O conceito de “ensino autorizado” e o papel da mulher no culto congregacional

por R. Fowler White, PhD

Professor de NT no Knox Theological Seminary

 

Introdução[1]

Atualmente circulam entre alguns pastores da PCA (Presbyterian Church in America) a expressão “ensino autorizado” e terminologias semelhantes, cunhadas recentemente ao discutirem sobre a propriedade da mulher ensinar/pregar no culto congregacional sob a supervisão dos presbíteros. A expressão deriva da posição defendida em obras como a de Suzan T. Foh, Women and the Word of God [A Mulher e a Palavra de Deus],[2] e a de James B. Hurley, Man and Woman in Biblical Perspective [Homem e Mulher na Perspectiva Bíblica].[3] No centro da discussão está a exegese deles de 1Tm 2:12.[4] No meu entendimento o conceito de “ensino autorizado” é exegeticamente indefensável e não deve ser levado em conta na decisão sobre o papel da mulher na igreja. Consideremos os seguintes pontos.

 

A diferença entre o ensino autorizado e o não-autorizado

Precisamos primeiro esclarecer, nesta discussão, a distinção que existe entre o ensino autorizado e o não-autorizado. A diferença é basicamente esta: “ensino autorizado” é quando se ensina tendo o ofício de presbítero, e “ensino não-autorizado” é quando se ensina sem ter o ofício de presbítero. Foh, Hurley e seus seguidores querem dizer com esta diferenciação que tanto mulheres quanto homens qualificados podem ensinar à igreja sem que detenham o ofício presbiteral. Nesse ponto é preciso que se apresente um bom argumento, porque a diferenciação é crucial, necessária até, para sustentar a posição que permitirá à mulher, sob a supervisão dos presbíteros, ensinar à igreja congregada. Qual é, então, a base desta diferença?

 

A exegese da “atividade única” de 1Tm 2:12

A diferença entre “ensino autorizado” e “não-autorizado” tem as suas raízes numa exegese particular de 1Tm.2:12. A questão interpretação é: em 1Tm.2:12 está Paulo restringindo a mulher quanto a duas atividades (funções) ou quanto a uma única atividade? Isto é, Paulo intenta proibir às mulheres o “ensino autorizado” (uma atividade/função), ou “a não ensinar nem a exercer autoridade” (duas atividades/funções)? Segundo Foh (pp. 125-126) e Hurley (p. 201), Paulo não está falando, por um lado, sobre ensinar e, por outro, em exercer autoridade; mas fala sobre ensinar autoritativamente, fala sobre assumir o ofício de mestre, acerca do engajamento na função habitual de ensino que compete a um presbítero. É assim que Foh e Hurley falam de “ensino autorizado” ou de “o ofício de mestre/presbítero”.

 

Os problemas com a exegese da “atividade única” de 1 Tm 2:12.

Quando, entretanto, observamos em outros lugares, às vezes, em que Foh e Hurley citam 1Tm 2:12, descobrimos que as suas interpretações desse texto são inconsistentes. É certo que o ponto de vista da “atividade única” de 1Tm 2:12 domina o pensamento deles, entretanto, a visão das “duas atividades” transparece quando negam que o presbiterato está aberto às mulheres. Veja primeiro em Foh. Na sua discussão sobre 1Tm 2 nas pp. 125 e 126, ela argumenta a favor do ponto da “atividade única”, relacionando a proibição de Paulo às mulheres ocuparem o ofício de mestre/presbítero. Mais tarde, entretanto, ao argumentar contra a ordenação de mulheres nas pp. 238-240, ela pressupõe uma visão de “duas atividades”, afirmando que 1Tm 2:12 “significa que o ensino e os ofícios de governo da igreja não são acessíveis às mulheres” (p. 239). A sua incoerência é patente. Hurley comete equívoco semelhante. Depois de adotar a visão da “atividade única” na p. 201, ele cita novamente 1Tm 2 na p. 226, colocando lá, no plural: “áreas [ênfase minha] de ensino e de exercício de autoridade sobre os homens”. Essas declarações de “duas atividades” de Foh e Hurley são claramente antagônicas à exegese deles da “atividade única” em 1Tm 2:12. Infelizmente essa dupla visão ocorre precisamente onde eles têm necessariamente que ser claros.

Um segundo problema com o conceito de ensino autorizado de Foh/Hurley é o modo como tratam a sintaxe de 1Tm 2:12 (que constitui a base do conceito). Não se esforçam nem para provar que a sua exegese da sintaxe do texto está dentro do âmbito do uso conhecido. Quanto a essa questão, veja o recente ensaio de Andreas J. Könstenberger. “A Complex Sentence Structure in 1 Timothy 2:12” [A Complexa Estrutura da Sentença de 1 Timóteo 2:12].[5] Ele demonstra que a visão da “atividade única” não tem comprovação sintática que a fundamente. No entanto, há amplo suporte para a visão das “duas atividades”. Semelhantemente, veja o ensaio de Douglas Moo, “What does it mean not to teach or have authority over men? 1 Timothy 2:11-15” [O que significa não ensinar ou exercer autoridade de homens? 1 Timóteo 2:11-15].[6] Embora Moo argumente de modo diferente de Köstenberger, ele afirma clara e precisamente que 1Tm 2:12 refere-se a duas atividades, e não a uma única. Em resumo, há fortes indícios que favorecem a visão das “duas atividades”; por outro lado, não há indícios sintáticos que apoiem a proposição de que 1Tm 2:12 fala apenas da função oficial de ensino do presbítero.

Terceiro, Foh e Hurley ensinam que o ensino e o governo dos presbíteros não estão abertos às mulheres. Concordo, mas só porque, entre outras coisas, estou convencido de que ambas as referências de Paulo sobre o ensino e o exercício de autoridade estão representadas respectivamente, no ensino e no governo presbiteriano da igreja (1Tm 2:12 com 1Tm 5:17). Essas atividades também se manifestam fora do ofício de presbítero, ou seja, o ensino Cl 3:16 e o governo 1Tm 3:4-5. Se, entretanto, me fundamentar na visão da “atividade única” de 1Tm 2:12 para chegar àquela conclusão, privo-me de uma peça crucial da evidência bíblica sobre a qual repousa a minha convicção. Segundo a exegese da “atividade única” Paulo exclui as mulheres de apenas uma única atividade, a saber, da função de ensino autorizado do presbítero. Conforme essa mesma exegese, Paulo não exclui as mulheres de uma segunda atividade, isto é, da função de governo do presbítero. Somente se considerarmos ensinar e exercer autoridade em 1Tm 2:12 como duas atividades teremos de fato a fundamentação bíblica para limitar o ensino e o governo presbiterais aos homens. Se presumirmos a exegese de Foh/Hurley, o texto não apresentará motivo para se excluir as mulheres de ambos os ofícios, tanto o de ensino como o de governo; no mínimo, o ofício de governo estará aparentemente aberto a elas.

Em suma, não se comprova a base bíblica para permitir que a mulher ensine à congregação estando ela sob a supervisão dos presbíteros. A exegese da “atividade única” de 1Tm 2:12 sobre a qual foi assentada é insustentável. Nenhuma base bíblica – exceto essa tal exegese – é apresentada para proibir a mulher de ensinar autorizadamente a igreja reunida, conquanto que a permite fazê-lo não-autorizadamente. Os indícios sintáticos, que dão sustentação à visão das “duas atividades”, não têm sido examinados, nem refutados. Portanto, há um bom motivo para se opor à posição e prática dos que têm citado a exegese de 1Tm 2:12 de Foh/Hurley para justificar que se permita à mulher ensinar à igreja numa posição não-oficial. Ocorra ou não o ensinamento delas no exercício de um ofício, estando ou não sob a supervisão dos presbíteros, não se deve permitir à mulher ensinar a igreja reunida. Essa conclusão harmoniza-se perfeitamente com o ponto a seguir.

 

A analogia das profetisas

Pretexta-se amiúde, seguindo-se a Foh e Hurley, entre outros, que era permitido às profetizas falarem à igreja congregada, e que, portanto, se deveria permitir o mesmo às mestras. Deixe-me aduzir apenas uma breve consideração a esse respeito. A menos que eu esteja por fora de alguma coisa, a visão de Hurley/Foh da mulher e dos dons de falar no NT, apresenta-nos uma igreja na qual o dom de ensinar era exercido segundo um conjunto de princípios e regulamentações diferentes dos dons proféticos e de línguas. O resultado é que as mulheres poderiam profetizar, mas não poderiam ensinar à igreja reunida, pelo menos não oficialmente. Eu poderia argumentar contra Hurley e Foh afirmando que todos os dons de falar (profecia, ensino, etc.) concedidos à igreja são governados pelos mesmos princípios e regulamentações apresentados em 1Tm 2 e 5 (1Tm 5:2; 3:11; 5:9-10, 14; veja também Tt.2:3-5 e 2Tm.1:5) e também mencionados em 1Co 11 e 14 (1Co 11:5 e 14:26-35). Voltaremos, abaixo, a falar dos princípios e regulamentações de 1Tm 5, mas agora observe dois pontos. Primeiro, note que a analogia família/igreja está presente em todos os quatro capítulos. Segundo, considere que em cada capítulo Paulo insiste no ponto de que os diferentes papéis atribuídos aos homens e às mulheres no casamento e na família deveriam estender-se nos distintos papéis assumidos por homens e mulheres na igreja. Se essa interpretação estiver correta, isso significaria que as mestras e as profetizas participavam livremente das reuniões da família de Deus quando ocorria a oração, o cântico, as ações de graças e coisas semelhantes (1Co 11:5 com 14:15-19; cf. At 1:14; 2:17-18); mas quando acontece instruir à igreja reunida por meio do exercício de seus dons, elas ficavam, pelo menos aparentemente, em silêncio (1Co 14:19 com 14:34-35; 1Tm 2:12). Ao mesmo tempo, como “mães” na família de Deus, as mulheres que tinham (ou não) os dons de falar, instruíam outras mulheres, assim como indicam a orientação de Paulo a Tito (Tt 2:3-5).

 

Os mandamentos de “uns aos outros” e o episódio de At 18:26

Alguns podem dizer algo como: “à luz de todos os mandamentos de ‘uns aos outros’ no NT e o exemplo de Priscila ensinando a Apolo (At 18:26), está claro que a mulher pode ensinar, especificamente, à igreja e aos homens que a integram desde que isso ocorra sob a supervisão dos presbíteros”. Mas a apelação aos mandamentos de “uns aos outros” e ao episódio Priscila/Apolo, não torna as coisas tão mais claras quanto sugerem os seus advogados. Primeiro que tudo, precisamos averiguar se o exemplo de Priscila ensinando a Apolo constitui razão para que se permita à mulher ensinar à igreja assim como se permite a qualquer homem não ordenado. As duas situações são claramente distintas e só problematicamente análogas. Por exemplo, as palavras de Priscila a Apolo, faziam parte de uma explanação à qual também contribuiu o seu marido Áquila, e foram ditas num encontro particular entre os três. Certamente que Priscila, ao contrário de Apolo, não é retratada como falando na reunião da sinagoga. Lucas, na verdade, contrasta Apolo falando “ousadamente na sinagoga” (18:26; cf. 18:28, “em debate público”) com Priscila e Áquila que “convidaram-no para ir à sua casa” (NVI; NASB e NKJV: “tomaram-no à parte”) para lhe explicar com mais exatidão o caminho de Deus. Na minha opinião, se estamos procurando por uma melhor analogia entre o episódio de Priscila/Áquila – Apolo e alguma coisa relevante para a igreja, melhor faríamos se olhássemos as palavras de Paulo quanto à mulher falar em casa comparado ao falar na igreja (1Co.14:34-35). Segundo, é claro que os mandamentos “uns aos outros” podem vir a ser citados como base para se permitir à mulher ensinar não-autorizadamente nas reuniões da igreja. Mas se formos utilizar esse tipo de argumentação, alguém poderia citar com igual justificativa o mandamento “sujeitando-vos uns aos outros” em Ef 5:21 e dizer que ele apresenta uma razão para que se permita à mulher exercer autoridade sobre a igreja, e tenha assim a igreja submissa às mulheres pelo menos no papel de presbíteros regentes. Com certeza poderíamos citar 1Tm 2:12 para barrar esse argumento, mas somente se adotarmos a visão das “duas atividades” desse texto. Considere também a importância de 1Tm 5:1-2 para compreender a aplicação dos mandamentos “uns aos outros”, como resumido abaixo.

 

A analogia entre a família e a igreja

No que dá e recebe que caracteriza toda interpretação bíblica, a exegese é inevitável e decisivamente influenciada pelos comprometimentos e pelos amplos padrões de entendimento existentes. A tentativa de identificar e abordar esses fatores de controle é uma maneira tão necessária quanto potencialmente mais proveitosa de se trabalhar na solução das questões em disputa entre nós. Permita-se, nessa última seção, explorar aquilo que creio ser um desses fatores de controle. Embora não seja ele o responsável pela minha aplicação do seu pensamento, devo ao ensaio de Vern Poytress no livro “The Church as Family” [A Igreja Como Família] de “Piper/Grudem, pp. 233-247, pelo que segue. Sou levado a crer que as diferenças existentes entre nós deve-se em grande parte a uma aplicação incoerente do princípio que distingue os papéis atribuídos aos homens e às mulheres no casamento e na família, e que se estende aos diferentes papéis assumidos pelos homens e mulheres na igreja. Segundo Paulo, os princípios fundamentais que governam os relacionamentos na família humana são aplicáveis à igreja como a família de Deus (1Tm 3:15; 5:1-2; cf. 3:4-5).

O seu ponto é que, na casa de Deus, os membros ao se relacionarem são obrigados a levar em conta se os seus coirmãos são homens ou mulheres, velhos ou jovens (1Tm 5:1-2). A aplicação dos princípios de Paulo seria alguma coisa assim. Uma mulher, por mais competente e talentosa que seja, jamais pode exercer a função de pai em uma família humana. Da mesma maneira que uma mulher, por mais competente e talentosa que seja, jamais será autorizada a exercer a função de “pai” na família de Deus. Ela, na verdade, tem permissão para exercer a função de “mãe” na família de Deus (cf. Sara, 1Pe 3:6), e os papéis indicados em 1Tm 5:2; 3:11; 5:9-10, 14; Tt 2:3-5; e 2Tm 1:5. Mas, da mesma forma que os papéis de homem e mulher não são intercambiáveis nas famílias humanas, assim também não o são na família da igreja. Com base na argumentação precedente, a restrição de Paulo quanto aos papéis das mulheres em 1Tm 2:12 são a consequência natural da analogia entre a igreja e a família humana. Da mesma maneira podemos aplicar os mandamentos de “uns aos outros” da Escritura conforme o princípio de 1Tm 5:1-2. Além do que, como sugeri acima, deveríamos interpretar e aplicar o episódio de At 18:26 nos termos de 1Tm 5:1-2 (como também 1Co 14:34-35). Do modo como percebo, a visão que permitiria à mulher ensinar à igreja reunida não enxerga a analogia de Paulo entre a família e a igreja, e permite, como resultado, que a mulher exerça de todas as maneiras, exceto pelo nome, a função de “pai” na família de Deus. Tal visão é, portanto, um rompimento dos princípios fundamentais que governam os relacionamentos entre homens e mulheres na igreja.

 

Conclusões

O texto de 1Tm.2:12 impõe restrições a duas atividades (ensino e governo) e não a apenas uma delas (ensino autorizado). Como tal, o texto não serve para apoiar o conceito de “ensino autorizado” frequentemente derivado dele. Além disso as principais instruções de Paulo em 1Tm 5:1-2 vêm esclarecer o nosso entendimento quanto aos papéis da fala das mulheres de um modo geral, quanto aos mandamentos de “uns aos outros” e sobre a importância de At 18:26. A emergente frequência com que algumas igrejas estão permitindo que as mulheres ensinem (preguem) sob a supervisão dos presbíteros está criando de fato uma categoria de mulheres com função presbiteral. Se a prática continua, as mulheres talentosas que ensinam à igreja irão, quase com toda a certeza, ensinar com tanta frequência quanto os presbíteros regentes e, possivelmente, com muito maior frequência do que eles, e, contudo, vamos ter que continuar dizendo que elas não são presbíteros regentes. Deixe-me colocar o meu ponto de modo diferente: sendo tudo igual, por se permitir que a mulher ensine numa condição não-oficial, tal permissão está, com efeito, criando uma classe de mestres que funcionam como presbíteros docentes e “pais” na família de Deus; conquanto, sejam “mães” na família de Deus e lhes faltem o nome e a autoridade oficial. Aquilo que a Escritura nega de jure às mulheres lhes está sendo concedido de facto. Isso não deveria ser assim. As palavras do pregador em Eclesiastes 3:7b resumem a doutrina de Paulo em 1Tm 2:12 e versos correlatos: quando acontecer de se dar instrução, há um tempo para que as mulheres estejam caladas, e um tempo para que falem. E, coerentemente, confirmemos as mulheres como “mães” na família de Deus, especialmente as dotadas dos talentos da fala, encorajando seus ministérios de ensino para com outras mulheres, e desse modo, mantenhamos os princípios que devem governar, da mesma maneira, a igreja e o lar.

 

NOTAS:

[1] Artigo original em http://capo.org/rfwhite.html .

[2] Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1979.

[3] Grand Rapids: Zondervan, 1981.

[4] Veja Foh, pp. 122-128, 246-248; Hurley, pp. 201, 224-229.

[5] Em A. J. Könstenberger / T. R. Schreiner / H. S. Balwin, eds., Women in the Church, pp. 81-103 [Mulheres na Igreja] Baker Books, 1995. Observe especialmente as pp. 90-91.

[6] Em J. Piper / W. Grudem, eds., Recovering Biblical Manhood and Womanhood, pp. 179-193 [Recuperando a Masculinidade e a Feminilidade Bíblicas] Grand Rapids: Crossway, 1992.

Revisado por Ewerton B. Tokashiki

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