Epístola dedicatória da Loci Communis 1521 de Philip Melanchthon

TÓPICOS COMUNS DA TEOLOGIA

OU ESBOÇO TEOLÓGICO

1521

Por Philip Melanchthon

EPÍSTOLA DEDICATÓRIA

 

Ao Dr. Tileman Plettener,[1] um homem tão piedoso como instruído, Philip Melanchthon envia suas saudações.

 

Enquanto nos preparávamos para ensinar a Carta de Paulo aos Romanos, no ano passado, metodicamente organizamos seus vários conteúdos sob os tópicos teológicos mais comuns. Este estudo foi intencionado a dar somente um tratamento superficial do assunto, bem como provas do argumento de Paulo, aos estudantes a quem eu estava ensinando privadamente. Mas alguém – não sei quem – o publicou.[2] Quem quer que o tenha feito demonstrou mais zelo que bom senso. É claro que escrevi de tal modo que seja difícil de entender o que estou dizendo sem uma constante referência à Epístola de Paulo. Agora, não posso pegar o livreto de volta – já que foi oficialmente publicado –, e então pensei que seria melhor trabalhar mais nele e revisá-lo, pois em muitos lugares carece de argumentos mais precisos e de revisão. Agora, ao cerne da questão. Apresento aqui os principais tópicos de doutrina Cristã para que os jovens possam saber o que devem procurar, de maneira especial, nas Escrituras, e para que possam perceber quão obscenamente aqueles têm se afastado em todos os assuntos teológicos, que nos deram sofismas aristotélicos em vez de o ensino de Cristo[3]. Mas trataremos de tudo em pequenas porções e mui brevemente, porque estamos fazendo um índice em em vez de um comentário. Estamos simplesmente a compilar um catálogo de tópicos que o leitor deverá consultar enquanto caminha pelas divinas Escrituras, e a ensinar com poucas palavras os fundamentos de toda a doutrina Cristã.

Não faço isso para levar os estudantes longe das Escrituras rumo a obscuros e difíceis argumentos, mas para atraí-los, se possível, às Escrituras. De fato, geralmente, os comentários não têm minha aprovação – nem mesmo aqueles dos antigos. A última coisa que desejo é afastar alguém do estudo das Escrituras canônicas com uma escrita demasiadamente longa. Pelo contrário, não desejo nada além de que todos os cristãos sejam, se possível, completamente versados nas divinas Escrituras somente e totalmente transformados em sua natureza. Pois já que, nelas, a divindade expressou sua mais pura imagem, não pode ser conhecida com mais certeza ou mais intensamente em qualquer outra fonte. Quem quer que procure a natureza do Cristianismo em outra fonte além das Escrituras canônicas engana a si mesmo[4].

Quão longe estão os comentários da pureza da Escritura[5]! Nesta, você não encontrará nada indigno; Naqueles, quantas coisas dependem da filosofia e suposições da razão humana, coisas diametralmente opostas ao julgamento do Espírito! Seus escritores falharam em suprimir sua natureza humana (τὸψυχιϰν) de forma a expirar somente questões espirituais (πνευματιϰὰ). Se você retirar todas as alegorias absurdas de Orígenes, juntamente com a floresta de suas opiniões filosóficas, o que restará?[6] Ainda assim os gregos seguem esse autor quase unanimemente. E quanto aos Pais Latinos, que deveriam ser como pilares, o perseguem.[7] Depois destes autores, é como se fosse o caso de quanto mais recente o escritor, mais corrupto esse é, até que, finalmente, a doutrina Cristã se transforme em um disparate sofista, e seja difícil dizer onde é mais ímpio ou estúpido.[8] Em poucas palavras, é inevitável que escritos de homens frequentemente confundam até mesmo o leitor mais cuidadoso.

Mas se o conhecimento das coisas sagradas é, de fato, profecia, e um tipo de inspiração, por que não recebemos este tipo de literatura através do qual o Espírito flui? Acaso não tem Deus feito todas as coisas através de sua Palavra? Pois como diz o Espírito, ou 1 João 2:27, o Ungido ensinará pela Escritura muitas coisas que os maiores esforços da mente humana não poderiam alcançar. Estamos determinados a nada fazer são ajudar, de alguma forma, nos estudos daqueles que desejam ser doutos nas Escrituras. Se meu livrinho não alcançar tal objetico, que seja justamente destruído, pois não me preocupo com o que pensa o público acerca de uma obra pública.

 

NOTAS:

 

[1] Tileman Plettener ensinou em Stolberg antes de transferir-se para a Universidade de Wittenberg em 1520, accompanhando os seus dois amigos, Wolfgang e Ludwig de Stolberg. Wolfgang foi  eleito reitor da Universidade de Wittenberg no ano seguinte, e Plettener tornou-se o vice-reitor no início do semestre de verão de 1521. Plettener recebeu o seu doutorado em teologia em Wittenberg junto com Justus Jonas, em 14 de Outubro de 1521.

[2] Alguns dos alunos de Melanchthon publicaram suas notas em Romanos sem seu consentimento. A obra aqui referida é Os Pontos Principais, de 1520. Embora alguns tenham entendido que Melanchthon se referia à Introdução Teológica de 1519 (e.g., Maurer 2:103–4), Os Pontos Principais devem ser a referência exata já que são eles, em vez de Introdução Teológica, quem mais se assemelham o Loci e poderiam ser facilmente revisados ao Loci que temos (cf. CR 21:7; SA 2:2).

[3] Sofismas aristotélicos. A referência é à tradição escolástica que começou no século XII e se firmou em Aristóteles com o objetivo de sistematizar a doutrina Cristã. Aqui, Melanchthon ecoa as polêmcias de Lutero. As frequentes condenações de Lutero a Aristóteles e à tradição escolástica são acuradamente resumidas na Tese 29 de sua Disputa de Heidelberg (1518): “Quem quer que deseje filosofar em Aristóteles, sem correr perigo algum, precisa, primeiro, tornar-se um completo tolo em Cristo” (WA 1:355; AE 31:41). Veja também a Disputa de Lutero contra a Teologia Escolástica de 1517 (WA 1:221–28; AE 31:9–16).

[4] Melanchthon havia escrito dois tratados em 1521 acerca da causa da Escritura contra a tradição Escolástica. Seu pseudônimo Oration de Didymus Faventinus pelo Teólogo Martinho Lutero contra Thomas Placentinus e a obra Defesa de Lutero de Philip Melanchthon contra o Decreto Louco dos Teólogos Parisienses sustentaram que a Escritura era a única fonte de doutrina Cristã e criticaram a tradição escolástica (SA 1:56–162). Nessa última, escreve: “O que pode ser mais claro de que nem as universidades, nem os santos pais e nem os concílios podem estabelecer os artigos da fé?” (SA 1:145).

[5] Melanchthon tem em mente os comentários acerca dos Quatro Livros de Sentenças de Pedro Lombardo. Centenas de teólogos Escolásticos comentaram as Sentenças de Lombardo. Nenhum livro, salvo a própria Escritura, tinha mais comentários.

[6] Orígenes de Alexandria (c. 184-254) foi um Cristão Neoplatônico famoso pela sua alegorização do Antigo Testamento. Contida nesta reprovação de Orígenes está uma crítica encoberta a Erasmo, que chama a exegese de Orígenes “um rio de ouro” (AS 3:158) e insistentemente o louva (cf. Timothy Wengert, Human Freedom, Christian Righteousness [Oxford: Oxford University Press, 1998], 59).

[7] Cf. Gálatas 2:9. Para a defesa espiritualizada e panegírica de Jerônimo acerca de Orígenes veja sua Epístola 33 (MPL 22:446–48); cf. Ambrósio, que imita Orígenes em sua Epístola 63, afirmando que “O Antigo Testamento é uma treva espessa e profunda, da qual é possível tirar água somente com muita dificuldade” (MPL 16:1210). Para muitos dos Pais da Igreja, a alegada obscuridade do Antigo Testamento necessitava de uma interpretação alegórica.

[8] Cf. Defesa de Melanchthon contra os Teólogos Parisienses (1521): “O Evangelho tem sido obscurecido, a fé apagada, o ensino de obras aceito e, em vez de um povo Cristão, não somos sequer um povo da Lei, mas da moral Aristotélica, além de contrário a cada intenção do Espírito. O Cristianismo tem se tornado um estilo de vida filosófico” (AS 1:143).

 

Extraído de Philip Melanchthon, Commom Places – Loci Communis 1521 (Saint Louis, Concordia Publishing House, trad. Christian Preus, 2014).

Traduzido por Renan Lima e revisado por Ewerton B. Tokashiki

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