“Cristo e Cultura” – um resumo

por H. Richard Niebuhr

 

O que segue é um resumo simplificado do livro “Cristo e Cultura”[1] de H. Richard Niebuhr. Apesar de ser um teólogo neo-ortodoxo, a sua contribuição na avaliação do tema tornou-se referência, e não pode ser desprezada, mesmo que não concordemos com a sua teologia.[2]

 

  1. O Contínuo Problema

Este capítulo nos apresenta o “contínuo problema”, que para Niebuhr é a relação entre “Cristianismo e civilização” (1). Este é um problema porque sabemos que Cristo é perfeito/sem pecado, e se a cultura é feita pelo homem (como mostra Niebuhr), e sendo os humanos imperfeitos/pecaminosos, como pode Cristo se misturar com a imperfeição? Isso é agravado pelo fato de que existem versos na Bíblia que sugerem que devemos estar fora do mundo e também há versículos que sugerem que devemos estar no mundo. Isto é ainda mais difícil de ver quando as literaturas bíblicas não apresentam um único exemplo de uma crença que seja representada em formas não-culturais. Para mostrar como os cristãos tentaram lidar com esse “problema”, Niebuhr apresenta e interage com cinco pontos de vista: Cristo contra a cultura, Cristo da cultura, Cristo em paradoxo com a cultura, Cristo acima da cultura e, finalmente, o recomendado, Cristo que transforma a cultura.

Neste primeiro capítulo, Niebuhr tenta “definir” o que quer dizer com “Jesus Cristo” e o que significa “cultura”. Sobre Jesus, Niebuhr afirma que nossas definições de Jesus são inadequadas, no sentido de que elas não captam completamente a totalidade de quem ele é, uma vez que são condicionadas culturalmente. Mas ele ainda crê que são adequadas, com o propósito de conhecê-Lo (14). Cultura é definida como “o processo total da atividade humana” e seu resultado; refere-se ao “’ambiente secundário’, em que o homem se sobrepõe ao natural”. (32)

 

  1. Cristo Contra a Cultura

Descrição: Aqui está a mais inflexível visão com a cultura que “afirma a exclusiva autoridade de Cristo sobre a cultura e rejeita decididamente as reivindicações da cultura à lealdade” (45). A contrapartida da lealdade a Cristo e aos irmãos, é a rejeição da sociedade cultural; uma linha clara separa entre “a fraternidade dos filhos de Deus e do mundo” (47-48). Alguns aspectos positivos: as pessoas que creem/adotam essa maneira são a única razão pela qual podemos ter alguma simpatia por essa visão, diz Niebuhr (66). As pessoas que rejeitam o mundo “não têm maneiras fáceis de professar a sua fidelidade a Cristo. Elas padecem problemas físicos e sofrimentos mentais na sua vontade de abandonar casas, propriedades e proteção do governo, comprometidos com a sua causa” (66).

Alguns aspectos negativos: Niebuhr acredita que esta posição é inadequada; principalmente porque essa separação do mundo e do Cristianismo nunca foi alcançada em nenhum momento, nem pensamos que seja possível. Além disso, parece haver a falsa noção de que o pecado está na cultura e quando o cristão escapa à cultura, ele pode evitar o pecado. Certamente este não é o caso (78). O que importa para Niebuhr, é que essa visão não reconhece adequadamente o papel de Jesus e do Espírito na criação. “A rejeição da cultura é facilmente combinada com a desconfiança da natureza e de quem Deus é: … finalmente eles estão tentados a dividir o mundo no domínio material governado por um princípio oposto a Cristo e um reino espiritual governado pelo Deus espiritual” (81).

 

  1. O Cristo da Cultura

Descrição: Nesta visão, homens/mulheres saúdam à Jesus como “o Messias de sua sociedade, o cumprimento de suas esperanças e aspirações, a perfeição da verdadeira fé, fonte do seu espírito mais sagrado” (83). Estas pessoas procuram manter a comunhão não só com os crentes, mas também com os incrédulos. “Eles não sentem nenhuma grande tensão entre a igreja e o mundo, as leis sociais e o evangelho … a ética da salvação e a ética da conservação ou progresso social. Por um lado, eles interpretam a cultura através de Cristo, onde os mais importantes aspectos de Jesus são mais honrados. Por outro lado, eles interpretam Cristo através da cultura, selecionando a partir de seu ensino o que de melhor harmoniza-se com o melhor em civilização” (83).

Alguns aspectos positivos: as pessoas tendem a pensar que apenas aqueles que se recusam a se adaptarem à cultura podem fazer um impacto na cultura (o sangue dos mártires). No entanto, a história atesta que as pessoas se sentiram atraídas por Cristo também por causa da “harmonia da mensagem cristã com a moral e a filosofia religiosa de seus melhores professores” (103). Além disso, esse grupo de pessoas tende a se unir a muitas posições na sociedade onde eles têm o potencial de ter um impacto profundo nas vidas das pessoas.

Alguns aspectos negativos: o maior problema de Niebuhr com essa visão está na distorção de Cristo quando visto com a intenção de tornar Jesus como o melhor da sociedade. Ficamos com uma concepção não autêntica de Jesus.

 

  1. Cristo Acima da Cultura

Descrição: Essa visão não faz a “batalha” entre Cristo e a cultura (ou seja, tem que optar por Cristo ou a cultura), mas, sim vê a “batalha” entre Deus e o homem [Deus santo contra o homem pecador] (117). Os adeptos enfatizam que Deus ordena a cultura e, portanto, a cultura não é boa, nem ruim. Quando o homem peca, a sua rebelião contra Deus é expressa em termos culturais (reais), mas isso não significa que a cultura seja ruim. A cultura, dizem eles, é sustentada por Deus, e eles veem a harmonia (ou síntese) entre Cristo e a cultura como a melhor maneira de abordar o “problema”. Niebuhr observa que “eles não podem separar as obras da cultura humana da graça de Deus, pois todas essas obras somente são possíveis pela graça. Mas, tampouco, podem separar a experiência da graça das atividades culturais; pois como os homens podem amar o Deus invisível em resposta ao Seu amor sem servir o visível irmão na sociedade humana?” (119).

Alguns aspectos positivos: propõe um bom equilíbrio entre ver Cristo como parte da cultura (como a encarnação), e ainda estar fora da cultura (como o Deus que sustenta a cultura). Através desta posição, podemos levar a lei moral para a sociedade, e até mesmo o envolvimento cristão na sociedade. Niebuhr explica que Deus criou o homem como um ser social e é impossível para a sociedade funcionar sem a direção de Deus. A Igreja, portanto, enquanto opera para um propósito espiritual, também tem um propósito terreno de ser guardiã/zeladora diante dessa lei divina (136), e nesse sentido serve ao mundo.

Alguns aspectos negativos: um dos problemas que incomoda a Niebuhr é que essa posição quando empurrada para o seu limite levará à institucionalização de Cristo e do evangelho. Isso é evidente, especialmente, quando esta posição atrai a atenção da “esperança eterna e objetivo do cristão” para uma “incorporação temporal” e uma “forma inventada pelo homem” (147). Além disso, “eles não … enfrentam a presente raiz do mal em todo a obra humana” (148).

 

  1. Cristo e Cultura em Paradoxo

Descrição: Semelhante ao “Cristo acima da Cultura” é a visão de Cristo e Cultura em Paradoxo. Enquanto os membros deste grupo querem manter “fidelidade a Cristo e responsabilidade pela cultura” (149), eles creem que esta cooperação não é um equilíbrio/união feliz como o grupo “Cristo acima da Cultura” gostaria que as pessoas acreditassem ser. Ao lado da cooperação de Cristo e da cultura, eles enfatizam um “paradoxo” severo onde existe um conflito entre Cristo e a cultura devido ao pecado na cultura; na relação de Cristo com a cultura, vemos o pecado e a graça.

Alguns aspectos positivos: esta visão corretamente capta a tensão bíblica retratada pelos cristãos neste mundo. Pois o homem está “sob a lei, mas que não está debaixo da lei, mas da graça; ele é pecador, e ao mesmo tempo justo … recebedor da ira e misericórdia divina” (157). Este é de fato um processo dinâmico, não uma rejeição estática ou aceitação da cultura dos “modelos” anteriores, mas sim, como percebemos, quase pela experiência, que o nosso lidar com a cultura está cheio de dor e paz.

Alguns negativos: há algo, Niebuhr diz, que esta posição se torna estática; é que um cristão perde a voz para dizer algo significativo à cultura. É uma posição que nos leva a aceitar a cultura (conservadorismo) porque vemos em cada caso a ira e a misericórdia; e por vermos simultaneamente os dois, existe o perigo de não agir em favor de nenhum dos dois.

 

  1. Cristo o Transformador da Cultura

Descrição: Este grupo pode ser descrito como “conversionista” que têm uma visão mais esperançosa para a cultura (191). A convicção teológica vem de aceitar a Deus como criador, cientes de que a queda do homem possui algo de algo bom, e a visão de uma interação dramática de Deus com os homens em eventos históricos humanos (194). Assim, sobre a cultura humana, eles creem que pode ser “transformada a vida humana para a glória de Deus” através da graça de Deus (196).

Na prática, essa visão significa que atuamos na cultura para o seu melhoramento, porque Deus, de fato, teve alguma ação na criatividade humana, e foi bom (e pode ser bom). Trabalhamos também para a sua transformação porque, enquanto há pecado na cultura, nem tudo está perdido, há esperança através de Cristo, para a redenção das culturas. Além disso, nós venceríamos o pecado, não fugindo ou lutando contra ele diretamente (como que se concentrando no diabo), mas sim com os nossos olhos em Jesus, nosso desejo de sermos motivados e orientados por Deus, ajudará a derrotar o pecado (concentrando em Cristo, e pensando em tudo o que é excelente).

 

  1. Um “Postscript não-científico conclusivo”

Niebuhr termina seu livro reclamando por uma decisão. Isso não é porque creia que a última opção é a melhor apresentada e a mais lógica; pelo contrário, ele acredita que as respostas para o contínuo problema permaneçam “inconclusas e inconclusivas”, que pode ser prorrogado indefinidamente (230). Dizendo que a teoria possa persistir continuamente, ele propõe que passemos da “consideração para a ação, da visão à decisão” (233). O problema de Cristo e da cultura não pode ser respondido através do estudo, mas no domínio das “decisões livres de indivíduos crentes e comunidades responsáveis” (233).

Este capítulo não é, portanto, uma conclusão tradicional em que outro resume a sua perspectiva. Niebuhr não recorre para uma ação social simples/acrítica. Ele propõe cautela de três coisas para orientar nossa ação.[3] Niebuhr argumenta que precisamos estar cientes do relativismo/natureza culturalmente condicionada por nossas ações. Ele diz que, dado que temos “conhecimento parcial, incompleto e fragmentado”, precisamos ter uma opinião mensurada (que não seja muito otimista) sobre a nossa capacidade de se envolver na cultura para o Senhor. Estamos limitados pelo nosso “conhecimento técnico” e “compreensão filosófica”, e, consequentemente, as nossas decisões para/e neste mundo complexo são coloridas por nossas limitações (235). Também Niebuhr enfatiza que não temos atos isolados ou apenas em nós mesmos. Em vez disso, agimos como crentes, com um propósito mais elevado, agimos no momento presente (história) com consequências reais e que resulta numa recompensa eterna.

A saída desta relatividade, e nossa ação, afirma Niebuhr, é a fé. À luz de Jesus Cristo, nós fazemos nossas “confissões e decisões com confiança e humildade que aceitam realização e correção e até conflito com outros que estão na mesma relação com o Absoluto” (238). Isto é porque “fé no Absoluto, como é conhecido em e através de Cristo, torna evidente que nada que eu faça ou possa fazer na minha relativa ignorância e conhecimento, … será correto sem a realização, correção e perdão de uma atividade da graça que opera em toda a criação e na redenção” (238-239). Esta não é uma posição de preguiça, mas reconhecendo que, na nossa fidelidade (para tentar transformar a cultura), confiamos na graça que mudará nossas mentes e atuará dentro e através das nossas limitações (241).

Em seu último parágrafo, Niebuhr diz:

“Fazer nossas decisões com fé é fazê-las em vista do fato, de que nenhum homem, período histórico, grupo é a igreja; mas que existe uma igreja da fé na qual fazemos o nosso trabalho parcial e relativo a qual somamos. É para torná-las [nossas decisões] em vista do fato de que Cristo ressuscitou dos mortos e não é apenas o cabeça da igreja, mas o redentor do mundo. É para fazê-los, em vista do fato de que, o mundo da cultura – a realização do homem – existe com o mundo da graça – o Reino de Deus” (246).

 

Continuando o estudo do tema Cristo e Cultura, recomendamos a leitura:

  1. Michael Horton, O Cristão e a Cultura (São Paulo, Editora Cultura Cristã).
  2. D.A. Carson, Cristo e Cultura – Uma Releitura (São Paulo, Edições Vida Nova).

 

NOTAS:

[1] O livro Christ and Culture, publicado originalmente em 1951, foi traduzido e publicado, no Brasil, pela Editora Paz e Terra, em 1967.

[2] Deve-se cuidar para não confundi-lo com seu irmão Reinhold Niebuhr. Para leitura biográfica de H. Richard Niebuhr, veja Juan Bosch, ed., Diccionario de Teólogos/as Contemporáneos (Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2004), pp. 706-709 e Walter A. Elwell, ed., Enciclopédia histórico-teológica da Igreja Cristã – em 1 volume (São Paulo, Edições Vida Nova, 2009), vol. 3, pp. 20-21.

[3] Por razões de simplicidade, estou reorganizando sua ordem para expressar melhor o que eu acho que ele está dizendo.

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