A autoridade dos credos

Por Philip Schaff[1]

 

  1. No sistema protestante, a autoridade dos símbolos, assim como de todas as composições humanas, é relativa e limitada. Não é coordenada com, mas sempre subordinada à Bíblia, como a única regra infalível de fé e prática cristã. O valor dos credos depende da medida do seu acordo com as Escrituras. No melhor dos casos, um credo humano é apenas uma exposição aproximada e relativamente correta da verdade revelada, e pode ser melhorada pelo conhecimento progressivo da igreja, enquanto a Bíblia permanece perfeita e infalível. A Bíblia é de Deus; a confissão é a resposta do homem à palavra de Deus.[2] A Bíblia é norma normans; a confissão de norma normata. A Bíblia é a regra da fé (regula fidei); a confissão a regra da doutrina (regula doctrinæ). A Bíblia tem, portanto, uma autoridade divina e absoluta; a confissão tem apenas uma autoridade eclesiástica e relativa. A Bíblia regula a crença e a prática religiosa geral dos leigos, bem como o clero; os símbolos regulam o ensino público dos oficiais da igreja, como as Constituições e os cânones regulam o governo, as liturgias, os hinários e a adoração da igreja.

Qualquer visão mais elevada da autoridade dos símbolos é não-protestante e essencialmente Romanismo. Símbolatria é uma espécie de idolatria, e substitui a tirania de um livro impresso para o de um Papa vivo. É apto a produzir o extremo oposto de uma rejeição de todos os credos, e para promover o racionalismo e infidelidade.

  1. A Igreja grega, e ainda mais a Igreja Romana, que resguardaram a Bíblia e a tradição como duas fontes coordenadas da verdade, e das regras de fé, reivindicam a autoridade absoluta e infalível para suas confissões da fé.[3] A Igreja grega confina a reivindicação da infalibilidade aos sete conselhos ecumênicos, do primeiro Concílio de Niceia, 325, ao segundo de Niceia, 787.

A Igreja Romana estende a mesma afirmação ao Concílio de Trento e a todas as subsequentes decisões oficiais do Papa sobre questões de fé até o Decreto da Imaculada Conceição em 1854, e o dogma da infalibilidade papal proclamado pelo Concílio Vaticano em 1870. Desde aquela época o Papa é considerado por romanistas ortodoxos como órgão de infalibilidade, e todas as suas decisões oficiais sobre questões de fé e moral devem ser aceitas como definitivas, sem precisar da sanção de um Concílio Ecumênico. É claro que ou a Igreja Grega, a Igreja Romana, ou ambas, devem estar erradas nesta reivindicação de infalibilidade, uma vez que se contradizem uns aos outros em alguns pontos importantes, especialmente na questão da autoridade do Papa, que na Igreja Romana é um articulus et cadentis ecclesiæ, e é expressamente ensinado no credo de Pio V, e nos decretos do Vaticano.

 

O valor e uso dos credos

As confissões, em sua devida subordinação à Bíblia, são de grande valor e uso. Elas são resumos das doutrinas da Bíblia, ajudam na sua compreensão sólida, nos laços de união entre seus professores, nos padrões públicos e na guarda contra falsas doutrinas e práticas. Na forma de Catecismos, eles são de uso especial na instrução de crianças e facilitam uma educação religiosa sólida e substancial, em distinção de excitações espasmódicas e superficiais. O primeiro objetivo dos credos era distinguir a Igreja do mundo, dos judeus e dos pagãos, depois a ortodoxia da heresia e, finalmente, a denominação da denominação. Em todos esses aspectos, eles ainda são valiosos e indispensáveis ​​na atual ordem das coisas. Toda sociedade bem regulada, secular ou religiosa, precisa de uma organização e constituição, e não pode prosperar sem disciplina. Catecismos, liturgias, livros de hinos são credos também na medida em que incorporam doutrina.

Tem havido muita controvérsia sobre o grau de força vinculatória dos credos e sobre as formas de subscrição, quia ou quatenus. Toda a autoridade e uso de livros simbólicos tem sido contestado e negado, especialmente por socinianos, quakers, unitaristas e racionalistas. Objeta-se que obstruem a livre interpretação da Bíblia e o progresso da teologia; que interferem com a liberdade de consciência e o direito de julgamento privado; que eles geram hipocrisia, intolerância e fanatismo; que eles produzem divisão e distração; que perpetuam a animosidade religiosa e a maldição do sectarismo; que, pela lei da reação, produzem indiferentismo dogmático, ceticismo e infidelidade; que a simbolização das Igrejas Luterana e Calvinista do Estado no século XVII é responsável pela apostasia do século XVIII.[4] As objeções têm alguma força naquelas Igrejas do Estado que não permitem liberdade para organizações dissidentes, ou quando os credos são virtualmente colocados acima das Escrituras, em vez de serem subordinados a eles. Mas os credos, como tais, não são mais responsáveis por abusos do que as próprias Escrituras, das quais eles professam ser meramente um resumo ou uma exposição. A experiência ensina que as seitas que rejeitam todos os credos estão sob a autoridade de um sistema tradicional ou de certos escritores favoritos, e tão expostos à controvérsia, divisão e mudança, quanto igrejas com credos formais. Nenhum credo nem não-credo pode ser uma proteção absoluta da pureza da fé e prática. As melhores igrejas declinaram ou degeneraram; e igrejas corruptas podem ser reavivadas e regeneradas pelo Espírito de Deus, e a Palavra de Deus, que permanece para sempre.

NOTAS:

 

[1] Sobre a autoridade e o uso dos símbolos há uma série de tratados latinos e alemães por C. U. Hahn (1833), Hoefling (1835), Sartorius (1845), Harless (1846), a. Hahn 1847), Köllner (1847), Genzken (1851), Bretschneider (1830), Johannsen (1833), e outros, todos com referência especial à Igreja Estatal Luterana na Alemanha. Veja a literatura em Müller, Die SYMB. Bücher der evang. luth. Kirche, p. XV., e as obras mais antigas de Winer, Handbuch der theol. Literatur, 3D Ed. vol. 1. p. 334. Comp. também Dunlop e Chaponnière (parte II.), citado no § 1.

[2] Por esta razão, um credo deve usar a linguagem diferente da Bíblia. Uma sequência de passagens bíblicas por si só, não forma um credo; tampouco uma oração ou um hino. Um credo é, por assim ser, um poema doutrinal escrito a inspiração da verdade divina. Isto pode ser dito pelo menos dos credos ecumênicos.

[3] Tertuliano já fala do regula fidei immobilis et irreformabilis (de Virg. vol. 100.1); mas aplicou-o somente à fórmula simples que é mantida substancialmente no Credo dos Apóstolos.

[4] Essas objeções são notadas e respondidas longamente por Dunlop, em seu prefácio à Coleção de Confissões Escocesas, e nas obras mais recentes citadas na p. 7.

 

SCHAFF, Phillip. Creeds of Christendom: with a History and critical notes. SIXTH EDITION-REVISED AND ENLARGED. Edição do Kindle. Vol. I. United States of America: Delmarva Publications, 2016. cap. 1, § 3-4

Traduzido por Weinne Willan Moreira Santos

Revisado por Ewerton B. Tokashiki

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