Trabalhando para a glória de Deus e o bem da sociedade – Algumas ponderações reformadas
Todo trabalho que melhora e desenvolve as possibilidades para o bem, contribui, de alguma maneira, para a grande missão da cultura. − Henry H. Meeter (1886-1963).[1]
Religião não tira um homem de seu trabalho; leva-o para seu trabalho com uma devoção de qualidade crescente. − B.B. Warfield (1851-1921).[2]
Melhor é sustentar do suor próprio, que do sangue alheio. (…) Não há maior maldição numa casa, nem numa família, que servir-se com suor e com sangue injusto. – Padre Antonio Vieira (1608-1697).[3]
Em duas declarações lapidares de Jesus vemos a sua perspectiva teológica, indicando, na primeira citação, o governo preservador e diretor de Deus sobre todas as coisas criadas e também a sua filiação única e prerrogativas divinas:[4] “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). “As obras que o Pai me confiou para que eu as realizasse, essas que eu faço testemunham a meu respeito de que o Pai me enviou” (Jo 5.36).
A Criação não é produto do acaso, ou de uma enorme coincidência de mistura de gases, antes foi produzida pelas mãos de Deus conforme sua determinação sábia e poderosa. Deus pode, portanto, contemplar a sua Criação e se deleitar nas obras de suas mãos.[5]
No Salmo 8, o salmista também contempla extasiado a Criação: “Quando contemplo os teus céus, obra (hf,[]m) (ma`aseh) dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste (…). Deste-lhe domínio sobre as obras (hf,[]m) (ma`aseh) da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste” (Sl 8.3,6).
Em outro lugar: “Em tempos remotos, lançaste os fundamentos da terra; e os céus são obra (hf,[]m) (ma`aseh) das tuas mãos” (Sl 102.25).
O profeta reconhece que somos produto da vontade de Deus: “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro; e todos nós, obra (hf,[]m) (ma`aseh) das tuas mãos” (Is 64.8).
As obras de Deus são admiráveis revelando aspectos de sua maravilhosa grandeza.
A rotina, que em geral é útil em nossos afazeres cotidianos, nos permitindo planejar com maior naturalidade, sem dispêndio de maiores energias, pode também involuntariamente ocultar aos nossos olhos grandes feitos com os quais nos acostumamos e terminamos por banalizá-los.
Nos acostumamos com as estações do ano, as chuvas periódicas, o outono, o frio do inverno, as flores da primavera, o nascimento de um bebê, o alimento diário, uma noite de sono, o céu estrelado, etc.
O salmista também desfrutava de experiências semelhantes, mas, quando contempla o poder de Deus manifesto de várias formas na criação e em sua vida, com amplo conhecimento de causa, exclama em louvor: “Graças te dou, visto que por modo assombrosamente (arey”) (yare’) maravilhoso (hl’P’) (palah) me formaste; as suas obras (hf,[]m) (ma`aseh) são admiráveis (al’P’) (pala) (maravilhosas, extraordinárias), e a minha alma o sabe muito bem” (Sl 139.14).
A alegria de contemplar a criação de Deus
O contemplar as obras de Deus proporciona a nós um deleite espiritual e uma adoração sincera:
Não há entre os deuses semelhante a ti, Senhor; e nada existe que se compare às tuas obras (hf,[]m) (ma`aseh). (Sl 86.8).
Grandes são as obras (hf,[]m) (ma`aseh) do Senhor, consideradas por todos os que nelas se comprazem. (Sl 111.2).
4 Pois me alegraste, Senhor, com os teus feitos; exultarei nas obras (hf,[]m) (ma`aseh) das tuas mãos. 5 Quão grandes (ld;G”) (gadal), Senhor, são as tuas obras (hf,[]m) (ma`aseh)! Os teus pensamentos (hb’v’x]m;) (machashabah) (desígnios, intentos) que profundos!” (Sl 92.4-5).
Na contemplação meditativa da Criação, podemos perceber aspectos da bondade de Deus que nos aliviam em nossas dores e limitações, nos concedendo a visão da harmoniosa variedade e beleza daquilo que criou. Nessa visão, somos conduzidos a nos admirar e a glorificar a Deus por sua manifestação de sabedoria, bondade e graça para conosco.
Davi mais uma vez canta de modo inspirado:
Que variedade, Senhor, nas tuas obras (hf,[]m) (ma`aseh)! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. (Sl 104.24).
O Senhor é bom para todos, e as suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras (hf,[]m) (ma`aseh). (Sl 145.9).
Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, benigno em todas as suas obras (hf,[]m) (ma`aseh). (Sl 145.17).
Surpreendentemente, desde a Criação, o homem foi colocado numa posição acima das outras criaturas, e coube a ele o domínio sobre os outros seres criados, sendo abençoado por Deus com a capacidade de procriar-se (Gn 1.22).[6]
Como indicativo da posição elevada em que o homem foi colocado, o Criador compartilha com ele – abençoando e capacitando-o – do poder de nomear os animais – envolvendo neste processo inteligência e não arbitrariedade – e também de dar nome à sua mulher (Gn 2.19,20,23; 3.20).
Ao homem foi conferido o poder de ir além da matéria, podendo raciocinar, estabelecer conexão e visualizar o invisível.[7]
Ao homem, portanto, foi concedido o privilégio responsabilizador de pensar, analisar, escolher livremente o seu caminho de vida,[8] verbalizar os seus pensamentos e emoções, podendo, assim, dialogar com o seu próximo (Gn 3.6) e com Deus (Gn 3.9-13), sendo entendido por ele e entendendo a sua vontade.
Quando usamos adequadamente dos recursos que o Senhor nos confiou para dominar a terra, estamos cumprindo o propósito da criação glorificando a Deus. É necessário, portanto, que o glorifiquemos em nosso trabalho pela forma legítima como o executamos.
Precisamos estar atentos ao fato de que o nosso domínio está sob o domínio de Deus. A Criação pertence a Deus por direito, a nós, por delegação de Deus (Sl 24.1; 50.10-11; 115.16).[9] Ele mesmo compartilhou conosco este poder, contudo não o transferiu a nós.[10] Teremos de lhe prestar contas.
Por isso, ainda que o nosso domínio seja demonstrado, especialmente pelo avanço da ciência, novos desafios surgem. A plenitude desse domínio temos em Cristo Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
1. Definição de Trabalho
Trabalho pode ser definido como o esforço físico ou intelectual, com vistas a um determinado fim.
O verbo “trabalhar” é proveniente do latim vulgar tripaliar: torturar com o tripalium. Este é derivado de tripalis cujo nome é proveniente da sua própria constituição gramatical: tres & palus (pau, madeira, lenho, estaca), que significava o instrumento de tortura de três paus e que também servia para “ferrar os animais rebeldes”.[11]
A palavra latina parece ter sido proveniente do grego tripa/ssalon (instrumento de tortura) que é derivada de pa/ssaloj (estaca, um pino, um lugar para pendurar qualquer coisa, “membro viril”).
O tripalium também era um instrumento de três paus aguçados que, algumas vezes munidos de pontas de ferro, eram utilizados pelos agricultores para bater o trigo, as espigas de milho e o linho para rasgá-los e esfiapá-los.[12]
A ideia de tortura evoluiu, tomando o sentido de “esforçar-se”, “laborar”, “obrar”.[13] Le Goff (1924-2014) nos chama a atenção para uma conexão interessante: a condenação de Adão – que após a Queda obteria o alimento em “fadigas” – e Eva – que daria a luz “em meio a dores”, dizendo: “A origem etimológica da palavra ‘trabalho’ aparece com um sentido particular na locução ‘sala de trabalho’, designando ainda hoje a sala de parto em uma maternidade”.[14]
Etimologia à parte, devemos observar que o trabalho apresenta as seguintes características:[15]
a) Envolve o uso de energia ‒ “força em ação” ‒ destinado a vencer a resistência oferecida pelo objeto que se quer transformar – intencionalidade.
b) O trabalho se propõe sempre a uma transformação ainda que pequena.
c) Todo o trabalho está ligado a uma necessidade pessoal e social.
d) Todo trabalho traz, como pressuposto fundamental, o conceito de que o objeto, sobre o qual trabalha, é de algum modo aperfeiçoável, mediante o emprego de determinada energia – esforço e perseverança.
2. A Concepção Medieval
Refletindo aspectos da compreensão de seu tempo, no século XIII, um poeta francês, formado na Universidade de Paris, que assina sob o pseudônimo de Rutebeuf (c. 1230-1285), proclama com orgulho: “Não sou trabalhador manual”.[16]
Na Idade Média – entre duas tradições antagônicas: a greco-romana que desprestigia o trabalho e a cristã que o valoriza[17] – há de certa forma, um retorno à ideia grega, considerando o trabalho – no sentido manual, (banausi/a), “arte mecânica”, como sendo algo degradante para o ser humano,[18] e inferior à (sxolh/), ao ócio, descanso, repouso, à vida contemplativa e ociosa (sxola/zw), por um lado, e à atividade militar pelo outro.[19] Aliás, é possível que esta perspectiva tenha contribuído para que os gregos não tivessem desenvolvido uma ciência empírica.[20]
Na visão de São Tomás de Aquino (1225-1274), o trabalho era no máximo, considerado “eticamente neutro”.[21] Contudo perpetuou a sua preferência para com a vida contemplativa.[22]
Segundo a Igreja romana, conforme interpreta Pirenne (1862-1935):
A finalidade do trabalho não é enriquecer, mas conservar-se na condição em que cada um nasceu, até que desta vida mortal, passe à vida eterna. A renúncia do monge é o ideal a que toda a sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da avareza. A pobreza é de origem divina e de ordem providencial. [23]
Ainda na Idade Média, especialmente a partir do século XI, a posição ocupada pelo trabalho era regida pela divisão gradativa de importância social: Oradores (oratores) (eclesiásticos), Defensores (bellatores) (guerreiros) e Trabalhadores (laboratores)[24] (agricultores, camponeses).[25] Desta forma, os eclesiásticos, no seu ócio e abstrações “teológicas” é que tinham a prioridade, ocupando um lugar proeminente na escala e ordem social.
Deste modo, a ordem social estava tão bem estabelecida – supostamente amparada no modelo da sociedade celestial com seus arcanjos e anjos ‒ que, se por um lado tentar ascender socialmente seria um sinal de orgulho, por outro, decair socialmente era um pecado vergonhoso. Portanto, “o dever do homem medieval era permanecer onde Deus o tinha colocado”, interpreta Le Goff.[26]
O trabalho manual era imposto ao monge apenas como castigo e penitência.[27] Mesmo para designar o trabalho, como acentuam Le Goff e Truong, há duas palavras distintivas: Opus e Labor. Opus “é o trabalho criador, o vocábulo do Gênesis que define o trabalho divino, o ato de criar o mundo e o homem à sua imagem. Desse termo derivará operari (criar uma obra) operarius (aquele que cria)”.[28] Labor, por sua vez, refere-se ao trabalho laborioso, “está do lado do erro e da penitência”.[29]
Biéler (1914-2006) comenta:
O trabalho, especialmente o trabalho criador de bens e riqueza, o trabalho manual, se não decaíra mais até o nível do trabalho servil da Antiguidade, foi, todavia, considerado como uma necessidade temporal desprezível com relação aos exercícios da piedade. E aqueles que se dedicavam às atividades econômicas e financeiras, os negociantes e banqueiros, eram particularmente desconsiderados.[30]
No próprio currículo das universidades medievais era explícita a visão desprivilegiada do trabalho, como comenta Verger:
As disciplinas “mecânicas” ou “lucrativas”, vítimas do duplo preconceito dos antigos contra o trabalho manual e do cristianismo contra o dinheiro e a matéria, eram banidas da escola, deixadas para os leigos pecadores e “iletrados” (illiteratus quer dizer aquele que ignora o latim, que não estudou as artes liberais).[31]
3. A Perspectiva Reformada
Trabalhe e deixe-o [Deus] dar os frutos! ‒ Martinho Lutero (1483-1546).[32]
Há uma diferença entre lavar louças e pregar a palavra de Deus; mas no tocante a agradar a Deus; nenhuma em absoluto. ‒ William Tyndale (c. 1494–1536).[33]
Quer você esteja fazendo a exegese do Salmo 110, quer esteja examinando as penas de um pica-pau, você deve oferecer a obra a Deus e ver esse esforço intelectual, essa erudição, como parte da adoração. ‒ D. A. Carson.[34]
A Reforma resgatou o conceito cristão de trabalho, fazendo uma crítica fundamental à concepção monástica medieval, eliminando, por exemplo, a distinção entre vida activa representada por Marta e a vida contemplativa representada por Maria (Lc 10.38-42),[35] sendo este o modelo do caminho monástico.[36]
Biéler resume:
Calvino, fundamentando-se nas Escrituras, é um dos raros teólogos a pôr em evidência, com tanta clareza, a participação do trabalho do homem na obra de Deus. Dessarte, conferiu ele ao labor humano dignidade e valor espirituais que jamais teve na Escolástica, nem, por mais forte razão, na antiguidade. Este fato terá grandes repercussões no desenvolvimento econômico das sociedades calvinistas.[37]
Na ética do trabalho, Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564) estavam acordes quanto à responsabilidade do homem de cumprir a sua vocação por meio do trabalho. Não há lugar para ociosidade.
Calvino escreveu:
Quando quis Deus, escreve Calvino, que o homem se aplicasse a cultivar a terra, na pessoa do homem condenou Deus a ociosidade e a indolência. Portanto, nada é mais contrária a ordem da natureza, que consumir a vida comendo, bebendo, e dormindo.[38]
Com isto, não se quer dizer que o homem deve ser um ansioso ativista, mas que o trabalho é uma dádiva de Deus por meio da qual podemos glorificar ao nosso Criador. Lutero teve uma influência decisiva, quando traduziu para o alemão o Novo Testamento (1522), empregando a palavra “beruf” para trabalho, em lugar de “arbeit” (palavra derivada do latim arvus,[39] terreno arável).
“Beruf” – com toda a dificuldade de encontrar um equivalente em nossa língua – acentua mais o aspecto da vocação do que o do trabalho propriamente dito. As traduções posteriores, inglesas e francesas, tenderam a seguir o exemplo de Lutero. A ideia que se fortaleceu, é a de que o trabalho é uma vocação divina.[40]
Calvino ensina com firmeza: “Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus”.[41]
Em outro lugar, combatendo a interpretação clerical medieval que estimulava à ociosidade e especulações inúteis, diz:
É um erro que aqueles que fogem dos afazeres do mundo e engajem-se em contemplação estão vivendo uma vida angelical. (…) Sabemos que os homens foram criados para ocuparem-se com o trabalho e que nenhum sacrifício é mais agradável a Deus do que quando cada um atende ao seu chamado e procura viver completamente em prol do bem comum.[42]
O amor ao próximo faz com que o nosso honesto trabalho não se limite a satisfazer as nossas necessidades, mas também, a ajudar os nossos irmãos. Explica Calvino: “O amor nos leva a fazer muito mais. Ninguém pode viver exclusivamente para si mesmo e negligenciar o próximo. Todos nós temos de devotar-nos à ação de suprir as necessidades do próximo”.[43]
Entende que “a indolência e a inatividade são amaldiçoadas por Deus”.[44]
Em outro lugar:
Moisés acrescenta agora que a terra foi outorgada ao homem com esta condição: que se ocupasse em cultivá-la de onde se segue que foram os homens criados para empregar-se em fazer alguma coisa e não para estarem ociosos e indolentes. Verdade é que esse labor era bem alegre e agradável, longe de todo aborrecimento e cansaço. Todavia, quando Deus quis que o homem se afizesse a cultivar a terra, na pessoa dele, condenou todo repouso indolente.[45]
Porém, a graça de Deus atenua a severidade de punição, anexando ao labor humano uma dose de satisfação que deveria caracterizar primariamente o trabalho.[46]
Além disso, o trabalho está relacionado com o progresso de toda a raça humana, logo, a um crescimento sustentável que propicie o bem comum:
Há modos diferentes de se trabalhar. Para quem ajuda a sociedade dos homens pela indústria, ou regendo sua família, ou na administração pública ou em negócios privados, ou aconselhando, ou ensinando ou de qualquer outra maneira, não será considerado entre os inativos. Paulo censura aqueles zangões preguiçosos que querem viver pelo suor dos outros, não contribuindo assim com nenhum serviço em comum para ajudar a raça humana.[47]
Pregando em Efésios, Calvino instrui à igreja e, apresenta uma palavra especial aos pais:
Atente cada um com diligência para consigo, e os pais, querendo dirigir os filhos a quaisquer empregos, não tenham esse costume a que se têm habituado de dizer: Qual profissão será a mais rendosa? Antes, estes dois aspectos se conjuguem, isto é, quando houver considerado em que é que meu filho poderá ganhar a vida e, quando estiver casado, como proverá para si e sua família? Que sirva ao próximo e o uso de sua arte e de sua profissão redunde no proveito comum de todos.[48]
Assim, pois, por essa razão, impõe-nos ter sempre diante dos olhos que, em qualquer estado que vivamos, é necessário que Deus marche adiante, como se a si nos chamasse e nós seguíssemos o caminho que por sua Palavra nos mostra. Certo é que jamais profissão alguma será dele aprovada se não for útil, e se o público não for dela servido, e se também não redundar em proveito de todos.[49]
O ganho ilícito, por meio do qual o patrimônio de nosso próximo é arruinado, é, na realidade – independentemente do nome que se dê, já que o ser humano é pródigo em adjetivar a maldade com termos nobres – não um sinal de inteligência, mas, de iniquidade: é, portanto, uma forma de furto.[50]
Mais tarde, o teólogo genebrino Turretini (1623-1687), interpretando o pensamento de Calvino diria que receber salário por um trabalho mal feito é uma forma de roubo.[51] Portanto, retornando ao próprio Calvino, “não se deve fazer um uso pervertido dos labores que outras pessoas empreendem em seu próprio benefício”.[52]
Ainda que o dinheiro emprestado a juros seja permitido[53] ‒ prática tão comum na Europa há muitos séculos antes de Calvino[54] ‒ o trabalho honesto, fruto do nosso labor é que deve ser a fonte de recursos para a manutenção de nossa família. Também, a piedade não ser esquecida em todas as nossas transações. Portanto, não devemos nos aproveitar das necessidades alheias, vivendo, simplesmente, de transações financeiras. Um princípio justo é que em todas as negociações, haja benefícios para ambas as partes.
Trabalho, Poupança e Frugalidade
Calvino defendeu três princípios éticos fundamentais que podemos ser resumidos mnemonicamente em três palavras: trabalho, poupança e frugalidade.[55] Note-se que a poupança deveria ter sempre o sentido social.[56]
Comentando 2Coríntios 8.15, diz:
Moisés admoesta o povo que por algum tempo fora alimentado com o maná, para que soubesse que o ser humano não é alimentado por meio de sua própria indústria e labor, senão pela bênção de Deus. Assim, no maná vemos claramente como se ele fosse, num espelho, a imagem do pão ordinário que comemos. (…) O Senhor não nos prescreveu um ômer ou qualquer outra medida para o alimento que temos cada dia, mas ele nos recomendou a frugalidade[57] e a temperança, e proibiu que o homem exceda por causa da sua abundância.[58] Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou por conquista de sua própria indústria e labor, devem lembrar que o excedente não deve ser usado para intemperança ou luxúria, mas para aliviar as necessidades dos irmãos. (…) Assim como o maná, que era acumulado como excesso de ganância ou falta de fé, ficava imediatamente putrificado, assim também não devemos alimentar dúvidas de que as riquezas que são acumuladas à expensa de nossos irmãos são malditas, e logo perecerão, e seu possuidor será arruinado juntamente com elas, de modo que não conseguimos imaginar que a forma de um rico crescer é fazendo provisões para um futuro distante e defraudando os nossos irmãos pobres daquela ajuda que a eles é devida.[59]
Calvino também nos adverte quanto ao perigo de transformarmos o nosso trabalho em objeto de avareza justamente pela falta de fé na provisão do Senhor:
O que nos torna mais avarentos do que deveríamos em relação ao nosso dinheiro é o fato de sermos tão precavidos e enxergarmos tão longe quanto possível os supostos perigos que nos podem sobrevir, e assim nos tornamos demasiadamente cautelosos e ansiosos, e passamos a trabalhar tão freneticamente como se devêssemos suprir de vez as necessidades de todo o curso de nossa vida, e afigura-se-nos como grande perda quando uma mínima parcela nos é tirada. Mas aquele que depende da bênção do Senhor tem o seu espírito livre dessas preocupações ridículas, enquanto, ao mesmo tempo, tem suas mãos livres para a prática da beneficência.[60]
Fundamentos da nossa Ética
Se as reformas de Calvino desempenharam um papel central na história do Ocidente, elas o fizeram não por serem princípios de organização que moldaram desenvolvimentos políticos e econômicos, e sim por causa de suas exigências de que os crentes e as congregações conformassem, individualmente, sua vida à Palavra de Deus. – D. G. Hart.[61]
Desde o princípio, a Reforma foi um movimento tanto religioso quanto ético. – Herman Bavinck.[62]
As cartas de Calvino, bem como os seus sermões revelam uma preocupação eminentemente pastoral, além de uma coerência de pensamento amparada nas Escrituras. A sua fé e prática eram decorrentes de sua compreensão bíblica.
Não é de se estranhar que, próximo do final da vida, depois de um ministério profícuo em Genebra (1536-1538; 1541-1564), no leito, tendo os ministros da cidade à sua volta, despede-se (28/04/1564), e lhes diz o que, empiricamente, já sabiam por meio de seu convívio: “A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça de escrever. Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci…”.[63]
Ética e Providência
A ética de Calvino tem como um de seus fundamentos a doutrina da Providência. Crê que é impossível uma vida cristã autêntica sem o descanso proveniente da confiança subjetiva no cuidado de Deus:
Quem quer que não confie na providência divina, bem como não encomende sua vida à fiel diretriz dela, ainda não aprendeu corretamente o que significa viver. Em contrapartida, aquele que confiar a guarda de sua vida ao cuidado divino, não duvidará de sua segurança mesmo em face da morte.[64]
Ele está convencido de que “a regra que devemos observar, quando estamos em angústia e sofrimento, é esta: que busquemos conforto e alívio só na providência de Deus, porque, em meio às nossas agitações, apertos e preocupações, devemos encher-nos da certeza de que sua função peculiar consiste em prover alívio ao miserável e aflito”.[65]
A doutrina da Providência propicia ao crente “o melhor e mais doce fruto”[66] resultante da compreensão de que tudo está nas mãos de Deus. Nada acontece por casualidade: para o cristão não há lugar para o “azar”, “sorte” ou “acaso”. Deus dirige todas as coisas de forma pessoal, sábia e amorosa!
Conclui Calvino: “A providência de Deus, qual é ensinada na Escritura, é o oposto da sorte e dos acontecimentos atribuídos ao acaso. (…) Todos e quaisquer eventos são governados pelo conselho secreto de Deus”.[67]
A certeza do cuidado de Deus é suficiente para acalmar a nossa ansiedade e a nos alegrar em Deus:
Não há outro método de aliviar nossas almas da ansiedade, senão repousando sobre a providência do Senhor (…). Nossos desejos e petições devem ser oferecidos com a devida confiança em sua providência, pois quem há que ore com clamor de espírito e que, com inusitada ansiedade e vencido pela inquietação, parece resolvido a ditar termos ao Onipotente? Em oposição a isso, Davi a recomenda como sendo a devida parte da modéstia em nossas súplicas para que transfiramos para Deus o cuidado daquelas coisas que pedimos, e não pode haver dúvida de que o único meio de refrear nossa excessiva impaciência é mediante a absoluta submissão à divina vontade quanto às bênçãos que queremos nos sejam concedidas.[68]
Daí a importância de mantermos nossa fé amparada em Deus, que cuida de nós não nos sendo indiferente. Consola-nos: “Quando nada senão destruição se manifestar ante nossos olhos, para qualquer lado que nos viremos, lembremo-nos de erguê-los em direção do trono celestial, donde Deus vê tudo o que se faz aqui em baixo”.[69]
Urgência pragmática
Qual a implicação ética disso tudo? Indiferença? Não. Analisemos este ponto.
A compreensão de Calvino a respeito da direção de Deus sobre todas as coisas, ao contrário do que poderia parecer, não o leva à ociosidade, ou a um tipo de perspectiva fatalista afirmando que nada podemos fazer a não ser nos contentar com o que está previamente fixado por uma causa sobrenatural. Pelo contrário, sua compreensão de providência de Deus inspira-o ao trabalho, consciente de que somos instrumentos de Deus para a execução do seu sábio e eterno propósito. Esta doutrina tem, dessa maneira, uma “urgência pragmática” para todo o povo de Deus. O tempo é um recurso precioso que Deus nos concede para o progresso em todas as esferas de nossa vida.[70]
A ética de Calvino leva em questão duas necessidades básicas: 1) A consideração sobre o drama da existência humana, sujeita ao pecado e à morte. O pecado afetou a integralidade do homem;[71] 2) Explorar as implicações de nossa fé: responsabilidade humana.[72]
O pecado tende a anestesiar a nossa consciência nos acomodando à paisagem de miséria cotidiana nas diversas molduras de nossa existência. A Palavra, no entanto, desperta as nossas consciências.
A Igreja como agente da providência de Deus
Assim, a certeza do cuidado de Deus não nos deve conduzir à letargia, antes a nos tornar agentes deste cuidado. Devemos ter em vista que o cuidado de Deus envolve pessoas das quais ele cuida e, ao mesmo tempo, pessoas por meio das quais ele assiste. Desse modo, somos agentes ordinários de Deus − ainda que não tenhamos o discernimento constante deste fato em nossas ações − no seu socorro. Muitas vezes, em nossas ações ordinárias estamos sendo agentes de Deus em resposta a orações dos fiéis.
Existe ética porque há um Deus providente. A ética cristã é uma resposta à certeza do cuidado de Deus. Somos responsáveis diante de Deus por levar adiante o que nos compete, dentro de nossa esfera: “Se o Senhor nos confiou a proteger a nossa vida, que a cerquemos de cuidados; se oferece recursos, que os usemos; se nos previne de perigos, a eles não nos arrojemos temerariamente; se fornece remédios, não os negligenciemos”, exorta-nos.[73]
A Lei é graça
A Lei de Deus revela o nosso pecado, evidenciando a sua gravidade[74] e, aponta-nos o caminho proposto por Deus. Conforme já citamos, a Lei Moral permanece:
A lei moral de Deus é a verdadeira e perpétua regra de justiça, ordenada a todos os homens, de todo e qualquer país e de toda e qualquer época em que vivam, se é que pretendem reger a sua vida segundo a vontade dele. Porque esta é a vontade eterna e imutável de Deus: que ele seja honrado por todos nós, e que todos nós nos amemos uns aos outros.[75]
A Lei, portanto, nos conduz à graça que brilha de forma magnífica na face de Cristo.[76]
A ética cristã é fortemente marcada pela certeza de que a nossa salvação é por graça. Pertence totalmente a Deus e, ao mesmo tempo, pela consciência da necessidade de sermos obedientes à Lei de Deus: “Um cristão medirá todas as suas ações por meio da lei de Deus, seus pensamentos secretos estarão sujeitos à sua divina vontade”, ensina Calvino.[77]
A salvação é totalmente pela graça, contudo essa salvação, libertação do domínio do pecado, não nos conduz a uma ética anomista (sem lei),[78] antes a um compromisso de fé, de busca de coerência entre o crer, fazer e ensinar, na certeza de que somos agentes da providência de Deus, convictos de que temos a responsabilidade de viver à altura de nossa fé no Senhor Jesus Cristo, moldando a nossa ética pela Palavra de Deus. Em outras palavras: a santificação se reflete em nossa ética.
O Comportamento Cristão na Riqueza e na Pobreza
O trabalho [é] algo bom por causa do que ele é, e não por causa do que nos proporciona. Assim como Deus se deleita em sua obra, os portadores de sua imagem devem se deleitar em suas vocações. (…) Nossas vocações devem ser vistas no contexto da glória de Deus, a qual é o seu soberano propósito para o mundo. (…) O bom trabalho contribuirá para a glória de Deus e o bem estar de nosso próximo. Então, o trabalho será parte de nossa adoração. – Ray Pennings.[79]
Calvino, interpretando Hebreus 13.16, entende que os benefícios que prestamos aos homens se constituem parcialmente em culto a Deus, sendo isso uma grande honra que Deus nos concede. Não amar ao nosso próximo constitui-se numa ofensa a Deus e às pessoas. Por outro lado, o nosso auxílio recíproco revela a unidade do Espírito em nós.
Embora Deus não possa receber de nós nenhum benefício, no entanto considera nosso ato de invocar seu Nome como Sacrifício; aliás, como o principal dos sacrifícios, que supre a falta de todos os demais. Além disso, sejam quais forem os benefícios que façamos pelos homens, Deus os considera como feitos a Ele próprio, e lhes imprime o título de sacrifício, para que fique evidente que os elementos da lei são agora não apenas supérfluos, mas até mesmo nocivos, uma vez que nos desviam da genuína forma de sacrificar.
Em suma, o significado consiste em que, se porventura queremos oferecer sacrifício a Deus, então devemos invocar seu Nome, fazer conhecida sua munificência por meio de ações de graça e fazer o bem aos nossos irmãos. Esses são os verdadeiros sacrifícios com os quais os verdadeiros cristãos devem comprometer-se; e não sobra nem tempo nem lugar para qualquer outro.[80]
Não é uma honra trivial o fato de Deus considerar o bem que fazemos aos homens como sacrifício oferecido a Ele próprio, e o fato de valorizar tanto nossas obras, que as denomina de santas. Portanto, onde nosso amor não se manifesta, não só despojamos as pessoas de seus direitos, mas também a Deus mesmo, o qual solenemente dedicou a Si o que ordenou fosse feito em favor dos homens.[81]
“Repartir com os outros” tem uma referência mais ampla do que fazer o bem. Inclui todos os deveres pelos quais os homens se auxiliam reciprocamente; e é um genuíno distintivo do amor que os que se encontram unidos pelo Espírito de Deus comunicam entre si.[82]
Seguem alguns princípios apresentados e vivenciados por Calvino, concernentes ao uso dos bens concedidos por Deus. Pode-se perceber em suas orientações a fundamentação teológica de sua prática.
Sobre a vida exemplar de Calvino, escreve Biéler:
A pregação do reformador é o prolongamento de sua ação. A modéstia em que vive com seus colegas é proverbial e toca as raias da pobreza.[83] Suas providências em favor dos deserdados são constantes. Importuna persistentemente os conselheiros da cidade para que tomem medidas de atendimento aos pobres. Depois da chacina dos protestantes em Provence, em 1545, organiza pessoalmente uma coleta geral, subindo as escadarias dos edifícios repletos de refugiados[84] para recolher a esmola de todos.[85]
Vejamos, agora, alguns dos princípios estabelecidos nas Institutas.
A. Em tudo devemos contemplar o Criador e dar-Lhe Graças
Assim também não deixemos passar nenhum tipo de prosperidade que nos beneficie, ou que beneficie a outros, sem declarar a Deus, com louvor e ação de graças, que reconhecemos que tal bênção provém do Seu poder e da Sua bondade. − João Calvino.[86]
Ao executarem o que Deus lhes determinou, os homens devem começar sempre com oração, invocando o nome de Deus e oferecendo-Lhe seus labores, para que Ele os abençoe. − João Calvino.[87]
A ingratidão para com Deus é resultado, em parte, de nossa não consideração de seus feitos:[88]
A desconsideração quase universal leva os homens a negligenciarem os louvores a Deus. Por que é que tão cegamente olvidam as operações de sua mão, senão justamente porque nunca dirigem seriamente sua atenção para elas? Precisamos ser despertados para este tema.[89]
Portanto, devemos cultivar o tipo de sensibilidade espiritual que nos faça enxergar com gratidão e louvor os atos de Deus em nossa existência, a fim de não sermos injustos para com Ele:
Quando Deus, em qualquer tempo, nos socorre em nossa adversidade, cometemos injustiça contra seu nome se porventura esquecermos de celebrar nossos livramentos com solenes reconhecimentos.[90]
Deus é o autor de todo bem, segue-se que devemos receber tudo como vindo de sua mão, e com incessante ação de graças. Reconheçamos igualmente que não haverá nenhuma boa maneira de fazer uso dos benefícios que generosa e abundantemente Ele derrama sobre nós, se não Lhe estivermos dando constante louvor, com ações de graças.[91]
A gratidão, portanto, é resultado da compreensão de que tudo que temos, foi criado por Deus a fim de que reconhecêssemos o seu autor, rendendo-lhe, assim, graças. A nossa resposta à graça, deve ser gratidão. Gratidão é graça em resposta às bênçãos de Deus em nossa cotidianidade.
Às vezes pensamos que podemos alcançar facilmente as riquezas e as honras com nossos próprios esforços, ou por meio do favor dos demais; porém, tenhamos sempre presente que estas coisas não são nada em si mesmas, e que não poderemos abrir caminho por nossos próprios meios, a menos que o Senhor queira nos prosperar.[92]
Os recursos de que dispomos devem ser um estímulo a sermos agradecidos a Deus por sua generosa bondade:
À luz desse fato aprendemos, também, que os que são responsáveis pelo presunçoso uso da bondade divina, se aproveitam dela para orgulhar-se da excelência que possuem, como se a possuíssem por sua própria habilidade, ou como se a possuíssem por seu próprio mérito; enquanto sua origem deveria, antes, lembrá-los de que ela tem sido gratuitamente conferida aos que são, ao contrário, criaturas vis e desprezíveis e totalmente indignas de receber algum bem da parte de Deus. Qualquer qualidade estimável, pois, que porventura virmos em nós mesmos, que ela nos estimule a celebrarmos a soberana e imerecida bondade que a Deus aprouve conceder-nos.[93]
B. Usemos deste mundo como se não usássemos dele
Devemos viver neste mundo com moderação, sem colocar o coração nos bens materiais, pois, tais preocupações nos fazem esquecer a vida celestial e de “adornar nossa alma com seus verdadeiros atavios”.[94]
Comentando o Salmo 30.6 – quando Davi reflete a sua momentânea confiança no sucesso adquirido – diz: “Davi reconhece que havia sido justa e merecidamente punido por sua estulta e precipitada confiança, ao esquecer-se de sua mortal e mutável condição de ser humano, e ao pôr demasiadamente seu coração na prosperidade”.[95]
Em outro lugar, fazendo menção da mesma passagem, escreve: “Davi afirma que a prosperidade havia obnubilado de tal forma seus sentidos, que deixou de pôr seus olhos na graça de Deus, da qual deveria depender continuamente. Em vez disso, creu que poderia andar por suas próprias forças e imaginou que não cairia jamais”.[96]
Portanto, devemos usar nossos bens com moderação:
Ainda que a liberdade dos fiéis com respeito às coisas externas não deva ser limitada por regras ou preceitos, sem dúvida deve regular-se pelo princípio de que deve regalar-se o mínimo possível; e, ao contrário, que temos que estar mui atentos para cortar toda superfluidade, toda vã ostentação de abundância – devem estar longe da intemperança! –, e guardar-se diligentemente de converter em impedimentos as coisas que se lhes há dado para que lhes sirvam de ajuda.[97] (Jo 15.19; 17.14; Fp 3.20; Cl 3.1-4; Hb 11.16; 1Jo 2.15).
Quando Deus nos provê diariamente com abundância de vinho, cometemos um sério erro se permitimos que sua benevolência se nos converta em incitamento para a luxúria. Mas será uma indubitável prova de nossa temperança se formos simples e moderados em meio à abundância.[98]
Devido aos nossos desejos incontrolados, devemos rogar a Deus que nos dê moderação, “pois a única forma de agir com moderação própria é quando Deus governa e preside nossos afetos”.[99]
Deus que nos conhece perfeitamente, preventivamente, para que não nos ensoberbeçamos nem sejamos tentados, sufocando a ardor de nosso zelo,[100] equilibra a abundância com a amargura:
Deus modera a doçura da riqueza com amargura; e não permite que a mente de seu servo fique encantada em demasia com isto. E sempre que uma estimativa enganadora de riquezas nos impulsiona a desejá-la imoderadamente, porque nós não percebemos os grandes prejuízos que trazem junto com elas; deixa a lembrança desta história [Abraão e Ló] ajudar a conter tal imoderada fixação. Além disso, tão frequentemente o rico ache qualquer dificuldade que surja da sua riqueza; faz com que aprenda a purificar a sua mente por este medicamento, que eles não podem se tornar excessivamente devotados às coisas boas da presente vida. E verdadeiramente, a menos que o Senhor ocasionalmente ponha rédea nos homens, a que profundidades não cairiam quando abundassem em sua prosperidade? Por outro lado, se nós somos oprimidos com pobreza, faz-nos saber, que, por este método também, Deus corrige os males ocultos de nossa carne. E por fim, permite que aqueles que têm abundância lembrem-se de que estão rodeados de espinhos e tomem muito cuidado para não ser picados.[101]
Em 5 de agosto de 1563, Calvino escreve uma carta à Madame de Coligny, esposa do Almirante Coligny (1519-1572). Em meio a palavras de conforto e estímulo, se reporta às suas próprias enfermidades e aflições, dizendo que elas além de nos humilhar e evidenciar a nossa fraqueza, podem também servir para nos conduzir a colocar nossos olhos na misericórdia de Deus. As aflições também “servem para nós como remédios para nos purificar das infecções mundanas e remover o que é supérfluo em nós, e, como são mensageiras da morte, devemos aprender a ter um pé levantado para partir quando aprouver a Deus”.[102]
Somos peregrinos, estrangeiros e hóspedes neste mundo.[103] Não há destinação mais nobre e sublime. Somos chamados à glória de Cristo. Isso nos basta. Não como prêmio de consolação, mas, porque não temos vocação maior. O Senhor de todas as coisas (Sl 24.1; 1Co 10.26), de toda a realidade visível e invisível, nos destina à glória de seu Filho amado.
C. Suportemos a Pobreza, usemos moderadamente da abundância
Seguindo o que Paulo disse aos Filipenses: “Tanto sei estar humilhado, como também ser honrado…” (Fp 4.12), comenta:
Quem sofre a pobreza com impaciência, mostra o vício contrário na abundância. Quero dizer com isso que quem se envergonha de andar pobremente vestido, se vangloriará de ver-se ricamente ataviado; que quem não se contenta com a mesa frugal, se atormentará com o desejo de outra mais rica e abundante.[104]
O pobre deveria aprender a ser paciente sob as privações, para não se encontrar atormentado com uma excessiva paixão pelas riquezas.[105]
Devemos aprender a superar a pobreza quieta e pacientemente, e desfrutar da abundância com moderação.[106]
Para assegurarmos que a suficiência [divina] nos satisfaça, aprendamos a controlar nossos desejos de modo a não querermos mais do que é necessário para a manutenção de nossa vida.[107]
O nosso desejo incontrolado nos coloca em franca oposição à vontade de Deus: “Todo aquele que se permite desejar mais do que lhe é necessário, francamente se põe em direta oposição a Deus, visto que todas as luxúrias carnais se lhe opõem diretamente”.[108]
A tendência é de nos envaidecermos com a abundância e nos deprimir com a carência. Para muitos de nós, não se ensoberbecer com a riqueza pode ser mais difícil do que não se desesperar com a pobreza.[109] “Aquele que é impaciente sob a privação manifestará vício oposto quando estiver no meio do luxo”.[110]
Paulo sabia, por experiência própria, agir de modo santo em ambas as circunstâncias. Em tudo Paulo era agradecido a Deus (1Ts 5.18), sabendo que em Cristo poderia suportar e vencer qualquer situação.
Calvino observa que temos que usar moderadamente dos recursos que Deus nos deu, para que não caiamos na torpeza do excesso, da vanglória e da arrogância (Rm 13.14):[111]
Os bens terrenos à luz de nossa natural perversidade, tendem a ofuscar nossos olhos e a levar-nos ao esquecimento de Deus, e portanto devemos ponderar, atentando-nos especialmente para esta doutrina: tudo quanto possuímos, por mais que pareça digno da maior estima, não devemos permitir que obscureça o conhecimento do poder e da graça de Deus.[112]
Calvino insiste no ponto de que aqueles que não aprenderem a viver na pobreza, quando ricos, revelarão a sua arrogância e orgulho. O apóstolo Paulo constitui-se num exemplo de simplicidade em qualquer situação (Fp 4.12).
Ele também entende que na pobreza é que tendemos a nos tornar mais humildes e fraternos. Devemos aprender a repartir e, também, a ser assistidos pelos nossos irmãos:
Todas as pessoas desejam possuir o bastante que as poupe de depender do auxílio de seus irmãos. Mas quando ninguém possui o suficiente para suas necessidades pessoais, então surge um vínculo de comunhão e solidariedade, pois que cada um se vê forçado a buscar empréstimo dos outros. Admito, pois, que a comunhão dos santos só é possível quando cada um se vê contente com sua própria medida, e ainda reparte com seus irmãos as dádivas recebidas, e em contrapartida admite ser também assistido pelas dádivas alheias.[113]
Aos pastores e aos crentes em geral, Calvino apresenta uma recomendação:
Os ministros devem viver contentes com uma mesa frugal, e devem evitar o perigo do regalo e do fausto.[114] Assim, até onde suas necessidades o requeiram, que os crentes considerem toda a sua propriedade como à disposição dos piedosos e santos mestres.[115]
D. Somos Administradores dos Bens de Deus
Visto que nosso Pai celestial nos concede todas as coisas por sua livre graça, devemos ser imitadores de sua graciosa benevolência, praticando também atos de bondade em favor de outrem; e em razão de nossos recursos virem dele, não somos mais que despenseiros dos dons de sua graça. – João Calvino.[116]
1) Tudo Pertence a Deus
As Escrituras nos ensinam que todas as coisas nos são dadas pela benignidade de Deus e são destinadas ao nosso bem e proveito. É Deus quem nos dá a semente para semearmos e o pão como alimento. É Ele quem nos concede os meios para nossa subsistência e abençoa o nosso trabalho. (2Co 9.10-11).[117]
Deus nos trata como seus despenseiros. Desse modo, tudo que temos constitui-se em um depósito do que um dia teremos de dar conta. “Temos, pois, de administrá-las como se de contínuo, ressoasse em nossos ouvidos aquela sentença. ‘Dá conta de tua mordomia’ (Lc. 16.2)”.[118]
Deus concede-nos bens para que os gerenciemos. Ele continua sendo o Senhor de tudo:
Quando Deus nos envia riquezas não renuncia a sua titularidade, nem deixa de ter senhorio sobre elas (como o deve ter) por ser o Criador do mundo. (…) E ainda que os homens possuam cada um sua porção segundo Deus os há engrandecido mediante os bens deste mundo, não obstante, ele sempre continuará sendo Senhor e Dono de tudo.[119]
Portanto,
O uso legítimo de todas as graças consiste em compartilhar liberal e generosamente com os outros. Nenhuma regra mais certa, nenhuma exortação mais sólida para mantê-la, se podia cogitar do que onde somos ensinados que todos os dotes de que somos possuidores são dádivas de Deus, creditadas à nossa confiança com esta condição: que sejam administradas em benefício do próximo [1Pe 4.10].[120]
2) O Sentido da Riqueza
Os crentes gozam de genuína riqueza quando confiam na providência divina que os mantém com suficiência e não se desvanecem em fazer o bem por falta de fé. (…) Ninguém é mais frustrado ou carente do que aquele que vive sem fé, cuja preocupação com suas posses dilui toda a sua paz. – João Calvino.[121]
Para Calvino, a riqueza residia em não desejar mais do que se tem, e a pobreza, o oposto.[122] Por sua vez, também entendia, que a prosperidade poderia ser uma armadilha para a nossa vida espiritual: “Nossa prosperidade é semelhante à embriaguez que adormece as almas”.[123] Elas, ilusoriamente, fazem com que “nos lisonjeemos” e, assim, nos impedem de ouvir a Deus.[124] Em outro lugar: “Aqueles que se aferram à aquisição de dinheiro e que usam a piedade para granjearem lucros, tornam-se culpados de sacrilégio.[125]
Calvino elogia a prontidão de Abraão em atender ao chamado de Deus. Destaca o seu desapego às suas riquezas e, ao mesmo tempo, combate a injustificada apologia à pobreza feita por alguns:
Sabemos o quanto a posse de moderada riqueza impede muitos de erguerem sua cabeça para o céu, enquanto os que realmente possuem abundância, não só se mostram apáticos na indolência, mas também estão completamente presos às coisas terrenas. (…)
Por isso mesmo, os ricos não têm nenhuma desculpa, caso se tornem tão arraigados à terra, que não atendam ao chamado de Deus.
Entretanto, aqui se deve guardar de dois extremos. Muitos põem na pobreza a perfeição angelical, como se fosse impossível praticar a piedade e servir a Deus, a menos que as riquezas sejam lançadas fora. (…)
Devemos precaver-nos do mal oposto, para que as riquezas não sejam uma pedra de tropeço em nosso caminho, ou nos sobrecarreguem tanto, que percamos a mínima prontidão de avançar rumo ao reino do céu.[126]
Para o nosso bem, o Senhor nos ensina por meio de várias lições a vaidade dessa existência, já que a prosperidade, por vezes, nos conduz à indolência e arrogância.[127]
Portanto, os servos de Deus não podem ser reconhecidos simplesmente pela sua riqueza. A nossa suficiência está em Deus, aquele que soberanamente nos abençoa.[128] Assim, “… É uma tentação muito grave, ou seja, avaliar alguém o amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que ele alcança”.[129]
Esclarecendo uma interpretação errada de Eclesiastes 9.1,[130] afirma:
Se alguém quiser julgar pelas coisas presentes quem Deus ama e quem Deus odeia, trabalhará em vão, visto que a prosperidade e a adversidade são comuns ao justo e ao ímpio, ao que serve a Deus e ao que Lhe é indiferente. De onde se infere que nem sempre Deus declara amor aos que Ele faz prosperar temporalmente, como tampouco declara ódio aos que Ele aflige.[131]
Comentando o Salmo 62.10, diz:
Pôr o coração nas riquezas significa mais que simplesmente cobiçar a posse delas. Implica ser arrebatado por elas a nutrir uma falsa confiança. (…) É invariavelmente observado que a prosperidade e a abundância engendram um espírito altivo, levando prontamente os homens a nutrirem presunção em seu procedimento diante de Deus, e a se precipitarem em lançar injúria contra seus semelhantes. Mas, na verdade o pior efeito a ser temido de um espírito cego e desgovernado desse gênero é que, na intoxicação da grandeza externa, somos levados a ignorar quão frágeis somos, e quão soberba e insolentemente nos exaltamos contra Deus.[132]
Ele considera a cobiça de dinheiro uma “praga” que, conforme nos ensina Paulo (1Tm 6.10), traz muitos males: “Os que sofrem dessa praga gradualmente se degeneram até que renunciam completamente a fé”.[133]
Contrário a isso, devemos em todas as coisas ser gratos a Deus, quem nos confere tudo o que temos, usando com prudência dos bens que ele nos concede para o seu serviço. “Quanto mais liberalmente Deus trate alguém, mais prudentemente deve ele vigiar para não ser preso em tais malhas”.[134]
Não podemos confiar nas riquezas mas, em Deus que, se lhe aprouver, nos concede tais bens. Quando não percebemos isso, cometemos tremendo equívoco, atribuindo aos bens passageiros, o que pertence apenas a Deus:
É unicamente Deus quem provê todas as coisas para os propósitos necessários de nossa vida, e quando depositamos nossa confiança nas riquezas, na verdade estamos transferindo para elas as prerrogativas que pertencem exclusivamente a Deus. Note-se o contraste implícito ao dizer que Deus distribui literalmente com todos. O significado é o seguinte: mesmo que possuamos plena e rica abundância de todas as coisas, na verdade tudo quanto possuímos procede da mercê divina. É tão-somente sua generosidade que nos supre de tudo quanto carecemos. Segue-se que é um terrível equívoco confiar nas riquezas e não depender completamente da mercê divina, na qual há para nós suficiência, alimento e tudo mais. Portanto, concluímos que somos proibidos de confiar nas riquezas, não apenas com base no fato de que pertençam só a esta vida mortal, mas também porque não passam de fumaça. Nossa nutrição não procede apenas do pão [material], mas de toda a munificência divina [Dt 8.3].[135]
Do mesmo modo, as aflições não devem ser vistas de forma mística e supersticiosa:
É certamente um erro muitíssimo comum entre os homens olharem eles para os que se acham oprimidos com angústias como se fossem condenados e réprobos. Visto que, de um lado, a maioria dos homens, julgando o favor divino pelo prisma de um estado incerto e transitório de prosperidade, aplaudem os ricos e aqueles para quem, como dizem, a fortuna sorri. E então, de outro lado, agem com desprezo em relação aos que enfrentam infortúnio e miséria, e estultamente imaginam que Deus os odeia por não exercer sobeja clemência para com eles como o faz em favor dos réprobos. O erro do qual falamos, consiste em que a atitude de se julgar injusta e impiamente é algo que tem prevalecido em todas as eras do mundo. As Escrituras em muitas passagens clara e distintamente afirmam que Deus, por várias razões, prova os fiéis com adversidades, numa ocasião para exercitá-los à paciência, e noutra para subjugar as inclinações pecaminosas da carne, e ainda noutra para purificá-los dos resíduos que restam das paixões da carne, os quais ainda persistem neles. Às vezes para humilhá-los, às vezes para fazer deles um exemplo para outros, e, ainda, outras vezes para instigá-los à contemplação da vida celestial.[136]
Isso por que,
Riquezas e outros confortos mundanos devem ser vistos como que propiciando alguma experiência do favor e benevolência divinos, mas não se deduz daí que os pobres sejam objetos do desprazer divino. Ter um corpo saudável e boa saúde são bênçãos de Deus, porém não devemos conceber que isso constitua prova de que a fraqueza e a enfermidade devam ser consideradas com desaprovação.[137]
Quanto ao dinheiro, como tudo que temos provém de Deus, “o dinheiro em minha mão é tido como meu credor, sendo eu, como de fato sou, seu devedor”.[138]
Somos sempre e integralmente dependentes de Deus: “Um verdadeiro cristão não deverá atribuir nenhuma prosperidade à sua própria diligência, trabalho ou boa sorte, mas antes ter sempre presente que Deus é quem prospera e abençoa”.[139]
Aquele mesmo Jesus que em sua vida terrena viveu de forma sóbria e modesta, combatendo todo excesso, soberba, ostentação e vaidade, é quem nos pedirá conta do que fizemos e como utilizamos os recursos que Ele nos concedeu.
Portanto, ao fazer o bem a nossos irmãos e mostrar-nos humanitários, tenhamos em mente esta regra: que de tudo quanto o Senhor nos tem dado, com o que podemos ajudar a nossos irmãos, somos despenseiros; que estamos obrigados a dar conta de como o temos realizado; que não há outra maneira de despensar devidamente o que Deus pôs em nossas mãos, que ater-se à regra da caridade. Daí resultará que não somente juntaremos ao cuidado de nossa própria utilidade a diligência em fazer bem ao nosso próximo, senão que incluso, subordinaremos nosso proveito aos demais.[140]
3) A Justa Graça de compartilhar com alegria
Notemos bem como podemos ser sempre liberais mesmo quando mergulhados na mais terrível pobreza, se suprimos as deficiências de nossas bolsas pela generosidade de nossos corações. – João Calvino.[141]
A grandeza de nosso trabalho não está simplesmente no que fazemos, mas como e com qual objetivo o fazemos. É agradável a Deus que por meio de nosso trabalho (uso de nossos dons), a sociedade seja beneficiada.[142]
Calvino entende que o ato de repartir o que temos consiste em uma prática de justiça relacionada ao propósito de nossa existência:
Assim como não nascemos unicamente para nós mesmos, também o cristão não deve viver unicamente para si mesmo, nem usar o que possui somente para os seus propósitos particulares ou pessoais. (…)
Já que dar assistência às necessidades de nosso próximo é uma parte da justiça – e de forma alguma é a menor parte –, os que negligenciam esta parte de seu dever devem ser tidos na conta de injustos.[143]
A nossa “riqueza”, ou seja, suficiência, como resultado da bondade de Deus, tem um sentido social:
O Senhor administra em nosso favor tanto quanto nos é proveitoso, às vezes, mais e às vezes, menos, mas sempre na medida em que ficamos satisfeitos e que vale muito mais do que ter o mundo inteiro e sermos consumidos. Dentro desta suficiência devemos ser ricos para o bem de outrem. Porque Deus não nos faz o bem com o fim de cada um de nós guardar para si mesmo o que recebe, mas para que haja mútua participação entre nós, de acordo com os reclamos das necessidades.[144]
A ajuda aos nossos irmãos só se torna possível quando nos despimos da primazia de nossos interesses pessoais, quando renunciamos ao nosso direito em prol do outro.[145]
Que esta, pois, seja a regra para a benevolência e beneficência em nós: tudo quanto Deus nos dispensou com que possamos assistir o próximo, somos disso mordomos, mordomos que estão obrigados a prestar conta de nossa mordomia. Essa, afinal, é sobretudo a mordomia correta: a que se amolda à norma do amor. Assim acontecerá que não somente uniremos o zelo pelo proveito do próximo com a preocupação de nosso próprio benefício, mas até faremos com que nosso benefício seja subordinado ao proveito alheio.[146]
Ajudar aos necessitados deve ser entendido não como a perda de algum bem, antes, como um privilégio que é-nos concedido pela graça de Deus que nos capacita a sermos generosos e a suportar com paciência as tribulações.
Os membros de Cristo têm o dever de ministrar uns aos outros, de modo que, quando nos dispomos a socorrer nossos irmãos, não fazemos mais do que desempenhar o ministério que é também dever deles. Por outro lado, negligenciar os santos, quando necessitam de nosso socorro, é algo mais do que apenas ausência de bondade; é usurpá-los daquilo que lhes é devido.[147]
Em outro lugar:
Ainda que seja universalmente consensual que é uma virtude louvável prestar ajuda ao necessitado, todavia nem todos os homens consideram o dar como sendo uma vantagem, nem tampouco o atribuem à graça de Deus. Ao contrário disso, acreditam que alguma coisa sua, ao ser doada, perdeu-se.[148] No entanto, Paulo declara que quando prestamos auxílio aos nossos irmãos, devemos atribuí-lo à graça de Deus, e devemos considerá-lo um extraordinário privilégio a ser ardorosamente buscado. (…) Os homens rapidamente fracassam quando não são sustentados pelo Espírito do Senhor, que é o Autor de toda consolação, e uma inveterada carência de fé confiante nos permeia e nos mantém afastados de todos os deveres de amor até que superemos tudo isso pela graça do mesmo Espírito.[149]
Pregando em 30 de outubro de 1555, disse: “Deus mescla rico e pobre de um modo que eles podem se reunir e manter comunhão um com o outro, de maneira que o pobre recebe e o rico dá”.[150]
No entanto, essa ajuda não poderá ser com arrogância, antes deve ser praticada com amor, prontidão, humildade, cortesia, simpatia e alegria. Aliás, somente assim, as nossas esmolas se constituem em sacrifício agradável a Deus:
A esmola é um sacrifício agradável a Deus. Pois quando diz que Deus ama ao doador contente, ele deduz o contrário, ou seja: que Deus rejeita o constrangimento e a coerção. Não é sua vontade dominar-nos como tirano; Ele nos revela como Pai, portanto requer de nós a espontânea obediência de filhos.[151]
Todavia, Calvino constata com tristeza:
Quase ninguém é capaz de dar uma miserável esmola sem uma atitude de arrogância ou desdém. (…) Ao praticar uma caridade, os cristãos deveriam ter mais do que um rosto sorridente, uma expressão amável, uma linguagem educada.
Em primeiro lugar, deveriam se colocar no lugar daquela pessoa que necessita de ajuda, e simpatizarem-se com ela como se fossem eles mesmos que estivessem sofrendo. Seu dever é mostrar uma verdadeira humanidade e misericórdia, oferecendo sua ajuda com espontaneidade e rapidez como se fosse para si mesmos.
A piedade que surge do coração fará com que se desvaneça a arrogância e o orgulho, e nos prevenirá de termos uma atitude de reprovação ou desdém para com o pobre e o necessitado.[152]
Em nossa beneficência, nada devemos esperar em troca, ainda que esta seja uma prática comum. Aliás, “Cristo realmente nos adverte para algum propósito que é oportuno, quando estivermos dando esmolas, ou, seja, que a mão esquerda não saiba o que a direita está fazendo [Mt 6.3]”.[153]
Comentando o Salmo 68 enfatiza que o Deus da glória é também o Deus misericordioso. Em seguida, observa a atitude pecaminosa comum aos homens: “Geralmente distribuímos nossas atenções onde esperamos nos sejam elas retribuídas. Damos preferência a posição e esplendor, e desprezamos ou negligenciamos os pobres”.[154]
E quanto à ingratidão tão comum ao gênero humano? Bem, em nossa ajuda aos nossos irmãos não devemos nos preocupar com isso, visto que “ainda que os homens sejam ingratos, de modo que pareça termos perdido o que lhes damos, devemos perseverar em fazer o bem”.[155] E mais: “… não dependemos da gratidão humana, e, sim, de Deus que se coloca no lugar do pobre como devedor, para que um dia venha restituir-nos cheio de solicitude, tudo quanto distribuímos…”.[156]
4) O Valor de cada um
As pessoas devem ser avaliadas não pelo seu dinheiro, mas por sua piedade e temor a Deus. Os piedosos aprendem a reverenciar e a imitar os genuínos servos de Deus:
Aprendamos, pois, a não avaliar uma pessoa pelo prisma de seu estado ou seu dinheiro, nem pelo prisma de suas honras transitórias, mas avaliá-la pelo prisma de sua piedade ou de seu temor a Deus. E certamente que ninguém jamais aplicará verdadeiramente seu intelecto ao estudo da piedade que, ao mesmo tempo, também não reverencie os servos de Deus; da mesma forma, por outro lado, o amor que nutrimos por eles nos incita a imitá-los em sua santidade de vida.[157]
E. Socorro e Oração
Da Oração do Senhor, Calvino extrai o princípio de que devemos nos preocupar com todos os necessitados. Contudo sabendo da impossibilidade de conhecermos a todos e de termos recursos para ajudar a todos os que conhecemos, orienta-nos que a ajuda não exclui a oração nem esta àquela. Assim, devemos orar por todos:
O mandamento de Deus que nos compele a socorrer a indigência dos pobres é mandamento geral. E, todavia, os que obedecem a esse mandamento e com este fim fazem misericórdia estendendo seus bens a todos os que eles veem ou sabem que têm necessidade, não obstante não dão ajuda a todos os que têm igual necessidade, ou por não poderem conhecê-los a todos, ou porque não têm meios suficientes para supri-los. De igual modo, não contrariam a vontade de Deus aqueles que, considerando e tendo em mente a sociedade comum da igreja, a comunidade cristã, fazem uso das orações particulares por meio das quais, com palavras particulares, mas com espírito amplo e afeto comum, encomendam a Deus a si mesmos ou outros, cuja necessidade Ele lhes quis dar a conhecer mais de perto. Se bem que nem tudo que diz respeito à oração é semelhante a fazer caridade. Porque não podemos socorrer com os nossos bens senão aqueles cuja pobreza conhecemos, mas podemos e devemos ajudar pela oração mesmo aqueles dos quais não temos conhecimento, e que estão distantes de nós por qualquer distância que haja no tempo ou no espaço. Isso se faz por causa da amplitude geral das orações, amplitude que abrange todos os filhos de Deus, no número dos quais eles também estão incluídos.[158]
F. Uma Advertência geral
Comentando o 9º Mandamento, “Não furtarás”, Calvino admite que “há muitas espécies de ladrões”; contudo não quer se deter em demasia “fazendo listas das diferentes classes de furtos e roubos”. Resume, então:
Todos os meios utilizados pelos homens para enriquecimento com prejuízo de outros, afastando-se da sinceridade cristã, que deve ser mantida com carinho, e agindo com fingimento e astúcia, enganando e prejudicando o próximo – os que assim procedem devem ser considerados ladrões. Embora os que agem desse modo muitas vezes ganhem na defesa da sua causa diante do juiz, Deus não os considerará como outra coisa senão ladrões. Porque ele vê as armadilhas que pessoas da alta sociedade de longe armam para pegar gente simples em suas redes; Ele vê os pesados impostos e taxas que os grandes da terra impõem aos pequenos, para oprimi-los; Ele vê como são venenosas as lisonjas utilizadas por aqueles que querem destruir o próximo por meio de mentiras e outras formas de falsidade. Essas coisas geralmente não chegam ao conhecimento dos homens.
Além disso, transgressão deste mandamento não é só prejudicar alguém quanto a dinheiro, comércio ou direito de propriedade, mas também quanto ao não atendimento a qualquer dever nosso e a qualquer direito do próximo. Porque tanto defraudamos o nosso próximo usurpando os seus bens como lhe negando os serviços que lhe devemos prestar. Assim, se um procurador ou mordomo ou administrador, em vez de zelar dos bens entregues aos seus cuidados, viver na ociosidade, sem se preocupar com o seu dever de procurar o bem daquele que lhe dá o sustento; se desperdiçar ou empregar mal o que lhe foi confiado, ou o gastar em coisas supérfluas; se o empregado zombar do seu chefe ou patrão, se divulgar os seus segredos, ou se planejar algo contra os bens dele ou contra a sua reputação ou contra a sua vida [Rm 13;1Pe 2; Tt 3]; se, por outro lado, o chefe ou patrão ou pai tratar desumanamente os seus subordinados ou a sua família, para Deus é um ladrão. Porque, aquele que não pratica o que a sua vocação o manda fazer pelos outros, com isso retém o que pertence a outros.[159]
Em 1562, escreve esta oração para ser feita antes do trabalho:
Nosso bom Deus, Pai e salvador, uma vez que a ti te aprouve ordenar que trabalhemos para podermos atender à nossa indigência, por tua graça, de tal modo abençoa nosso labor que tua bênção estenda até nós, sem o que ninguém poderá prosperar no bem, e que tal favor nos sirva para testemunho de sua bondade e assistência mercê da qual reconheçamos o paternal cuidado que tens de nós. Ademais, Senhor, que te apraza assistir-nos por teu Santo Espírito, para que possamos exercer fielmente nossos múnus e vocação sem qualquer dolo ou engano, pelo contrário, que tenhamos antes o propósito de seguir tua injunção que satisfazer o desejo de enriquecer-nos; que se, não obstante, a ti te apraz prosperar nosso labor, que também nos dês a disposição de proporcionar a assistência àqueles que estão na indigência, segundo os recursos que nos houveres dado, retendo-nos em toda humildade, a fim de que nos não elevemos acima daqueles que não hajam recebidos tal abundância da tua dadivosidade. Ou, se nos queres tratar em maior pobreza e indigência do que desejaria nossa carne, que te apraza fazer-nos a graça de acrescentar fé em tuas promessas, para fazer-nos seguros de que nos haverás de, por tua bondade, prover-nos sempre o sustento, de sorte que não caiamos na desconfiança; antes, pelo contrário, esperemos pacientemente que nos cumules não somente de tuas graças temporais, mas também de suas graças espirituais, para que tenhamos sempre mais amplo motivo e ocasião de render-te graças e descansar inteiramente em tua só bondade. Ouve-nos, Pai de misericórdia, por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor.[160]
Considerações finais
A obra de Cristo é o que torna possível os pecadores viverem doxologicamente e trabalharem em obediência a Deus. – Ray Pennings.[161]
Vemos que o Protestantismo, com os seus princípios econômicos, com a sua ênfase no livre exame das Escrituras, na salvação pessoal, na responsabilidade de cada homem diante de Deus e no seu propósito de glorificar a Deus também por meio de seu trabalho, contribuiu na esteira renascentista – com algumas semelhanças e ainda maiores diferenças – para a maturidade do homem moderno, enfatizando a responsabilidade individual perante Deus, sem excluir, contudo, o aspecto comunitário da vida cristã e a relevância da sociabilidade entre os fiéis.
Protestantismo e fé operante
Onde quer que o Protestantismo fincasse suas raízes, a sua influência se tornaria notória como uma força modeladora da cultura, não apenas da vida religiosa.[162] Lembremo-nos de que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra Protestante e, de que F.W. Taylor (1856-1915), conhecido como “Pai da administração científica” e “Fundador da administração científica”, era protestante[163] e norte-americano.[164]
Trabalho e Glória de Deus
Max Weber (1864-1920), ao analisar o progresso econômico protestante, não conseguiu captar adequadamente este aspecto fundamental no protestantismo, que enfatiza o trabalho, não simplesmente pelo dever ou vocação, conforme Weber entendeu, mas para a glória de Deus. Este é o fator preponderante que escapou à sua compreensão.[165]
Precisamos aqui enfatizar alguns pontos já vistos.
As Escrituras nos ensinam que Deus nos criou para o trabalho a fim de darmos continuidade à sua atuação na Criação (Gn 2.8,15). O trabalho, portanto, dentro do ciclo da Criação e da vida, faz parte do propósito de Deus para o ser humano, sendo objeto de satisfação humana: “Em vindo o sol, (…) sai o homem para o seu trabalho, e para o seu encargo até à tarde” (Sl 104.22-23).
Na concepção cristã, o trabalho dignifica o homem, devendo o cristão estar motivado a despeito do seu baixo salário, ou do reconhecimento humano, embora as Escrituras também observem que o trabalhador é digno do seu salário (Lc 10.7).
Seu trabalho deve ser entendido como uma prenda feita a Deus, independentemente dos senhores terrenos. Desse modo, o que de fato importa, não é o trabalho em si, mas o espírito com o qual ele é feito. A dignidade deve permear todas as nossas obras, visto que as realizamos para o Senhor e pela capacitação do Senhor: “Ao executarem o que Deus lhes determinou, os homens devem começar sempre com oração, invocando o nome de Deus e oferecendo-lhe seus labores, para que ele os abençoe”, instrui-nos Calvino.[166] A forma como realizamos nosso trabalho revela a nossa percepção de Deus e de sua Criação.
A prestação de contas de nosso trabalho deverá ser feita a Deus. É Ele com o seu escrutínio perfeito e eterno quem julgará as obras de nossas mãos; por isso a recomendação do apóstolo Paulo:
E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus (…). Servos, obedecei em tudo aos vossos senhores segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-só agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor. Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo; pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas. Senhores, tratai aos servos com justiça e com equidade, certos de que também vós tendes Senhor no céu. (Cl 3.17,22-4.1)(Veja-se: Ef 6.5-9).
Assim, não há desculpas para a fuga do trabalho, mesmo em nome de um motivo supostamente religioso (1Ts 4.9-12/Ef 4.28; 1Tm 5.11-13).
Um comentarista bíblico resume bem o espírito cristão do trabalho, afirmando: “O trabalhador deve fazê-lo como se fosse para Cristo. Nós não trabalhamos pelo pagamento, nem por ambição, nem para satisfazer a um amo terreno. Trabalhamos de tal maneira que possamos tomar cada trabalho e oferecê-lo a Cristo”.[167] (Veja-se: 1Tm 6.1-2).
Trabalho compartilhado
Como vimos, desde à Criação o homem foi colocado numa posição acima das outras criaturas, cabendo-lhe o domínio sobre os outros seres criados, sendo abençoado por Deus com a capacidade de procriar-se (Gn 1.22)[168] e dispondo de grande parte da criação para o seu alimento (Gn 1.26-30; 2.9).
Conforme já dissemos, como sinal indicativo da posição elevada em que o homem foi colocado, o Criador compartilha com ele do poder de nomear os animais, e também de dar nome à sua mulher (Gn 2.19,20,23; 3.20). E mais: Deus delega-lhe poderes para cultivar e guardar o jardim do Éden (Gn 2.15), demonstrando a sua relação de domínio sobre a natureza. No entanto, todas estas atividades envolvem o trabalho compartilhado por Deus com o ser humano. O nomear, procriar, dominar, guardar e cultivar refletem a graça providente e capacitante de Deus.
O homem é um ser que trabalha. A sua mão é uma arma “politécnica”, instrumento exclusivo e incomparável de construção, reconstrução e transformação.[169] É por meio de nossas mãos que exteriorizamos o nosso ser.[170] Faz parte da essência do homem trabalhar. O trabalho é algo bom em si mesmo, não, simplesmente, pelo que ele proporciona.[171] O homem é um artífice que constrói, transforma, modifica. A sua vida é um eterno devir, que se realiza no fazer como expressão do seu ser orientado e direcionando para valores que acredita serem relevantes.
Logo, o trabalho deve ter sempre um sentido axiológico.[172] O ser como não pode se limitar ao simples fazer, está sempre à procura de novas criações que envolvem trabalho. No trabalho, o homem concretiza a sua liberdade de ser. Acontece que se o homem é o que é, o seu trabalho revela parte da sua essência como imagem de Deus.
A “originalidade” do seu trabalho será uma decorrência natural da sua autenticidade.[173] O homem autentica-se no seu ato construtivo, ainda que este seja por vezes, resultado de suas tensões.[174] Por isso, nunca poderemos ter como meta da sociedade, a ausência do trabalho.
O trabalho não é resultado do pecado. O homem foi criado para o trabalho, não para permanecer na inatividade e indolência.[175] Por isso, aposentar-me de um determinado trabalho não significa abandonar a condição de “ser” que trabalha.[176] No trabalho nós expressamos e aperfeiçoamos a nossa humanidade, cumprindo a nossa vocação.[177] Deixar de trabalhar significa deixar de utilizar parte da sua potência, equivale a deixar parcialmente de ser homem, em outras palavras, seria uma desumanidade.
Secularização do conceito protestante
Lamentavelmente, o conceito Protestante do trabalho, no pensamento moderno, foi secularizado, abandonando aos poucos a concepção religiosa que lhe dera suporte, tornando-se agora apenas uma questão de racionalidade, não necessariamente de “vocação” ou de “glorificação a Deus”. Perdeu-se a “infraestrutura”, ficou-se apenas com a “superestrutura”.[178]
Delumeau (1923-2020) resume com pertinência: “Na verdade, o Protestantismo não engendrou em seus fiéis a mentalidade capitalista a não ser na medida em que perdeu seu tônus religioso e se tornou infiel a Calvino”.[179]
Precisamos resgatar o conceito bíblico do trabalho revivido pelos Reformadores. No trabalho expressamos a nossa vocação que consiste em glorificar a Deus em tudo que fazemos.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] Henry H. Meeter, La Iglesia y el Estado, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: TELL., [s.d.], p. 78.
[2] B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999, p. 11.
[3] Padre Antonio Vieira, Sermão da Primeira Dominga de Quaresma (Pregado na Cidade de São Luís do Maranhão no ano de 1653). In: Sermões, Porto: Lello & Irmão, Editores, 1945, v. 3, iv, p. 18 e v, p. 22.
[4]Cf. D.A. Carson, Jesus, o Filho de Deus: O título cristológico muitas vezes negligenciado, às vezes mal compreendido e atualmente questionado, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 67-68.
[5] Veja-se: Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 115-117.
[6] “Embora aos homens seja de natureza infundido o poder de procriar, Deus quer, entretanto, que seja reconhecido a Sua graça especial que a uns deixa sem progênie, a outros agracia com descendência, pois que dádiva Sua é o fruto do ventre” (Sl 127.3) (João Calvino, As Institutas, I.16.7).
[7]Cf. Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 18.
[8] Veja-se: Confissão de Westminster, IX.1-2.
[9]Veja-se: John W. R. Stott, O Discípulo Radical, Viçosa, MG.: Ultimato, 2011, p. 45.
[10] Veja-se: Gerard Van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 86-87, especialmente a nota 47.
[11] “O nome da máquina [tripalium) de três pés destinada a ferrar os animais indóceis, tornada a maneira corrente de designar um instrumento de tortura” (Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 65).
[12]Cf. Suzana Albornoz, O Que é Trabalho, 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004 (6. reimpressão), p. 10.
[13]Cf. Trabalho: In: José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa: Confluência, 1956, 2, p. 2098; Trabalhar: In: Aurélio B.H. Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1695; Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 779; Trabajar: In: J. Corominas; J.A. Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, Madrid: Editorial Gredos, 1983, v. 5, p. 571-572; Trabalho: In: Antonio Houaiss, ed. Enciclopédia Mirador Internacional, São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1987, v. 19, p. 10963-10964; Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP.; São Paulo, SP.: Editora da Universidade Sagrado Coração; Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 2, [p. 559-572], p. 559-560.
[14]Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, v. 2, p. 560. Do mesmo modo: Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 66.
[15]Cf. Paul Schrecker, Work and History, Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1948, p. 12-18. Veja-se também: Trabalho: In: José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, São Paulo: Loyola, 2001, v. 4, p. 2900-2903.
[16]Frase que está em seu poema, O casamento de Rutebeuf. (http://www.verse.fr/show.php?table=poems&id=1466) (Consultado em 30.04.2025). Veja-se: Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP.; São Paulo, SP.: Editora da Universidade Sagrado Coração; Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 2, [p. 559-572], p. 570.
[17] Cf. Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, v. 2, p. 566; Jacques Le Goff, Para um Novo Conceito de Idade Média, Lisboa: Editorial Estampa, 1980, p. 88ss. Na Antiguidade, “O exercício das habilidades manuais é socialmente depreciado: elas arruínam a alma e o corpo e aviltam aqueles que a elas se dedicam” (Catherine Larrère, Trabalho: In: Monique Canto-Sperber, org. Dicionário de Ética e Filosofia Moral, São Leopoldo, RS.: Editora Unisinos, 2003, v. 2, [p. 717-723], p. 718).
[18]banausi/a, está associada à “vida e hábitos de um mecânico” (ba/nausoj); metaforicamente é aplicada à “mau gosto” e “vulgaridade”. (Veja-se: Liddell & Scott, Greek-English Lexicon, Oxford: Clarendon Press, 1935, p. 128b). Ver por exemplo: Aristóteles, A Política, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, [s.d.], V.2.1-6. p. 141-143.
[19] “A Escolástica (contribuiu) para despojar de todo prestígio e de todo valor espiritual as atividades profissionais pela precedência que dava à contemplação sobre a ação” (André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 539).
[20]Nancy R. Pearcey; Charles B. Thaxton, A Alma da Ciência, São Paulo: Cultura Cristã, 2005, p. 22.
[21]Veja-se: Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo: Pioneira, 1967, p. 52ss. Havia na realidade opiniões divergentes entre as ordens eclesiásticas a respeito do valor do trabalho manual. (Ver: Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, v. 2, p. 568-570).
[22] Cf. Leland Ryken, Redeeming the Time: A Christian Approach to Work and Leisure, Grand Rapids, MI.: Baker Books, 1995, p. 75. Veja-se também: Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP.; São Paulo, SP.: Editora da Universidade Sagrado Coração; Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 2, p. 570.
[23]H. Pirenne, História Econômica e Social da Idade Média, 6. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 19.
[24]“A partir do século VIII, os termos originários da palavra labor, como labores, que designam mais os frutos do trabalho do que castigo, são os signos tangíveis de uma valorização do trabalho agrícola e rural” (Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 66).
[25] Ver: Jacques Le Goff, Trabalho: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, v. 2, p. 568-569; José Ferrater Mora, Trabalho: In: Dicionário de Filosofia, São Paulo: Loyola, 2001, v. 4, p. 2901b; Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 66-67.
[26] Jacques Le Goff, O Homem Medieval: In: Jacques Le Goff, dir. O Homem Medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, [p. 9-30], p. 29. Do mesmo modo: R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 72. Walzer escreveu: “Cria-se que esta hierarquia social não só se refletia no corpo humano, como também no cosmos, no universo de Deus: assim como a cabeça governa o corpo ‒ argumentavam os escritores medievais ‒, Deus governa o mundo, e o rei governa a organização política; assim como os anjos estão abaixo de Deus em nove gamas e ordens, as partes nobres do corpo político estão abaixo do rei, e os sacerdotes do corpo de Cristo, abaixo de Cristo. A desigualdade, portanto, defendia os padrões estabelecidos de obediência e deferência que faziam a atividade política independente tão difícil na prática como inconcebível na teoria” (Michael Walzer, La revolución de los santos: Estudio sobre los orígenes de la política radical, Buenos Aires: Katz Editores, 2008, p. 21).
[27] Cf. Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 66.
[28]Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, p. 64-65.
[29]Jacques Le Goff; Nicolas Truong, Uma História do Corpo na Idade Média, p. 65.
[30] André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 118. Veja-se: Jacques Le Goff, Mercadores e Banqueiros da Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1991, passim.
[31] Jacques Verger, Universidade: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, v. 2, [p. 573-588], p. 574.
[32]Martin Luther, Psalm 147: In: Jaroslav Pelican, ed., Luther’s Works, St. Louis: Concordia Publishing House, 1958, v. 14, p. 114.
Apud Gene Edward Veith, Jr., Deus em Ação, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 117.
[33] Apud Leland Ryken, Santos no Mundo, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1992, p. 40. Citado também em: Leland Ryken, Redeeming the Time: A Christian Approach to Work and Leisure, Grand Rapids, MI.: Baker Books, 1995, p. 104. O erudito missionário Francisco L. Schalkwijk, escreveu com propriedade: “Que bênção: lavar louça ou fazer continhas, lavrar a terra ou servir como deputado, tudo para a glória de Deus! Foi a Reforma que colocou novamente todas as atividades humanas nesse plano elevado, redescobrindo esse ensino bíblico” (Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 166).
[34]D.A. Carson: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 87.
[35] “38 Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa.39 Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. 40 Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. 41 Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. 42 Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10.38-42).
[36] Cf. Ulrich H. J. Körtner, Calvinisme et Capitalisme: In: Martin E. Hirzel; Martin Sallmann, eds., Calvin et le Calvinisme, Genève: Labor et Fides, 2008, p. 252.
[37]André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 538-539.
[38]John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 1, (Gn 2.15), p. 125.
[39] Arvus significa “arável”. Arvum significa “terra lavrada”, “campo”, “terreno”
[40]Vejam-se, Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, p. 52 (e notas correspondentes); André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 628; Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1989, p. 114; Alain Peyrefitte, A Sociedade de Confiança: Ensaio sobre as origens e a natureza do desenvolvimento, Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 344ss.
[41] João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 77. Contudo: “Como há muitas ocupações que pouco valem para socorrer os homens em seus deleites lícitos, o apóstolo recomenda-lhes que escolham aquelas que tragam benefício a si e a seu próximo. Nem precisamos admirar-nos disso, pois se aquelas classes voluptuosas de ocupações que só podem trazer corrupção eram denunciadas pelos pagãos, dentre eles Cícero, como sendo em extremo vergonhosas, um apóstolo de Cristo as incluiria para que figurassem entre as ocupações lícitas recomendas por Deus” (João Calvino, Efésios, (Ef 4.28), p. 146).
[42] John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Matthew, Mark, and Luke, Grand Rapids, Michigan: Baker, (Calvin’s Commentaries, v. 16/2), 1981, (Lc 10.38), p. 142,143.
[43] João Calvino, Efésios, (Ef 4.28), p. 146.
[44]John Calvin, Commentaries on the Second Epistle to the Thessalonians, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. 21), 1996 (reprinted), (2Ts 3.10), p. 355.
[45]John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 1, (Gn 2.15), p. 125.
[46] “A aspereza desta pena é ainda atenuada pela clemência de Deus, de sorte que por entre os labores dos homens há certa alegria misturada, para que não sejam de todo ingratos….” (John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 1, (Gn 3.17), p. 174).
[47]John Calvin, Commentaries on the Second Epistle to the Thessalonians, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. XXI), 1996 (reprinted), (2Ts 3.10), p. 355.
[48] John Calvin, Sermons on The Epistle to the Ephesians, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust 1998 (Reprinted), Sermon 31, Ef 4.26-28, [p. 447-460], p. 458.
[49] John Calvin, Sermons on The Epistle to the Ephesians, Sermon 31, Ef 4.26-28, [p. 447-460], p. 457.
[50]‘Cf. John Calvin, Commentaries on The Four Last Books of Moses, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 3, (Êx 20.15), p. 110-111. Vejam-se também: John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker, 1981 (Reprinted), (v. 12/1), (Ez 18.5-9), p. 219-228; John Calvin, Sermons on The Epistle to the Ephesians, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust 1998 (Reprinted), Sermon 31, Ef 4.26-28, [p. 447-460], p. 459-460.
[51] François Turretini, Compêndio de Teologia, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 161-162.
[52] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998 (1Tm 5.18), p. 149.
[53] “O lucro que obtém alguém que empresta seu dinheiro no interesse lícito, sem fazer injúria a quem quer que seja, não está incluído sob o epíteto de usura ilícita. (…) Em suma, uma vez que tenhamos gravada em nossos corações a regra de equidade que Cristo prescreve em Mateus: ‘Portanto, tudo quanto quereis que os homens vos façam, fazei-lhes também o mesmo’ (7.12), não será necessário entrar em longa controvérsia em torno da usura” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 15.5), p. 299). Calvino fazia uma distinção importante entre o “empréstimo de consumo ou de assistência” e o “empréstimo de produção ou de aplicação”. Aquele visava socorrer aos necessitados, sendo improdutivo para o devedor. Este, o devedor, com o seu trabalho poderia adquirir uma ampliação desses recursos. Os juros neste caso seriam legítimos (Veja-se, por exemplo: John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 12, (Ez 18.5-9), p. 225-228; v. 3/1 (Êx 22.25); p. 126-133; (Ez 28.1-9). Inspirado em Calvino, argumenta Turretini: “É justo que aquele que recebe benefício do dinheiro de outro o faça também participante dele, de cujo auxílio ele ganha este benefício, como uma compensação devida” (François Turretini, Compêndio de Teologia, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 165). Do mesmo modo, escreveu de forma comparativa Marvin Olasky: “Ele entendia que os empréstimos que desenvolvessem um negócio são diferentes dos empréstimos feitos a um homem faminto – e que lucrar no primeiro caso é algo legítimo” (Marvin Olasky, O Roteiro Secular no Teatro de Deus: Calvino sobre o significado cristão da vida pública, In: John Piper; David Mathis, eds. Com Calvino no Teatro de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, [p. 79-91], p. 87). (Ver: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 588; Ronald S. Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 79-80). Alguns princípios de Calvino a respeito deste tema foram expostos em uma carta (07/11/1545), escrita em resposta às indagações de seu amigo Claude de Sachin. Biéler analisa esta carta e outras passagens nas quais Calvino se posiciona sobre o assunto (Ver: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 585ss). Em 1580, Beza, juntamente com outros pastores, opõem-se veementemente à criação de um Banco em Genebra, entendendo que as riquezas trazem consigo implicações indesejáveis, tais como o luxo, frivolidades, amor ao prazer, etc., todas incompatíveis com Genebra, que deseja preservar a já conhecida moderação dos costumes (Ver: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 239-240; 663 (nota 1636); André Biéler, O Humanismo Social de Calvino, São Paulo: Edições Oikoumene, 1970, p. 66-67; André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, especialmente, p. 132-134; R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 124). Quanto às lutas de Genebra lideradas por Beza quanto à prática de juros extorsivos, trapaça nos negócios (tecelão que vende o tecido com uma polegada mais estreita) e preços exorbitantes (alfaiates e dentistas que cobram preços muito elevados pelos seus serviços), vejam-se: Eugène Choisy, L’ État Chrétien Calviniste a Genève au Temps de Théodore de Bèze, Genève: Ch. Eggimann & Cie Éditeurs, [s.d.], especialmente, p. 436ss. Ainda que Choisy tenha muitas informações importantes, sendo elogiado por Tawney que confessa sua dívida para com ele (R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 122), Biéler, com razão, faz críticas recorrentes a algumas de suas interpretações (Ver: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, como por exemplo, na página 185).
A história da igreja registra opiniões diferentes e divergentes a respeito do assunto, ainda que sustentando princípios semelhantes, como o do “justo preço” (Aquino [1225-1274], Escoto [c. 1266-1308] e Pedro de Olivi [c. 1248-1298]) e do socorro aos menos favorecidos, as posições variavam.
Tomás de Aquino (1225-1274), mesmo defendendo o direito de propriedade, admite a possibilidade do roubo em caso de penúria extrema. (“Ora, sendo muitos os que padecem necessidades, e não podendo uma mesma coisa socorrer a todos, ao arbítrio de cada um é cometido dispensar os bens próprios para assim obviar aos necessitados. Contudo, se a necessidade for de tal modo evidente e imperiosa que seja indubitável o dever de obviá-la com as coisas ao nosso alcance – por exemplo, quando corremos perigo iminente de morte e não é possível salvarmo-nos de outro modo – então podemos licitamente satisfazer à nossa necessidade com as coisas alheias, apoderando-nos delas manifesta ou ocultamente. Nem tal ato tem propriamente a natureza de furto ou rapina” (S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, IIa. 2.66, a.7) (Disponível: https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf) (Consulta feita em 30.04.2025).
[54]Essa posição nunca foi unânime. Mesmo a igreja romana condenando o lucro, a sua prática não se harmonizava com a sua teoria, sendo ela mesma, extremamente rica. ”
“O empréstimo a juros (…) sempre foi proibido ao clero; a Igreja conseguiu, a partir do século IX, que se tornasse proibida também aos leigos, e reservou o castigo desse delito à jurisdição de seus tribunais” (H. Pirenne, História Econômica e Social da Idade Média, p. 19).
Pirenne (1862-1935) continua:
“É evidente que a teoria dista muito da prática: os próprios mosteiros, amiúde, infringiram os preceitos da Igreja. Não obstante, esta impregnou tão profundamente o mundo com seu espírito, que serão necessários vários séculos para que se admitam as novas práticas que o renascimento econômico do futuro exigirá, e para que se aceitem, sem reservas mentais, a legitimidade dos lucros comerciais, da valorização do capital e dos empréstimos com juros” (H. Pirenne, História Econômica e Social da Idade Média, p. 19-20). (Veja-se uma anedota bastante ilustrativa do conflito da Igreja, In: Pirenne, História Econômica e Social da Idade Média, p. 32-33). Aldo Janotti, comentando a respeito da superioridade intelectual e riqueza da Igreja romana na Idade Média, observa que:
“A preponderância econômica se manifestava tanto por meio da riqueza agrária quanto da monetária: possuía a Igreja inúmeros domínios, superiores em extensão aos da aristocracia laica, como também em organização, pois só ela tinha homens habilitados para estabelecer polípticos, ter registros de contas, calcular entradas e saídas e, por consequência, poder equilibrá-las” (Aldo Janotti, Origens da Universidade: A Singularidade do Caso Português, 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992, p. 31).
Curiosamente, os maiores defensores dos mercadores – associados no imaginário eclesiástico à usura (Vejam-se: Jacques Le Goff, A Bolsa e a Vida: A Usura na Idade Média, 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 17ss.; Jacques Le Goff, Mercadores e Banqueiros da Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 73ss.) –, foram as Ordens Mendicantes (franciscanos e dominicanos), constituindo-se no século XIII, “nos instrumentos de justificação ideológica e religiosa do mercador” (Jacques Le Goff, Mercadores e Banqueiros da Idade Média, p. 98). Notemos que os membros dessas Ordens – tão defensoras dos interesses papais –, em geral eram provenientes de famílias abastadas, muitos, de famílias de mercadores. (Cf. Jacques Le Goff, Mercadores e Banqueiros da Idade Média, p. 98).
Para a questão da prática dos juros na Idade Média, especialmente estimulada entre os judeus, vejam-se: Jerry Z. Muller, Os Judeus e o Capitalismo Mundial: o que explica o sucesso judaico nas sociedades capitalistas? São Paulo: Editora Saraiva, 2011; Jacques Attali, Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo. 5. ed. São Paulo: Futura, 2005; Jacques Le Goff, A Bolsa e a Vida: A Usura na Idade Média, 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989; Léon Poliakon, De Cristo aos Judeus da Corte, São Paulo: Editora Perspectiva, 1979, especialmente, p. 61ss. Para uma história mais panorâmica incluindo as relações da Igreja com os usurários e as suas incoerências, bem como a situação e valores dos mercadores envolvendo a sua religião e seus fantasmas ‒ como escreve Le Goff: “Eis o grande combate do usurário entre a riqueza e o Paraíso, o dinheiro e o Inferno” (Jacques Le Goff, A Bolsa e a Vida: A Usura na Idade Média, 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 15), vejam-se: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 237ss.; Jack Mclver Weatherford, A História do Dinheiro: do arenito ao cyberspace, São Paulo: Negócio Editora, 2000; Jacques Le Goff, A Bolsa e a Vida: A Usura na Idade Média, 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989; Jacques Le Goff, Mercadores e Banqueiros da Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1991; Jacques Le Goff, Para um Novo Conceito de Idade Média, Lisboa: Editorial Estampa, 1980, p. 43-73; Philippe Wolff, Outono da Idade Média ou Primavera dos Tempos Modernos?, Lisboa: Edições 70 (1988); Aron J. Gurevic, O Mercador: In: Jacques Le Goff, dir. O Homem Medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 165-189; H. Pirenne, História Econômica e Social da Idade Média, 6. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982; Georges Duby, Economia Rural e Vida no Campo no Ocidente Medieval, Lisboa: Edições 70, (1987-1988), 2 Vols.; Pierre Monnet, Mercadores: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP/São Paulo: Editora da Universidade Sagrado Coração/Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 2, p. 183-196; R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 31-77. Quanto à acusação apaixonada de Pascal contra a igreja católica, especialmente na França, de praticar a usura valendo-se de subterfúgios, veja-se: Blaise Pascal, Las Cartas Provinciales, Buenos Aires: Librería “El Ateneo” Editorial, (1948), especialmente a Carta 8, p. 589ss. Para uma visão da concepção e prática em Portugal, ver: José Calvet de Magalhães, História do Pensamento Econômico em Portugal: da Idade-Média ao Mercantilismo. Coimbra: Coimbra Editora, 1967, 537p.
[55]É interessante notar que em 1513, N. Maquiavel (1469-1527), na sua obra O Príncipe, dedicada a dedicatória a Lorenzo II de Médici (1492-1519), diz: “…. um príncipe deve gastar pouco para não ser obrigado a roubar seus súditos; para poder defender-se; para não se empobrecer, tornando-se desprezível; para não ser forçado a tornar-se rapace; e pouco cuidado lhe dê a pecha de miserável; pois esse é um dos defeitos que lhe dão a possibilidade de bem reinar” (N. Maquiavel, O Príncipe, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 9), 1973, p. 72). (destaques meus). É muito interessante a análise do sociólogo agnóstico Rodney Stark (1934-2022), sobre as leis pró-frugalidade, existentes, inclusive, antes da Reforma, na Itália. Podemos observar que os princípios defendidos são em geral de ordem econômica e pessoal, não teológico-social. (Rodney Stark, A vitória da razão: como o cristianismo gerou a liberdade, os direitos do homem, o capitalismo e o milagre econômico do Ocidente, Lisboa: Tribuna da História, 2007, p. 170-172).
[56] Veja-se, por exemplo, J. Calvino, As Institutas, III.7.5-6; III.10.4-5; Idem., Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995, (2 Co 8), p. 165ss.; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 643; Hermisten M.P. Costa, João Calvino 500 anos, São Paulo: Cultura Cristã, 2009). Quanto à ação prática dos conceitos de Calvino em Genebra, Vejam-se, entre outros: W. Fred Graham, The Constructive Revolutionary: John Calvin & His Socio-Economic Impact, Richmond, Virginia: John Knox Press, 1971, p. 97ss.; Ronald S. Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, passim; Alderi Souza de Matos, Amando a Deus e ao Próximo: João Calvino e o Diaconato em Genebra: In: Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 2/2 (1997), p. 69-88; William C. Innes, Social Concern in Calvin’s Geneva, Pennsylvania: Pickwick Publications, 1983.
[57]“A Igreja Romana, afirmava-se, por intermédio do exemplo de seus governantes encorajara o luxo e a ostentação; os membros da Igreja Reformada devem ser econômicos e modestos. (…) O Calvinismo, em suma, significava não apenas nova doutrina teológica e governo eclesiástico, mas nova escala de valores morais e novo ideal de conduta social” (R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 116).
[58]Referindo-se ao texto de Tt 2.11-14, Calvino comenta: “O apóstolo resume todas as ações da nova vida em três grupos: sobriedade, justiça e piedade. Indubitavelmente a sobriedade significa castidade e temperança, como também o uso puro e frugal das bênçãos temporais, incluindo a paciência na pobreza” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 33. Do mesmo modo: As Institutas, III.7.3). “Tudo quanto extrapola o uso natural é supérfluo. Não que algum uso mais liberal de possessões seja condenado como um mal em si mesmo, mas a ansiedade em torno delas é sempre pecaminosa” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.8), p. 169). Vejam-se também: João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 75; Idem., As Institutas, III.10.4.
[59]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 8.15), p. 177. Veja-se também, João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, p. 45. Em outro lugar: “As Escrituras exigem de nós e nos advertem a considerarmos que qualquer favor que obtenhamos do Senhor, o temos recebido com a condição de que o apliquemos em benefício comum da Igreja.
“Temos de compartilhar liberalmente e agradavelmente todos e cada um dos favores do Senhor com os demais, pois isto é a única coisa que os legitima.
“Todas as bênçãos de que gozamos são depósitos divinos que temos recebido com a condição de distribuí-los aos demais” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 36).
[60]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.2), p. 167-168. Calvino entende que durante todo o curso da vida humana, “os homens não conseguem nada por sua própria vigilância e diligência, exceto se Deus os abençoar de cima” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker, 1981 (Reprinted), (v. 2/1), (Dt 8.17), p. 401).
[61] D.G. Hart, O reformador da Fé e da vida. In: Burk Parsons, ed. João Calvino: Amor à devoção, doutrina e glória de Deus, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, p. 77. Veja-se: Philip Benedict, Christ’s Churches Purely Reformed: A Social History of Calvinism, New Haven: Yale University Press, 2002, p. 543.
[62]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 180.
[63]Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, Paris: LUF Egloff, © 1948, p. 42-43. Veja-se: Hermisten M.P. Costa, João Calvino 500 anos, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 26-27; 122.
[64]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 31.5), p. 16.
[65]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 10.1), p. 205.
[66] João Calvino, As Institutas, I.17.6.
[67] João Calvino, As Institutas, I.16.2. “Faz parte de seu [de Davi] propósito também exortar os fiéis a uma consideração da providência de Deus, para que não hesitem em lançar sobre ela toda a sua preocupação” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 40.5), p. 222).
[68] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 55.22), p. 488-489. “O Deus que governa o mundo por sua providência o julgará com justiça. A expectativa disto, devidamente apreciada, terá um feliz efeito na disposição de nossa mente, acalmando a impaciência e restringindo qualquer disposição ao ressentimento e retaliação em face de nossas injúrias” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 62.12), p. 584). “Os crentes gozam de genuína riqueza quando confiam na providência divina que os mantém com suficiência e não se desvanecem em fazer o bem por falta de fé. (…) Ninguém é mais frustrado ou carente do que aquele que vive sem fé, cuja preocupação com suas posses dilui toda a sua paz” (João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.11), p 193-194).
[69] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 9.6), p. 184.
[70] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Fortuna e a Providência: Maquiavel e Calvino, dois olhares sobre a História e a Vida: In: IV Congresso Internacional de Ética e Cidadania – Filosofia e Cristianismo, 2008, São Paulo: Mackenzie, 2008. v. 4, p. 6-9.
[71] Vejam-se: João Calvino, As Institutas, II.1.9,12 II.3.5; O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 51.5), p. 431; (Sl 62.9), p. 579; Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 2.1), p. 51; (Ef 2.2), p. 52; (Ef 4.17), p. 134-135. “Por causa do coração, totalmente embebido com o veneno do pecado, o homem nada pode gerar além dos frutos do pecado” (João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 5, p. 16).
[72]Veja-se : Erich Fuchs, L’Éthique de Calvin: Calvinisme et Capitalisme: In: Martin E. Hirzel; Martin Sallmann, eds., Calvin et le Calvinisme, Genève: Labor et Fides, 2008, p. 223ss.
[73]João Calvino, As Institutas, I.17.4. Veja-se: também, As Institutas, I.17.9.
“Aquele que limitou a nossa vida, confiou-nos também a solicitude por ela, o cuidado dela; deu-nos os meios para preservá-la; e nos habilitou a prever os perigos, para que não nos surpreendam, dando-nos ao contrário remédios para capacitar-nos a preveni-los.
“Agora se vê qual é o nosso dever. Se o Senhor nos dá a nossa vida para que dela cuidemos, que a preservemos; se nos dá os meios para fazê-lo, que os utilizemos; se Ele nos mostra os perigos, que não nos atiremos loucamente e sem propósito; se Ele nos oferece remédios, que não os menosprezemos” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.8), p. 77).
[74] Veja-se: João Calvino, As Institutas, II.7.6.
[75]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.16), p. 160.
[76] Veja-se: João Calvino, As Institutas, II.7.8.
[77] João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 31
[78] “Não pense que o evangelho que o liberta da maldição da lei é uma licença para você desprezar e ignorar a lei” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei. In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 14).
[79] Ray Pennings, Trabalhando para a Glória de Deus. In: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 378.
[80]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 13.16), p. 394.
[81]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 13.16), p. 394.
[82]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 13.16), p. 395.
[83] Vejam-se André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 229-230. O testemunho de Farel também é elucidativo. Ver: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 229.
[84] A grande quantidade de refugiados abrigados em Genebra, contribuiu para modelar determinadas ênfases em sua vida econômica e enriquecimento de diversas profissões. (Vejam-se alguns exemplos in: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 216ss.).
[85]André Biéler, O Humanismo Social de Calvino, p. 45; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 230.
[86] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 136. “Ainda que, quando os homens se devotam fielmente ao seu dever, não perdem seu trabalho, contudo seu sucesso depende inteiramente do favor divino. O que Paulo assevera concernente à eficácia do ensino se estende ainda mais: “que aquele que planta e aquele que rega nada são” [1Co 3.7], pois a similitude é extraída da experiência geral. A utilidade desta doutrina é dupla: Em primeiro lugar, tudo quanto eu tente fazer, ou, seja qual for o trabalho ao qual aplique minhas mãos, meu dever é desejar que Deus abençoe meu labor, para que o mesmo não seja vão e infrutífero. Então, caso eu tenha obtido algo, meu segundo dever é atribuir a Deus o louvor; sem cuja bênção em vão os homens se levantem de manhã, se fatiguem o dia inteiro, descansem tarde, comam o pão da preocupação e inclusive bebam pouca água com tristeza” (John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 1/2, (Gn 30.29), p. 151-152).
[87] João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, v. 4, (Sl 127.2), p. 377.
[88] “Pois jamais somos devidamente sensibilizados do quanto somos devedores a Cristo nem avaliamos suficientemente sua munificência para conosco, até que a extrema infelicidade de nosso estado seja por ele posta diante de nossos olhos” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, p. 16).
[89] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 66.5), p. 624.
[90] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 66.13), p. 630.
[91]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 110.
[92]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 40-41.
[93] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 8.4), p. 165-166. Em outro lugar: “Devemos sempre tomar nota que ele faz uso de ações de graça em vez de congratulação, pelas quais nos ensina que em todas as nossas alegrias devemos prontamente evocar à lembrança a bondade divina, visto que tudo o que nos é aprazível e agradável procede da bondade que ele nos confere. Além disso, ele nos admoesta, por seu exemplo, a que reconheçamos com gratidão não meramente aquelas coisas que o Senhor nos confere, mas também aquelas coisas que ele confere a outrem. Mas, por quais coisas ele rende graças ao Senhor? Pela fé e o amor dos colossenses. Portanto, ele reconhece que ambos são conferidos por Deus; do contrário, a gratidão seria mera pretensão. E o que possuímos de outra maneira fora de sua liberalidade? Não obstante, se mesmo os mínimos favores nos provêm dessa fonte, quanto mais se deve demonstrar este mesmo reconhecimento em relação a essas duas dádivas nas quais consiste a soma total de nossa excelência!” (João Calvino, Gálatas, Efésios, Filipenses e Colossenses, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2010, (Cl 1.3), p. 493).
[94] Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, Rijswijk, Países Bajos: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1967 (Nueva Edición Revisada), III.10.4.
[95] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 30.6), p. 631.
[96]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 47.
[97] J. Calvino, Institución de la Religión Cristiana, III.10.4.
[98]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.10), p. 94.
[99] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 106.14), p. 678.
[100] Cf. João Calvino, Série Comentários Bíblicos – Gênesis Volume 1, Recife, PE.: CLIRE, 2018, (Gn 13.5), p. 370.
[101] John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 1, (Gn 13.5), p. 369.
[102]John Calvin, To Madame de Coligny, “Letters,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), nº 655.
[103] “….os filhos de Deus, onde quer que estejam, não passam de hóspedes deste mundo. De fato, no primeiro sentido ele (Pedro), no início da Epístola, os chama de peregrinos, como transparece do contexto; aqui, porém, o que ele diz é comum a todos eles. Pois as concupiscências da carne nos mantêm enredados quando em nossa mente permanecemos no mundo e cremos que o céu não é nossa pátria; mas quando vivemos como forasteiros ao longo desta vida, não vivemos escravizados à carne” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 22, (1Pe 2.11), p. 78). “Somos estrangeiros e peregrinos neste mundo, (…) não possuímos morada fixa senão no céu. Portanto, sempre que formos expulsos de algum lugar, ou alguma mudança no suceder, tenhamos em mente, segundo as palavras do apóstolo aqui, que não temos lugar definido sobre a terra, porquanto nossa herança é o céu; e quando formos cada vez mais provados, então nos preparemos para nossa meta final. Os que desfrutam de uma vida tranquila, comumente imaginam que possuem para si um repouso neste mundo. Portanto é bom que nós, que somos inclinados a esse gênero de pândega, que somos constantemente levados de um a outro lado, tão propensos à contemplação das coisas aqui de baixo, aprendamos a volver sempre nossos olhos para o céu” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 13.14), p. 391-392).
[104]Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, III.10.5. Conforme já citamos, Calvino entendia que: “Quando depositamos nossa confiança nas riquezas, na verdade estamos transferindo para elas as prerrogativas que pertencem exclusivamente a Deus” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.17), p. 182).
[105] João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 74.
[106]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73.
[107]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.8), p. 169.
[108]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 106.14), p. 678.
[109]Veja-se: John Calvin, Commentary on the Epistle to the Philippians, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996, (Calvin’s Commentaries, v. 21), (Fp 4.12) p. 124.
[110] João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 74.
[111] Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, III.10.3.
[112]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 48.3), p. 355-356.
[113] João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.6), p. 430.
[114] No entanto, Calvino não era indiferente à necessidade dos ministros serem mantidos condignamente (Veja-se: João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 91-92; 156).
[115] João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 6.6), p. 181.
[116] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.4), p. 169.
[117] “10 Ora, aquele que dá semente ao que semeia e pão para alimento também suprirá e aumentará a vossa sementeira e multiplicará os frutos da vossa justiça, 11 enriquecendo-vos, em tudo, para toda generosidade, a qual faz que, por nosso intermédio, sejam tributadas graças a Deus” (2Co 9.10-11).
[118] J. Calvino, Institución de la Religión Cristiana, III.10.5. Ver também John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 1, (Gn 2.15), p. 125.
[119]Juan Calvino, El Señor dio y El Señor quito: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 2), p. 42.
[120] João Calvino, As Institutas, (2006), III.7.5.
[121] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.11), p 193-194.
[122] “Confesso, deveras, que não sou pobre; pois não desejo mais além daquilo que possuo” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, p. 46). “Nossa cobiça é um abismo insaciável, a menos que seja ela restringida; e a melhor forma de mantê-la sob controle é não desejarmos nada além do necessário imposto pela presente vida; pois a razão pela qual não aceitamos esse limite está no fato de nossa ansiedade abarcar mil e uma existências, as quais debalde sonhamos só para nós” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.7), p. 168).
[123]Juan Calvino, El Uso Adecuado de la Afliccion: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 19), p. 227. “Certamente, o marfim, o ouro e as riquezas são boas criaturas de Deus, permitidas, e até destinadas ao uso dos homens; também em nenhum lugar se proíbe ao homem rir ou fartar-se ou adquirir novas propriedades ou deleitar-se com instrumentos musicais ou beber vinho. É certo. Mas, quando alguém goza abundância de bens, se ele se deixar envolver pelas coisas que lhe causam deleite, embriagar sua alma e seu coração com os prazeres desta vida e viver buscando outros novos, muito longe estará do uso santo e legítimo dos dons de Deus” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.14), p. 96-97. Ver também: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 30.6), p. 631; As Pastorais, (1Tm 6.17), p. 181.
[124]John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 7/2, (Is 17.3), p. 23.
[125]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.6), p. 168. “Todos quantos têm como seu ambicioso alvo a aquisição de riquezas se entregam ao cativeiro do diabo” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.8), p. 169).
[126] João Calvino, Série Comentários Bíblicos – Gênesis Volume 1, Recife, PE.: CLIRE, 2018, (Gn 13.1-2), p. 367-368.
[127] Vejam-se: João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 60; John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 7/1, (Is 7.2; 10.3,23; 16.6).
[128] “…. a glória de Deus deve resplandecer sempre e nitidamente em todos os dons com os quais porventura Deus se agrade em abençoar-nos e em adornar-nos. De sorte que podemos considerar-nos ricos e felizes nele, e em nenhuma outra fonte” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 48.3), p. 356).
[129]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 17.14), p. 346. Pelo contrário, em outros lugares, ele diz: “Se, então, nós temos cometido fornicação contra Deus, toda nossa prosperidade deveria ser mantida sob suspeição; por esta desobediência, abusando das bênçãos de Deus” (John Calvin, Calvin’s Commentary, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 13, (Os 9.1) p. 309). “Prosperidade é como mofo ou a ferrugem” (John Calvin, Calvin’s Commentary, v. 15, (Zc 13.9) p. 403).
[130] “Deveras me apliquei a todas estas coisas para claramente entender tudo isto: que os justos, e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou se é ódio que está à sua espera, não o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro” (Ec 9.1).
[131] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 26. Esta mesma linha de argumentação é seguida em outro lugar: “Onde, pois, o temor de Deus não é prevalecente, a confiança na prosperidade consiste no menosprezo e motejo de sua imensurável munificência. Segue-se disso que aqueles a quem Deus tem poupado nesta vida receberão sobre si a aplicação de um castigo mais severo, visto que têm adicionado sua rejeição ao convite paternal de Deus a suas demais perversidades. Ainda que todos os favores divinos sejam inumeráveis provas de sua paternal bondade, todavia, visto que às vezes Ele tem diferentes objetivos em vista, os ímpios se equivocam ao vangloriar-se de sua prosperidade, como se fossem bem-amados de Deus, ao mesmo tempo em que este paternal e liberalmente os sustenta” (João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 2.4), p. 81-82). Ver também: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 17.14), p. 346. Mais tarde, o puritano Samuel Willard (1640-1707), pregando em 24/07/1705, disse: “Assim como as riquezas não são evidências do amor de Deus, assim também a pobreza não é sinal de sua ira ou ódio” (Samuel Willard, A Complete Body of Divinity in Two Hundred and Fifty Expository Lectures, MC Design, 2015, (Edição do Kindle), Local 43270 de 55270). Vejam-se a mesma perspectiva de outros autores em: Leland Ryken, Redeeming the Time: A Christian Approach to Work and Leisure, Grand Rapids, MI.: Baker Books, 1995, p. 100).
[132]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 62.10), p. 580.
[133]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.10), p. 170.
[134]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 30.6), p. 633.
[135]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.17), p. 182.
[136]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 41.1), p. 240-241.
[137] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 91.15), p. 458.
[138] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 56.12), p. 504.
[139]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 42.
[140]J. Calvino, Institución de la Religión Cristiana, III.7.5. Ver também André Biéler, O Humanismo Social de Calvino, p. 72-74.
[141] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.2), p. 167.
[142] “Não haverá escusa para a indolência daqueles que tanto ocultam os dons divinos como gastam seu tempo na ociosidade. Daí inferimos ainda que nenhuma forma de vida é mais digna de louvor, à vista de Deus, do que aquela que produz algum benefício à sociedade humana” (John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 2, (Mt 25.24), p. 444).
[143] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.10), p. 193.
[144] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.8), p. 191.
[145] Cf. João Calvino, As Institutas,
[146] João Calvino, As Institutas, (2006), III.7.5.
[147] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.1), p. 186-187. Beza narra que com o grande crescimento da igreja em Genebra, composta intensamente de imigrantes, “deu azo a que os estrangeiros que aqui vinham radicar-se formassem uma associação com vistas a subvencionar as diretas necessidades de seus pobres, para que a cidade não fosse sobrecarregada em demasia” (Theodoro de Beza, A Vida e a Morte de João Calvino, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 2006, p. 38).
[148]Quando fazemos o bem nada perdemos; é Deus mesmo que nos recompensará, na eternidade e aqui: “O que sai de nós para alguém, parece diminuir o que possuímos; mas o tempo da ceifa virá, quando os frutos aparecerão e serão recolhidos. Pois o Senhor considera o que é doado aos pobres como sendo doado a Ele mesmo, e um dia reembolsará o doador com fartos juros. (…) Esta colheita deve ser entendida tanto em termos de recompensa espiritual de vida eterna com também sendo uma referência às bênçãos terrenas com as quais o Senhor agracia o benfeitor. Não é somente no céu que o Senhor recompensará os feitos nobres do justo, mas o fará ainda neste mundo” (João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.6), p. 189).
[149]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.1), p. 166.
[150] João Calvino, Sermon Dt 15.11-15 (Sermão 95): In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 27), col. 342.
[151]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 9.7), p. 190. Comentando Romanos, analisando uma possibilidade de interpretação da palavra “liturgia” empregada por Paulo, escreve: “Paulo, estou plenamente certo, está se referindo a algum tipo de sacrifício feito pelos crentes, quando dão de sua própria subsistência para mitigar a pobreza de seus irmãos. Ao quitarem uma dívida de amor, à qual se achavam penhorados, oferecem a Deus, ao mesmo tempo, um sacrifício de aroma suave” (João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 15.27), p. 514-515).
[152]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 39.
[153]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 18, (At 5.1), p. 196.
[154]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 68.4-6), p. 645.
[155] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.10), p. 173. “É realmente verdade que não há nada que fira tanto os que possuem uma disposição mental ingênua que quando os perversos e ímpios os recompensam de forma um tanto desonrosa e injusta. Mas quando ponderam sobre esta consoladora consideração, de que Deus não é menos ofendido com tal ingratidão do que aqueles a quem se faz a injúria, eles não têm nenhuma justificativa de se magoarem com tanto excesso” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 38.19-20), p. 192).
[156] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 16.2), p. 500.
[157] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 15.4), p. 294. Vejam-se também: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 17.14), p. 346; v. 2, (Sl 41.1), p. 240-241.
[158]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 121.
[159]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, (I.3), p. 207-208. Em outro lugar: “Quando, pois, a fraude, a astúcia, a traição, a crueldade, a violência e a extorsão reinam no mundo; em suma, quando todas as coisas são arremessadas em total desordem e escuridão, pela injustiça e perversidade, que a fé sirva como uma lâmpada a capacitar-nos para visualizarmos o trono celestial de Deus, e que essa visão nos seja suficiente para fazer-nos esperar pacientemente pela restauração das coisas a um melhor estado” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 11.4), p. 240). No mundo, “Deus não é um espectador indolente” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 11.4), p. 241).
[160]In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 6, p. 138. (Vali-me da tradução feita na obra de André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 513).
[161] Ray Pennings, Trabalhando para a Glória de Deus. In: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 375.
[162] Veja-se: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 540.
[163] Sua mãe era de origem puritana, tendo seus antepassados vindo para a América no “Mayflower” (Vejam-se: Frederick W. Taylor, Princípios de Administração Científica, 6. ed. São Paulo: Atlas Editora, 1966 (Informação no Prefácio da Obra), p. 7; Frank B. Copley, Frederick W. Taylor Father of Scientific Management, New York and London: Harper and Brothers, Publishers, 1923, v. 1, p. 23ss. (Na página 27 há uma árvore genealogia de seus antepassados).
[164]Veja-se: Idalberto Chiavenato, Teoria Geral da Administração, 3. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1987, v. 1, p. 65. Veja-se também, André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p. 113ss.
[165] Vejam-se: também: Christopher Hill, O Eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa, São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 195ss.; R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 114-115.
[166] João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, v. 4, (Sl 127.2), p. 377.
[167]William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, v. 11, p. 176. Veja-se também: William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, v. 11, (2Ts 3.6-18), p. 226-227.
[168] “Embora aos homens seja de natureza infundido o poder de procriar, Deus quer, entretanto, que seja reconhecido a Sua graça especial que a uns deixa sem progênie, a outros agracia com descendência, pois que dádiva Sua é o fruto do ventre” (Sl 127.3) (João Calvino, As Institutas, I.16.7).
[169] Sobre as mãos como instrumento de trabalho, Veja-se: Oswald Spengler, O Homem e a Técnica, Lisboa: Guimarães e Cª Editores, 1980, III.5. p. 63ss.; Battista Mondin, O Homem, Quem é Ele?, São Paulo: Paulinas, 1980, p. 195-196.
[170]É magnífico o uso que Schaeffer faz desta figura para falar da “mão de Deus”, como uma expressão bíblica que transmite a ideia de um Deus pessoal que cuida de nós dentro das categorias espaço e tempo, bem como no além e depois (Veja-se: Francis A. Schaeffer, Não Há Gente Sem Importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 31-41).
[171]Veja-se: Ray Pennings, Trabalhando para a Glória de Deus. In: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 378.
[172] Tomei este conceito de Raymond Ruyer, Métaphysique du Travail, 1948. Cf. José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, v. 4, p. 2902.
[173] Lewis observou que, “O homem que valoriza a originalidade jamais será original. Mas tente dizer a verdade tal como você a vê, tente trabalhar com perfeição por amor ao trabalho, e aquilo que os homens chamam de originalidade surgirá espontaneamente” (C.S. Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 47).
[174] Se o “excesso” de trabalho em determinadas ocasiões assume a característica de uma “fuga”, como observou Rollo May, (A Arte do Aconselhamento Psicológico, Petrópolis, RJ.: Vozes, 1977, p. 24ss), não importa; de qualquer maneira, o “fazer” revelará o homem que faz, bem como as suas circunstâncias.
[175]“Moisés acrescenta que a custódia do jardim fora a dada ao encargo de Adão, para mostrar que possuímos as coisas que Deus entregou às nossas mãos sob a condição de que, vivendo contentes com o uso sóbrio e moderado delas, nos preocupemos em manter aquilo que deve permanecer. Aquele que possui um campo, que então participe de seus frutos todos os anos, para não deixar o solo prejudicado por sua negligência; mas que labute para passá-lo à posteridade como o recebera, ou ainda mais cultivado. Assim, nutrindo-se de seus frutos, não os dissipe com o luxo, nem permita que sejam prejudicados ou arruinados pela negligência” (João Calvino, Série Comentários Bíblicos – Gênesis Volume 1, Recife, PE.: CLIRE, 2018, (Gn 2.15), p. 91).
[176] “Para o cristão, a aposentadoria é libertação para serviço. A pessoa aposentada poderá começar um capítulo totalmente novo na vida, em vez de ficar improdutiva. A filosofia cristã de trabalho é a de que o trabalho nunca está totalmente terminado” (E. Elton Trueblood, Trabalho: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 583). Veja-se também: Gene Edward Veith, Jr., Deus em Ação, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 39; 125.
[177] “…. o homem, por isso mesmo, desde o princípio é chamado ao trabalho. O trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto das criaturas, cuja atividade, relacionada com a manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho; somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o homem o realiza preenchendo ao mesmo tempo com ele a sua existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria natureza” (João Paulo II, Carta Encíclica Laborem Exercens, (1981).(https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html (Consulta feita em 30.04.2025).
[178]Biéler faz uma constatação relevante: “A íntima interpenetração da Reforma e da Renascença contribuiu amplamente para a sua promoção no Ocidente. Mas o materialismo e as ideologias substitutivas engendradas pela secularização do pensamento, no decurso dos séculos subsequentes, acabaram por fazer crer que uma civilização arrancada de suas raízes espirituais conseguiria produzir espontaneamente todos esses valores. Essas ideologias substitutivas proliferaram. (…) Todas essas ideologias, que tomaram o lugar da fé cristã, transformaram-se em crenças que, uma vez dissipadas, deixaram no Ocidente e no mundo atual um vácuo espiritual, e muitas vezes um desespero, que se mostram propícios a toda sorte de novidades inflamadas da demagogia religiosa, filosófica ou política” (André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p. 54-55).
[179] Jean Delumeau, Nascimento e Afirmação da Reforma, São Paulo: Pioneira, 1989, p. 305.
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