Fantasias boas e fantasias más

Por Gene Edward Veith Jr.*

Os livros de Harry Potter talvez sejam o maior sucesso até hoje na história da literatura infantil. Essa série, escrita por uma autora britânica chamada J.K. Rowling, foi traduzida em 35 idiomas e lidas em 220 países.[1] Chegou ao topo dos campeões de venda em todo o mundo com a marca de quarenta e um milhões de exemplares distribuídos.[2] No Brasil, os livros da série Harry Potter ocupam os três primeiros lugares de venda.[3] Os dois primeiros volumes, por exemplo, atingiram a casa dos 200 mil exemplares vendidos. É a primeira vez que um só autor consegue conquistar tal posição.

Os maiores compradores desses livros campeões de venda são, obviamente, as crianças. Muitas delas, segundo consta, ao comprarem um exemplar dessa série, estão lendo pela primeira vez um livro na vida. Pais e mestres afirmam que a série Harry Potter está levando milhares e milhares de jovens aos prazeres da leitura. Os meninos, em especial, que usualmente são mais resistentes à leitura que as meninas, estão desligando a TV e os videogames para dedicar tempo ao suposto bom livro. Os jovens que antes eram condicionados a passar horas e horas em frente à televisão estão se dedicando intensamente à leitura de uma série com nada menos que 700 páginas.

Quem vê isso pensa logo em boas notícias. Mas não é bem assim. Um dos aspectos das histórias de Harry Potter faz com que os pais cristãos se sintam mal. A série fala de uma escola para bruxas. Harry é um pré-adolescente bobo e totalmente infeliz, criado por padrastos que o desprezam. Por fim, ele vai para a Academia Hogwarts [Verrugas de Javali], um internato mágico. Lá aprende a lançar sortilégios e transforma-se num superatleta ao participar, voando, de uma corrida de vassouras, além de desfrutar de aventuras fabulosas.

Nestes tempos, quando a verdadeira bruxaria está em voga, com as convenções de Wicca (bruxaria) reconhecidas nos campi universitários da Europa e da América do Norte como mais um ministério legítimo entre estudantes, essas narrações passam a ideia de que a feitiçaria é algo atraente. É verdade que as bruxas que voam montadas em vassouras não deixam de ser uma ilustração dos personagens das histórias infantis. Não se tratam, logicamente, das deusas neopagãs e dos adoradores da natureza da Wicca. Mas não é por isso que os pais cristãos devem deixar de se preocupar com os seus filhos adolescentes: a leitura da série Harry Potter está a um pequeno passo entre o fascínio pelo personagem desses livros e o envolvimento aberto com o ocultismo.

Harry Potter é só um exemplo de como a juventude de hoje está nadando na fantasia. Os videogames, apesar de sua alta tecnologia, frequentemente retratam âmbitos arcaicos de espadas e feitiçaria. Na TV, envolvem-se com Xena, a princesa guerreira; Buffy, a caça vampiros e Sabrina, a bruxa adolescente, além de programas e novelas que evocam o ocultismo. Os filmes de grande popularidade entre as crianças, os adolescentes e os jovens são frequentemente fantasias com toques de ficção científica, como por exemplo, a série Guerra nas Estrelas.

Na realidade, a fantasia sempre teve participação fundamental no entretenimento infantil, seja de modo maléfico ou sadio. Hoje em dia, portanto, destaca-se mais o seu lado maléfico, infelizmente. A fantasia é um recurso que, se não for bem usado, prejudica e muito. Se por um lado algumas histórias infantis estão eivadas de insinuações feministas, por outro, muitos autores procuram transmitir valores honestos, demasiadamente tradicionais.

Alguns dos melhores escritores cristãos, de John Bunyan a C. S. Lewis, têm empregado e defendido o gênero literário da fantasia. O Peregrino, de John Bunyan [publicado pela Editora Mundo Cristão], e as Crônicas de Nárnia [publicados pela editora Martins Fontes], de Lewis, têm ajudado milhares de crianças e seus pais a compreender o evangelho.

O problema não está na fantasia, que nada mais é do que um simples exercício de imaginação. Uma obra que lança mão desse recurso pode moldar a criatividade imaginária do público, tanto para o bem quanto para o mal. O desafio é saber discernir a diferença entre a fantasia boa e a fantasia má, e reconhecer não somente o seu conteúdo, mas também o seu efeito sobre o leitor.

O que torna uma fantasia diferente da outra? Como o leitor ou seus pais podem perceber essa diferença? Julgando o seu conteúdo. E isso envolve perspicácia para entender como funciona a fantasia e discernimento para reconhecer seus efeitos.[4]

 

Fantasia e realidade

A solução não é simplesmente repudiar as obras de fantasia e favorecer as realistas. Poderíamos argumentar que livros realistas atuais para crianças são mais negativos em seus efeitos do que as fantasias da série Harry Potter. Livros como Heather tem duas mamães, de Leslea Newman e Diana Souza, e O companheiro de quarto do papai, de Michael Willhoite, são tentativas realistas de legitimar a prática homossexual entre crianças de quatro a oito anos.

Outras obras desse gênero literário lidam com divórcio, abuso de crianças e sexo. Títulos populares escritos para adolescentes incluem tratamento favorável ao abuso de drogas, fuga de casa, suicídio e relação sexual extraconjugal em todas as suas formas.[5] O mundo realista de hoje é constituído de pais cruéis, rebelião moral e autocomiseração dos adolescentes. A moda do realismo nos livros infantis não passa de um pretexto à doutrinação politicamente correta, à invectiva antifamília e à narrativa eivada de problemas de angústia.

O psicólogo cristão William Kirk Kilpatrick demonstra como as histórias infantis podem ajudar as crianças em sua educação moral. Elas aprendem que a virtude é atraente e a iniquidade, repulsiva. Não assimilam isso pelos preceitos abstratos das histórias, e muito menos pelos exercícios de clarificação de valores ensinados nas escolas, mas ao torcerem por seus heróis virtuosos e imitarem o comportamento deles.[6]

Parece que a proposição inversa também é verdadeira. Se algumas histórias tornam a virtude atraente, outras, no entanto, elevam, de igual forma, o vício. Assim como qualquer ferramenta, a literatura também pode ser usada para o bem ou para o mal. Se o propósito é ensinar a criança a não mentir, nada melhor do que o livro O menino que gritava “lobo”!, e outras fábulas de Esopo que, apesar de seus animais falantes, transmitem noções certas de trabalho esforçado (A formiga e a cigarra) e da persistência (A tartaruga e o coelho).

Não seria errado dizer que os cristãos primitivos inventaram a fantasia, ou a ficção, por meio de suas atitudes com os mitos. Para eles, os mitos não eram verdadeiros, e os mantinham em seu currículo educacional como meras histórias.

Conforme observa Werner Jaeger, foram os cristãos que, finalmente, ensinaram aos homens a avaliar a poesia por um padrão puramente estético, padrão este que os capacitou a rejeitar a maioria dos ensinos morais e religiosos dos poetas clássicos como falsos e ímpios, mas sem deixar de aceitar os elementos formais da sua obra como sendo instrutivos e esteticamente agradáveis.[7]

Os pagãos não acreditavam que as sagas dos seus deuses não passavam de mitos, mas achavam-nas verdadeiras. Aos cristãos, no entanto, seria idolatria acreditar que Ícaro realmente voou tão alto em asas confeccionadas de cera, derretidas, depois, pela carruagem do deus-sol. Uma vez que fique claro que o deus-sol não existe e que essa história nunca aconteceu, ela pode ser apreciada de modo diferente, como uma ilustração do que pode acontecer com a soberba humana.

As crianças com forte senso ficcional e sabedoria para distinguir a diferença entre a fantasia e o mundo real estão inoculadas contra a maioria dos efeitos nocivos desse tipo de enredo. Quando, porém, a criança passa a considerar o mundo real como fantasia, aí sim surgem os problemas. Mas se ela compreender a diferença entre ficção e realidade, então as histórias de todos os tipos tornam-se objeto de ensino e recreação.

 

Os dois tipos de escape: o bom e o mau

A fantasia é acusada de muitas coisas, e uma delas é de ser mero escapismo. No âmbito intelectual e cultural, que reconhece apenas aquilo que pode ser visto, tocado e medido, talvez a fantasia seja um toque necessário e especial. Isto porque será um instrumento que despertará a imaginação das pessoas para a saudade, a beleza, o heroísmo moral e os ideais transcendentes. Ao agir na consciência dessa maneira talvez o ser humano seja acordado para a existência de alguma coisa a mais nesta vida do que apenas um universo estreitamente material de átomos zunindo.

Na verdade, as histórias infantis não são tão-somente meros preceitos abstratos; pelo contrário, são atitudes e percepções que penetram profundamente na imaginação e ajudam a formar o caráter.

O psicólogo infantil Bruno Bettelheim relata como descobriu a utilidade das histórias infantis no tratamento de crianças marcadas por traumas a abusos. Ele sustenta que as partes assustadoras dessas narrações preveem os temores que as crianças têm na realidade (como no caso de João e Maria, cujos pais não podiam sustentá-los. As crianças realmente se preocupam com esse tipo de situação!). Em seguida, o autor mostra que, a despeito das provações (perder-se no bosque) e das tentações (não comer a cama feita de doces!), as crianças descobriram, por meio do coração e da ação virtuosa (a bruxa é vencida pela esperteza deles), que poderiam viver felizes para sempre.[8]

Embora boa parte da literatura infantil contemporânea procure projetar um mundo doméstico seguro, e insista que as historinhas sejam depuradas de suas partes assustadoras e de seus castigos severos, Bettelheim adota uma posição diferente: Os adultos acham frequentemente que o castigo cruel de uma pessoa maligna numa história infantil perturba e assusta desnecessariamente as crianças. A verdade é bem contrária a esse conceito e semelhante retribuição deixa a criança sentir confiança de que cada crime receberá seu devido castigo. Muitas vezes, a criança se sente injustiçada pelos adultos e pelo mundo em geral, e parece-lhe que nada é feito para remediar a situação. Baseando-se exclusivamente nessas experiências, deseja que aqueles que trapaceiam e degradam sejam castigados com a máxima severidade. Caso contrário, a criança acha que ninguém leva a sério a ideia de protegê-la; mas quanto mais severo o castigo aplicado àquelas pessoas más, tanto mais segura a criança se sente.[9]

O mundo das histórias infantis é um âmbito de ordem moral rigorosa. Quando usadas corretamente, as fantasias podem ajudar a instilar a ordem moral na personalidade da criança.

 

Fantasiando o mal

Posto que as fantasias podem ter um efeito benéfico ao estimular a imaginação de modo construtivo, não podemos nos esquecer que seus efeitos também podem ser negativos. Se certos contos passam a ideia de que o heroísmo moral é algo atraente, outros, podem levar as pessoas a conceber pensamentos malignos.

Alguns pais levantam objeções contra o livro de C.S. Lewis, O leão, a bruxa e o guarda-roupa, simplesmente porque ele contém uma feiticeira. Não levam em conta em consideração o fato de que tal personagem é descrita como uma vilã repulsiva, um símbolo do diabo e suas tentações. Esquecem-se de que o livro é uma poderosa alegoria do evangelho. Acreditam que a obra (por causa da existência de uma bruxa) e seus leitores sejam defensores e participantes do ocultismo. Será que para tais pessoas um panfleto falando contra a bruxaria é uma obra do ocultismo só porque menciona essa palavra: bruxaria?

O mesmo acontece com as histórias que contém violência. Pode haver uma trama sem algum tipo de conflito? Não existe história em que todos vivem felizes para sempre. Forçosamente, tem de haver algum tipo de problema, algum obstáculo a ser vencido, algum embate, quer seja externo (os bons contra os maus), quer seja interno (uma decisão do personagem), ou os dois. As fantasias tendem a exteriorizar os estados interiores e/ou a simbolizar as ideias de forma concreta.

Assim, o conflito é sempre apresentado como algo externo nas histórias infantis. Ou seja, ele é manifestado através das lutas contra os monstros, nas batalhas e duelos de cavaleiros com armaduras. Tudo isso, portanto, pode ser caracterizado como violência. Mas, sem conflitos, só podem haver descrições insignificantes. Os conflitos imaginativos das histórias ensinam a moralidade e edificam o caráter.

Atualmente, são os humanistas liberais que negam a diferença real entre o certo e o errado, e o conflito entre eles. E por isso levantam as objeções mais vociferantes contra a violência nas histórias infantis. Matar um dragão viola os direitos dos animais; o salvamento de uma princesa nada mais é do que interesse sexual.

As fantasias, juntamente com todas as demais formas de literatura, devem ser avaliadas segundo seu significado e efeito. Que tipo de relevância a violência possui? Ela dramatiza o conflito entre o bem e o mal ou glorifica o papel dos fortes que aterrorizam os fracos?

Que efeito a violência tem sobre o leitor? Deixa-o menos propenso a lesar as pessoas na vida real? Ou, pelo contrário, desperta os prazeres da crueldade ou do sadismo?

O ponto de vista do personagem principal da história é digno de uma análise apurada. As histórias tradicionais quase sempre representam o ponto de vista do mocinho, do homem bom (Nas histórias realistas mais complexas, com algum conflito interno, o personagem talvez não seja tão singelo, e o enredo pode fixar-se apenas em luta moral. As tragédias retratam um personagem nobre cuja derrocada foi provocada por uma falha moral; mas, nas fantasias, os personagens normalmente são mais simples). As histórias contemporâneas dificilmente prendem o leitor ao pondo de vista de um personagem maligno.

Nos videogames modernos, destaca-se o jogo do Atirador na Primeira Pessoa. Esse tipo de jogo interativo apresenta a ação através dos olhos de um personagem da história, que é justamente o jogador. O vídeo procura retratar aquilo que o personagem estaria vendo. O jogador é um atirador porque é colocado no papel de um assassino em série que anda a passos largos por uma paisagem virtual, levantando sua arma e alvejando suas vítimas, detonando-as.

Alguns desses jogos se acham nos salões de tiro com alta tecnologia, visando alvos humanos. Ao participar desse jogo, o atirador sente a sensação imaginária de ser assassino em série. Aliás, conforme já foi bastante noticiado, os assassinos columbinos gostavam de jogos desse tipo e, posteriormente, encenaram esses jogos na vida real.

Dizem que o número de jogadores que literalmente encena esses jogos na vida real é minúsculo. Os cristãos, entretanto, sabem que não são apenas as ações, mas também os pensamentos e imaginações do coração que corrompem moralmente. O próprio Jesus enfatizava que Deus julga os pensamentos da mesma forma que julga as ações. O adultério cometido no coração viola o mandamento de Deus, ainda que jamais seja posto em prática. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo; e qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno (Mt 5.21-22). Ouviste que foi dito aos antigos: Não cometereis adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela (Mt 5.27-28).

As nossas fantasias pessoais, tais como as literárias, são de suma importância espiritual. As fantasias pornográficas e as imaginações sobre como machucar as pessoas são extremamente prejudiciais a nós mesmos. Elas corrompem o coração.

 

O caso de Harry Potter

O que, portanto, os cristãos devem pensar do grande sucesso da moda Harry Potter? Entre outros motivos, as crianças se apaixonam por esses livros porque suas mentes estão subnutridas e, empregando a metáfora de Tolkien, suas imaginações estão como que aprisionadas, ansiosas por uma via de escape.

As escolas, muitas vezes, trancam as crianças num currículo politicamente correto, esforçando-se zelosamente para inculcar na consciência delas problemas sociais reais e deprimentes. Seus livros-textos são materialistas. Os textos científicos asseveram o sistema naturalista do evolucionismo. Os históricos atacam as últimas sobras dos ideais cristãos. Os literários desenvolvem histórias de problemas e dilemas morais. Não é por nada que as crianças odeiam ler.

A popularidade dos livros Harry Potter não está simplesmente no fato de eles serem fantasias (literaturas como esta existem muitas, mas não com tamanha projeção e popularidade). A série fala de escola, de educação. Eis o motivo de seu grande sucesso. Ao lerem a respeito da Academia Verrugas de Javali, as crianças se identificam com o ambiente, e isso lhes dá a sensação de conhecê-la. Ao viajarem na leitura, encontram-se com as panelinhas, as pressões estudantis e, acima de tudo, a luta pela popularidade entre os amigos, algo com que estão bem familiarizadas.

A Academia Verrugas de Javali é uma escola diferente, interessante. Não é como as escolas comuns. Ao invés de simplesmente colocar as crianças sentadas em grupos para que compartilhem seus sentimentos, ensina-lhes coisas maravilhosas: tornar-se invisível, mudar a forma dos objetos com vara de condão (vara mágica) e voar!

As crianças, especialmente as mais perceptivas, podem identificar-se com Harry Potter que, no início, está preso no mundo de Muggle (âmbito material comum e insípido daqueles que não conseguem enxergar o sobrenatural), marginalizado na escola e desprezado pelos padrastos. O desenrolar da história revela que ele era realmente um mágico desde o começo. Mas na Academia, o menino bobo de óculos alcança popularidade! Os fãs de Harry Potter não estão interessados no enredo fantasioso sobre bruxas, mas em se tornarem populares e bem-sucedidos.

O argumento cristão contra Harry Potter é o fato de estar ele em uma escola para feiticeiros. Sabemos que as bruxas não são meras personagens dos enredos fantasiosos. Elas são reais. Sejam elas adoradoras de Satanás ou devotas neopagãs de Wicca. Não importa.

Os defensores de Harry Potter podem ressaltar que as bruxas da Academia Verrugas de Javali nada têm a ver com Wicca ou com algum tipo de feitiçaria de magia negra. Não são iníquas, de modo nenhum, e muito menos pregam qualquer tipo de religião da natureza, como, por exemplo, a Nova Era. As bruxas aqui envolvidas são tiradas das histórias infantis, com suas vassouras e sortilégios. São bondosas (assim como a bruxa virtuosa no Mágico de Oz). A verdade, para tais defensores, é que Harry está aprendendo a ser um mágico, e não um feiticeiro.

Mas isso não importa. Como cristãos, devemos desaprovar esses livros. Nas histórias infantis, as bruxas são tipicamente malignas, o que reforça as nítidas linhas distintivas entre o mal e o bem; ou seja, entre as forças das trevas e as forças da luz. Qualquer coisa que borrar essas linhas é motivo de preocupação.

Harry Potter, no entanto, não apaga totalmente essas linhas distintivas. Existe um poder abertamente maligno na pessoa de Valdemort, uma bruxa realmente ímpia contra a qual Harry e seus colegas de escola estão em conflito durante a série inteira. Alguns enxergam desrespeito para com os pais no péssimo relacionamento de Harry e seus padrastos. Os verdadeiros pais desse personagem foram mortos pela bruxa Valdemort. O amor e a admiração por seus pais são sentimentos importantes no caráter de Harry.

Todavia, essa literatura não está à altura de ser ideal. Ela apresenta um perigo nítido e atual da bruxaria. Os pais cristãos têm razão ao orientar seus filhos a evitar essa série. Se a coqueluche Potter já afetou seus filhos, caro leitor, você deve lidar cuidadosamente com a situação.

Os pais devem deixar bem claro que os cristãos não são Muggles. Em outras palavras, o cristianismo não é uma cosmovisão bitolada, materialista e enfadonha, tal como satirizada nas novelas Potter e ensinada nas escolas. O cristianismo tem um universo aberto, com espaço para o natural e o sobrenatural, para o corriqueiro e o milagroso. O cristianismo reconhece as verdades invisíveis da bondade e da beleza, e acredita numa batalha genuína entre as forças das trevas e as forças da luz. Os relatos bíblicos sobre como Deus se tornou homem, através de Jesus Cristo, a derrota de Satanás, a expiação pelos nossos pecados, mediante seu sacrifício na cruz, a ressurreição de Cristo compõe a história mais maravilhosa de todas as histórias.

A melhor maneira de evitar que as nossas crianças sejam confundidas por Harry Potter e seduzidas pelas fantasias más, o que é muito pior, é colocar à disposição delas a boa literatura, e também a fantasia boa, como por exemplo, o livro O Peregrino, de John Bunyan. Nenhuma literatura, portanto, substitui a Bíblia Sagrada, a poderosa Palavra de Deus.

Veja que maravilha: Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele (Pv 22.6).

 

NOTAS:

[1] Jornal Folha de São Paulo, 12 de agosto de 2000.

[2] Revista Veja, 17 de janeiro de 2001, Lista dos Mais Vendidos, p. 129.

[3] Seleções, Janeiro 2001, p. 46.

[4] Boa parte da matéria é extraída do meu livro Reading Between the Lines: A Christian Guide to Literature (Wheaton, IL: Crossway, 1990), que considera as questões de modo mais pormenorizado.

[5] Ver, e.g., Norma Fox Mazer: When She Was Good, a respeito do abuso de crianças e da fuga de casa; e Brook Cole: The Facts Speak for Themselves, a respeito do assassínio e da pederastia.

[6] William Kirk Kilpatrick: Psychological Seduction (Nasville: Thomas Nelson, 1983, pp. 105-107). Ver também sua obra com Gregory Wolfe, Suzane Wolfe e Robert Coles: That Build Character: A Guide to Teaching Your Child Moral Values through Stories (Nova York: Simon & Schuster, 1994).

[7] Werner Jaeger: Paidéia: Os Ideais da Cultura Grega, trad. Gilbert Higher (Nova York: Oxford University Press, 1965), XXVII-XXVIII.

[8] Bruno Bettelheim: The Uses of Enchantment: The Meaning and Importance of Fairy Tales (Nova York: Knopf, 1976).

[9] Ibid., p. 141.

* Gene Edward Veith Jr. é Deão da Escola de Artes e Ciências e professor de Inglês na Universidade Concordia, em Wisconsin, EUA. É autor de nove livros, inclusive Tempos Pós-modernos: Uma avaliação cristã do pensamento e da cultura da nossa época [publicado pela Cultura Cristã] e Reading Between the Lines: A Christian Guide to Literature. Esta matéria foi publicada no Christian Research Journal do ICP dos Estados Unidos e adaptada pelo ICP do Brasil. Publicada na revista Defesa da Fé, março 2001, pp. 14-24.

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