glória. 7 Sejam confundidos todos os que servem a imagens de escultura, os que se gloriam de ídolos; prostrem-se diante dele todos os deuses. 8 Sião ouve e se alegra, as filhas de Judá se regozijam, por causa da tua justiça, ó SENHOR. 9 Pois tu, SENHOR, és o Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon) sobre toda a terra; tu és sobremodo elevado acima de todos os deuses. (Sl 97.1-9).
1.2. Incomparável e insondável
O respeitado teólogo Saucy (1930–2015), ao refletir sobre a impossibilidade de uma “definição rigorosa da ideia de Deus”, lança luz sobre o conceito de definição: “Definir, que significa limitar, envolve a inclusão do objeto dentro de certa classe ou proposição universal conhecida e a indicação dos seus aspectos distintivos comparados com outros objetos daquela mesma classe”.[7]
O princípio que deve orientar qualquer tentativa de definição é o de priorizar a essência, e não os “acidentes” − elementos periféricos e transitórios que, por sua natureza efêmera, não revelam as qualidades intrínsecas do ser.
O historiador Huizinga (1872-1945), apresenta-nos um bom princípio:
Uma boa definição deve ser concisa, ou seja, expor o conceito que se trata de definir com toda precisão e de um modo completo, no menor número de palavras. A definição descreve o significado de uma determinada palavra, usada para designar um determinado fenômeno. Na definição deve ficar inscrito, incluído o fenômeno em sua totalidade. Se permanecem fora dela partes essenciais do fenômeno, a definição não é boa. Por outro lado, uma definição não precisa entrar em detalhes.[8]
Se Aristóteles (384-322 a.C.) estiver correto, como creio que esteja, ao dizer que “uma definição é uma frase que significa a essência de uma coisa”,[9] de fato, não podemos definir Deus. Ele, como falaremos mais à frente, é só essência, não existindo acidente, e a sua essência é inesgotável, não apenas no aspecto fenomenológico, mas, também, no que é em si. O fenômeno não esgota a essência e, nesse caso, de modo especial, o fenômeno é grandioso e a nossa percepção se revela limitadíssima.(Jó 26.14).[10]
De fato, Deus não pode ser definido nem comparado.[11] As comparações bíblicas são formas humanas concedidas pelo próprio Deus Criador, a fim de que possamos ter um conhecimento adequado de sua natureza.[12] As nossas analogias podem se tornar extremamente perigosas porque não fatíveis de erros, distorções e esvaziamento da plenitude do revelado. Parece-me um bom princípio ater-nos às figuras que o próprio Senhor usou em sua Palavra e, mesmo assim, dentro do seu propósito estrito. Fora disso, é caminhar por uma trilha muito sinuosa, escorregadia e arriscada por pura imaturidade ou leviana vaidade.[13]
Deus se acomoda à nossa linguagem
Calvino (1509-1564) corretamente entende que a revelação de Deus é um ato de condescendência.[14] Deus, na sua Palavra, “se acomodava à nossa capacidade”,[15] “balbuciando” a sua Palavra a nós como as amas fazem com as crianças.[16] Deus se vale de analogias, recorrendo a metáforas – comparando-se a um leão, ao urso e ao homem – visando ser entendido por nós. “Deus não pode se revelar a nós de nenhuma outra maneira do que não por meio de comparações com coisas que conhecemos”, insiste Calvino.[17] Em outro lugar: “Deus, acomoda-se ao nosso modo ordinário de falar por causa de nossa ignorância, às vezes também, se me é permitida a expressão, gagueja”.[18]
Por isso, insistimos, torna-se perigoso estabelecer analogias estranhas à Palavra para falar de Deus. É prudente caminhar dentro dos limites que o próprio Senhor Jesus estabeleceu no uso e aplicação que fez conforme registrado nas Escrituras.
A Escritura reconhece que Deus não tem comparação nem pode ser sondado. Ele é incomparável e insondável. Com isso não estamos sustentando um irracionalismo ilógico, antes, afirmando que diante da revelação fidedigna do Deus pessoal e “racional”, aprendemos que Ele ultrapassa as nossas categorias mas, não é contraditório. A racionalidade bíblica consiste em saber que a nossa razão diante de Deus, mesmo tendo paralelos − afinal fomos criados à sua imagem −, é limitada em seu alcance e sínteses.
Contudo, a revelação não é um faz-de-conta. A nossa razão não é um “café com leite” para lidarmos com as coisas terrenas enquanto Deus está em outra esfera, com outra dimensão de racionalidade e lógica próprias.[19] Creio que a compreensão desse ponto é fundamental para o desenvolvimento de nosso assunto e, até mesmo, para sobrevivermos como seres pensantes responsáveis.
Não há com que ou com quem comparar Deus. Ele está muito além de nossas referências. A sua grandeza é inexaminável e indecifrável. Não temos parâmetros para decifrá-la ainda que de forma aproximada.[20] Contudo, podemos conhecê-lo verdadeiramente.
Assim se expressaram os salmistas:
Grande (lAdG”) (gadol) é o SENHOR e mui digno de ser louvado; a sua grandeza (hL’WdG>) (gedullah) é insondável (rq,xe !yIa;) (ayin cheqer). (Sl 145.3).
Ó SENHOR, Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu és, SENHOR, com a tua fidelidade ao redor de ti?! (Sl 89.8).
Com efeito, eu sei que o SENHOR é grande (lAdG”) (gadol) e que o nosso Deus está acima de todos os deuses. (Sl 135.5).
Todos os meus ossos dirão: SENHOR, quem contigo se assemelha (AmK.)(kemo)? (Sl 35.10).[21]
Ora, a tua justiça, ó Deus, se eleva até aos céus. Grandes coisas (lAdG”) (gadol) tens feito, ó Deus; quem é semelhante (AmK.)(kemo) a ti? (Sl 71.19).
Tentação de esquadrinhar Deus
Considerando o que disse Salomão − “A glória de Deus é encobrir as coisas, mas a glória dos reis é esquadrinhá-las (rq;x’) (chaqar) (= sondar, investigar, pesquisar) (Pv 25.2) −, devemos nos precaver de uma tentação na qual podemos incorrer: especular sobre o ser de Deus e seus atos, perdendo a dimensão de que o nosso conhecimento é de servo, limitado e fraccionado, dependendo essencialmente da revelação (Is 40.28).[22]
Desejo de anunciar os feitos de Deus
Ao contrário dessa tentação, o salmista oferece-nos um caminho a seguir: anunciar os feitos de Deus ainda que não tenhamos, naturalmente, a compreensão – nem nos é requerido isso − de todos eles:
São muitas, SENHOR, Deus meu, as maravilhas que tens operado e também os teus desígnios para conosco; ninguém há que se possa igualar contigo. Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar. (Sl 40.5).
Tu me tens ensinado, ó Deus, desde a minha mocidade; e até agora tenho anunciado as tuas maravilhas (al’P’) (pala). (Sl 71.17).
Algumas considerações
Ao longo destes tópicos, fomos conduzidos a contemplar a majestade do Deus Altíssimo — incomparável, insondável e absolutamente transcendente. Ele está acima de toda a criação, de todos os deuses forjados pela imaginação humana, e de toda tentativa humana de defini-lo ou reduzi-lo a categorias compreensíveis. E, ainda assim, esse Deus grandioso se revela. Ele se dá a conhecer, não por necessidade, mas por graça.
A revelação de Deus nas Escrituras é um ato de condescendência amorosa. Como bem observou Calvino, Deus “balbucia” conosco, acomodando-se à nossa linguagem limitada para que possamos conhecê-lo de forma verdadeira, ainda que não exaustiva. Ele se revela como o Altíssimo, mas também como o Pastor que cuida, guia e protege.
Essa tensão entre a transcendência e a imanência de Deus é o que sustenta a fé do salmista e deve sustentar a nossa. Mesmo quando os ímpios prosperam e os arrogantes zombam de Deus, o fiel é chamado a olhar para cima — para o Altíssimo — e confiar em seu cuidado constante. A tentação de esquadrinhar Deus, de tentar compreendê-lo plenamente, deve dar lugar à adoração humilde e ao anúncio de suas maravilhas, mesmo quando não as compreendemos por completo.
Portanto, que a nossa resposta ao Deus Altíssimo seja de reverência, confiança e proclamação. Que elevemos os olhos, como o salmista, certos de que o nosso socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra. E que, mesmo diante do mistério que envolve o ser de Deus, possamos descansar na certeza de que Ele é bom, justo e fiel – eternamente.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] “Temeram, pois, estes homens em extremo ao SENHOR; e ofereceram sacrifícios ao SENHOR e fizeram votos” (Jn 1.16).
[2] Sobre a afirmação do Deus incomparável, feita inclusive entre os pagãos a respeito de seus deuses, veja-se: Carl F.H. Henry, Deus, Revelação e Autoridade v. 2: Deus que fala e age – 15 teses – parte um, São Paulo: Hagnos, 2017, p. 225ss.
[3]“Pois tu, SENHOR, és o Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon) sobre toda a terra; tu és sobremodo elevado acima de todos os deuses.” (Sl 97.9).
[4] Vejam-se também: Gn 14.18,19,20,22; Sl 9.2; 18.13; 21.7; 46.4; 50.14; 57.2; 77.11; 78.17,35,56; 91.1,9; 92.1; 107.11.
[5] Sl 10.9; 57.6; 140.5.
[6]“5 O SENHOR é quem te guarda; o SENHOR é a tua sombra à tua direita. 6 De dia não te molestará o sol, nem de noite, a lua. 7 O SENHOR te guardará de todo mal; guardará a tua alma” (Sl 121.5-7).
[7] R.L. Saucy, Doutrina de Deus: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 440. Sobre a importância das definições no âmbito geral, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Metodologia das Ciências Teológicas, Goiânia: Cruz, 2015, p. 63-65.
[8]Johan Huizinga, El Concepto de la Historia y Otros Ensayos, 4. reimpresión, México: Fondo de Cultura Econômica, 1994, p. 87.
[9]Aristóteles, Tópicos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.5. p. 13.
[10]“Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?” (Jó 26.14).
[11] Obviamente, conforme já mencionamos, não pretendemos definir aqui por via negativa, apofática, optando pelo “anonimato” de Deus, dizendo que a melhor definição é a indefinição ou, seguindo um caminho vago e impessoal de uma teologia mística e negativa (Ver: Carl F.H. Henry, Deus, Revelação e Autoridade v. 2: Deus que fala e age – 15 teses – parte um, São Paulo: Hagnos, 2017, p. 250-251). Dentro dessa linha, conforme o teólogo católico Heinisch (1878-1956) seguiu na interpretação da Antigo Testamento, “Uma vez que Deus transcende em muito toda a compreensão humana, Ele pode, estritamente falando, não ter nome — Ele é ‘Sem Nome’, ‘Inominável’, conforme os Pais da Igreja declaravam. Os nomes divinos são apenas tentativas de expressar certas facetas do ser de Deus; elas nos ensinam quais conceitos Israel tinha a respeito de Deus” (Paul Heinisch, Theology of the Old Testament, Collegeville, Minessota: Liturgical Press, 1950, p. 48).
Também não seguimos vaga compreensão do ápeiron de Anaximandro (c. 610-547 a.C.) que foi o primeiro a usar a palavra “princípio” (a)rxh/). (Dox. 1). Para ele, o princípio (a)rxh/) de todas as coisas é o “Ápeiron” (a)/peiron = “sem fim”, “ilimitado”, “indeterminado”, “indefinido”, “privado de limite espacial”). (Dox. 1,2,6). Ele é ilimitado, eterno, indissolúvel e indestrutível (Frags. 2,3; Dox. 2,3). Ele dirige todas as coisas (Dox. 2,3). É possível – já que as fontes que temos são apenas de segunda mão (Cf. José Ferrater Mora, Apeiron: Dicionário de Filosofia, São Paulo: Edições Loyola, 2001, v. 1, p. 156) − que Anaximandro tenha derivado o seu a)/peiron do xa/oj de Hesíodo, quem atribuía ao xa/oj o início de tudo. (Hesíodo, Teogonia: A Origem dos Deuses, São Paulo: Roswitha Kempf; Editores, 1986, 116ss. p. 132). Para Hesíodo, o xa/oj era espaço indefinido entre o céu e a terra. (Vejam-se: Damião Berge, O Logos Heraclítico: Introdução ao Estudo dos Fragmentos, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969, p. 139-140; G.S. Kirk; J.E. Revan, Os Filósofos Pré-Socráticos, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. 18ss.).
O termo a)/peiron permite diversas interpretações. (Vejam-se: F.E. Peters, Termos Filosóficos Gregos: Um léxico histórico, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1983), p. 32-33; José Ferrater Mora, Apeiron: Dicionário de Filosofia, v. 1, p. 156). De qualquer forma, Anaximandro parece escapar da atribuição material como origem de todas as coisas ou, pelo menos, de nominá-la.
Embora meu ponto não seja esse, não posso deixar de mencionar uma relevante contribuição de Anaximandro. Ele de fato assinala um grande progresso em relação a Tales de Mileto pois, a sua resposta quanto à origem do universo é marcada por uma compreensão de que o elemento primordial, o “a)rxh/” de todas as coisas, não pode ser um elemento material determinado como o Ar, a Água, a Terra, o Fogo ou mesmo, a mistura de dois ou mais destes elementos. Todos eles são gerados, criados; logo, finitos. (Dox. 2). Talvez a sua filosofia seja a primeira tentativa ocidental, de explicar a origem de todas as coisas por derivação do infinito não de uma causa material. (Vejam-se: F. Klimke; E. Colomer, Historia de la Filosofía, 3. ed. Barcelona: Editorial Labor S.A. 1961, p. 22; G.S. Kirk; J.E. Revan, Os Filósofos Pré-Socráticos, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p 139; F. Nietzsche, A Filosofia na Época Trágica dos Gregos, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 32), 1974, § 4, p. 42; Giovanni Reale; Dario Antiseri, História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média, São Paulo: Paulus, 1990, v. 1, p. 31-34; G. Fraile, Historia de la Filosofia (Grecia y Roma), 2. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, v. 1, 1965, p. 144-147). Foi ele, escreve Jaeger (1888-1961), “o único de cuja concepção do mundo podemos obter uma representação exata” (Werner Jaeger, Paidéia: A Formação do Homem Grego, 2. ed. São Paulo; Brasília, DF.: Martins Fontes; Editora Universidade de Brasília, 1989, p. 136). Em outro lugar, continua Jaeger: “Em Anaximandro encontramos o primeiro quadro unificado e universal do mundo, baseado em uma dedução e explicação natural de todos os fenômenos” (Werner Jaeger, A Teologia de los Primeiros Filosofos Gregos, México: Fondo de Cultura Económica, 3ª reimpresión, 1992, p. 29). Clark (1902-1985), faz um comentário breve, porém esclarecedor a respeito da possível compreensão de Anaximandro. Veja-se: Gordon H. Clark, De Tales a Dewey: uma história da Filosofia, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 18-20.
[12] Vejam as pertinentes observações de Frame (John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 166ss.).
[13] Achei oportuna a colocação de Horton que li após ter escrito esse parágrafo: “Não é simplesmente que Deus possua mais ser, conhecimento, poder, amor e justiça, mas que Deus transcende toda a comparação conosco – até mesmo aquelas que ele revela nas Escrituras” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 47). Veja-se também à frente o tratamento de Horton mais detalhado sobre o assunto, p. 59-63.
[14]Cf. Alister E. McGrath, Historical Theology: An Introduction to the History of Christian Thought, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1998, p. 210. A Confissão de Westminster fala também da “condescendência” de Deus em firmar um Pacto com o homem caído (Ver: Confissão de Westminster, VII.1). Veja-se também: Louis Berkhof, Teologia Sistemática, 4. ed. Revisada, (6ª Reimpressão), São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 47. Trato mais detalhadamente desse assunto em meu livro: João Calvino 500 anos, São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
[15]J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 2.7), p. 82.
[16] “Pois quem, mesmo que de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim conosco fala como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as crianças? Por isso, formas de expressão que tais não exprimem, de maneira clara e precisa, tanto quê Deus seja, quanto Lhe acomodam o conhecimento à paucidade da compreensão nossa. Para que assim se dê, necessário Lhe é descer muito abaixo de Sua excelsitude” (J. Calvino, As Institutas, I.13.1). “A descrição que dele se nos outorga tem de acomodar-se-nos à capacidade, para que seja de nós entendida. Esta é, na verdade, a forma de acomodar-se: que tal se nos represente, não qual é em Si, porém, qual é possível de ser de nós apreendido” (J. Calvino, As Institutas, I.17.13). Ver também: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 13.3), p. 265; (Sl 19.4-6), p. 420-421; v. 2, (Sl 50.14), p. 409; v. 3, (Sl 78.65), p. 241; (Sl 91.4), p. 447; (Sl 93.2), p. 474; (Sl 106.23), p. 685; João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.1), p. 30; (Jo 3.12), p. 127; v. 2, (Jo 14.28), p. 111; (Jo 21.25), p. 327; As Institutas, I.14.3,11; I.16.9; IV.17.11.
[17] John Calvin, “Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,” John Calvin Collection, (CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Is 40.18), p. 64. Do mesmo modo, Bavinck: “Deus é aquilo de que Ele se chama e se chama daquilo que é. O que Deus revela sobre si mesmo é expresso e comunicado em termos específicos. Às suas criaturas Ele concede o privilégio de chama-lo e dirigirem-se a ele com base e na observância de sua revelação. […] Se Deus quer que o conheçamos, Ele tem de descer ao nosso nível e acomodar-se à nossa consciência limitada, finita e humana, e falar conosco em linguagem humana” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 101,107).
[18] John Calvin, Commentary on the Gospel according to John, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 18), 1996 (Reprinted), (Jo 21.25), p. 299.
[19] Veja-se: Ronald H. Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias, Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 99ss.
[20] “Quando chegamos a conhecer Deus, ficamos temerosos, esmagados; vemos nele uma grandeza que torna como anões todos os outros objetos de conhecimento, reais ou potenciais” (John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 166).
[21] Vejam-se: Sl 50.21; 71.19; 86.8; 89.8; Jr 10.6-7; Mq 7.18.
[22]“Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar (rq;x’) (chaqar) o seu entendimento” (Is 40.28).