Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente – Parte 15

D. O Homem Caído: A Imagem Desfigurada

Na verdade, o que torna o pecado humano realmente grande é o fato de que ele ainda é alguém que traz a imagem de Deus. O que faz o pecado tão hediondo é que o homem está prostituindo dons tão esplêndidos. Corruptio optimi pessima: a corrupção do que é ótimo é pior. – Anthony A. Hoekema.[1]

O coração da rebelião de satanás e do homem estava no desejo de ser autônomo. – F. A. Schaeffer.[2]

A natureza de Satanás consiste em pensar, falar e agir em constante e maliciosa oposição a Deus, o Criador, e, por conseguinte, em oposição ao povo de Deus também. – J. I. Packer.[3]

Por que os nossos primeiros pais foram levados ao pecado em uma atmosfera perfeita?[4] Talvez devido ao “interesse existencial”[5] do problema é que esta pergunta tem atravessado os séculos. A resposta, para mim, é simples e me contento com ela. Não pelo prazer da ignorância, antes, como uma confissão de meu limite dentro da esfera do revelado na Escritura: não sei. O meu não saber não invalida o fato, nem elimina a razão de sua existência, apenas, resume uma ignorância pessoal.[6] E mais: a ignorância nunca deve se servir de um artifício ardiloso, pretensamente, humilde que esconde a arrogância do saber o não saber.

A Palavra relata que Adão e Eva, criados em perfeita retidão, tendo perfeita liberdade de escolha optaram por desobedecerem a Deus e comeram da árvore do bem e do mal que lhes fora expressamente proibida por quem tinha poderes para fazê-lo (Gn 2.15-17).[7]

No Paraíso, Satanás, que por sua própria existência é uma ironia de toda lógica racional, tentou os nossos primeiros pais por meio do desejo, que certamente de alguma forma cultivavam, de serem iguais a Deus. A própria existência de Satanás é uma ironia de toda lógica humana. Eles se esqueceram de todo o histórico de sua relação com o Deus fiel, amoroso, justo e sábio;[8] o seu desejo falou mais alto aos seus corações. O desejo ainda que por vezes momentâneo tende a eternizar-se na brevidade de seu ardor. Aqui eles conceberam o que pode ser chamado de mal moral.[9]

Paulo interpretando o acontecimento histórico registrado em Gênesis, diz: “Mas receio que, assim como a serpente enganou (e)capata/w = desviou, seduziu, desencaminhou) a Eva com a sua astúcia (panourgi/a[10] = “ardil”, “truque”, “maquinação”, “trapaça”), assim também sejam corrompidas as vossas mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2Co 11.3). Novamente: “A mulher, sendo enganada, (e)capata/w) caiu em transgressão” (1Tm 2.14).

O verbo grego[11] tem o sentido de enganar completamente, conseguindo totalmente o seu objetivo. Desse modo, Eva, segundo o texto nos diz, foi completamente enganada por Satanás. Ele se vale de várias estratégias. Quando encontra resistência aqui, tentará por ali. Se ainda não der certo, irá por lá. Não sendo bem sucedido, combina os métodos e se vale de circunstâncias.[12] Assim, quando Eva cede à tentação, está plenamente convencida de que o que faz é certo dentro de seus objetivos duvidosos. Então podemos concluir que a certeza subjetiva não significa necessariamente a correta interpretação dos fatos.

Satanás enganou Adão e Eva. Após isso, os fez crer que a mentira em que creram era a verdade. Satanás, que tem pretensões divinas, fez com que Eva o seguisse e Adão seguisse a Eva. Ninguém seguiu a Deus. O caos se instalara. Nossos primeiros pais demonstraram que acompanharam um novo senhor. As consequências viriam de forma intensamente perceptíveis. A proximidade de Satanás os afastaria cada vez mais de Deus, e, no tempo próprio, que não demoraria, eles se esconderiam da presença do Senhor (Gn 3.8-10).

Pontuemos algumas questões aqui:

Um dos aspectos fundamentais na tentação de Adão e Eva não foi justamente o desejo de conhecer além do que lhes seria permitido? Adão e Eva desejaram a autonomia.   A partir daqui este pensamento vigorará em toda raça humana caída: a sabedoria tem como pressuposto a autonomia. Ter um conhecimento independente e independentemente de Deus.[13] Ser iguais a Deus. Autossuficientes.[14]

Satanás lhes ofereceu uma cosmovisão concorrente onde o ponto de referência não era mais Deus, mas, a divinização do desejo pessoal deles, distante da proposta santa de Deus.[15]  Aqui, quando unicamente dispuseram de total liberdade como criaturas, num ato pensado que revelou o absurdo de sua racionalidade, resolveram desobedecer a Deus em busca do que consideraram ser um salto para a liberdade plena, uma “queda para cima”. Pura tolice. A loucura da desobediência é pródiga em promessas que não pode cumprir e nos abandona em frustração e desespero.

Sobre os alguns de nossos condicionantes que são imperceptíveis e, por vezes, nos iludem com a sensação de liberdade e autonomia, escreve Bavinck:

As direções nas quais o nosso pensamento pode se dirigir não são tão numerosas quanto supomos ou imaginamos. Em nossos pensamentos e ações, somos todos determinados pela peculiaridade de nossa natureza humana, e também cada indivíduo por seu próprio passado e presente, pelo seu caráter e ambiente. E não é raro que aqueles que parecem liderar os outros são, antes, liderados por eles.[16]

O desejo de independência – que tão eloquentemente fala aos nossos corações pecaminosos –, que nos leva a aceitar qualquer aceno secular em detrimento da fé em Deus. Aqui, a tentativa de independência de Deus, ao invés de vida, é morte. “A autonomia humana pecaminosa, longe de ser o caminho para a autorrealização humana, é, em si mesma, uma distorção daquilo que é humano”, comenta Knudsen (1924-2000).[17]

O homem que pretendeu divinizar-se – colocar-se no lugar do Criador – desumanizou-se. Agora já não sabe mais o que é. A história tem demonstrado o fracasso dessa tentativa e, que mais cedo do que poderiam imaginar os mais pessimistas, esse humanismo que pretendia restaurar o homem à sua suposta justa  dignidade é, na realidade, um anti-humanismo. Na tentativa de matar a Deus, o secularismo matou o homem em sua plenitude. Ele passou a ser apenas o resultado de uma evolução casuística, restando apenas um arremedo de nossa real natureza, felizmente ainda preservada em misericórdia pelo Deus vivo, que nos sustenta como sua imagem.

Algo paradoxal aconteceu na queda: O ser que eu mais admiro é justamente o que eu rejeito por meio de minha desobediência a fim de me tornar igual a Ele por via inversa. A lógica seria que eu desejasse me aproximar cada vez mais da sabedoria de Deus por meio da obediência aos seus preceitos. No entanto, mediante a tentação satânica, fui convencido de que o caminho para me tornar tão ou mais sábio do que Deus é o da subversão de sua autoridade, deificando o homem e a sua vontade.[18] Negando a sabedoria de Deus é que conseguirei ser tão sábio quanto Ele.

Temos aqui uma suspeita moral sobre a integridade do ser de Deus. Ele – começam a inferir – não é tão santo, justo e bondoso como quer nos fazer crer (Gn 3.1-5). Houve um pacto simbiótico pecaminoso entre os olhos e o coração (Gn 3.6/Jó 31.7). O caminho do crescimento, pensam Adão e Eva, é o da desobediência. Isso consumado, instalou-se o caos na sua vida, em suas relações e na criação. (Gn 3.7-24). A paz da criação estabelecida por Deus foi quebrada ali,[19] ainda que antes, já estivera trincada no coração do homem e da mulher.

Todos somos essencialmente solidários nesta realidade de Criação e Queda. A história demonstra este fato incontestável. Porém, assim mesmo, o homem vive em um relacionamento direto e contínuo com a eternidade. A Escritura retrata o homem não somente preso ao tempo e à história, mas, também, à eternidade, a Deus que nos criou à sua imagem. Por isso, a despeito do pecado, temos em nós vestígios da glória de Deus na sua imagem que ainda refletimos.

As Escrituras nos mostram com insistência, que é Deus mesmo quem nos instrui (Sl 32.8-9).[20] No entanto, curiosamente, nossos primeiros Pais que tinham a presença contínua de Deus com eles, rejeitaram a instrução divina, preferindo a sabedoria que supostamente viria da árvore no Jardim do Éden.

Narra Moisés: “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento (שׂכל) (śâkal), tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu” (Gn 3.6). Eles desejavam o sucesso por seus próprios meios, mas, conheceram o fracasso por serem guiados simplesmente por suas sensações em oposição à ordem divina.

O entendimento proposto por Deus nunca pode começar por um ato de falta de entendimento que se concretize em desobediência à sua Palavra. Antes, deve começar pela obediência aos seus preceitos. Na obediência, amadurecemos no processo de aprendizado que se deparará com novos desafios e situações novas com as quais teremos de lidar em nossa caminhada.

Em outras palavras, aprendo a obedecer obedecendo. E, enquanto obedecemos, vamos nos afeiçoando à instrução de Deus e experimentando os seus frutos em nossa vida.

A atitude de Adão e Eva, diferentemente, revelou falta de entendimento que se agravaria na concretização consumada deste comportamento carente de fé em Deus. Esse quadro de desobediência só seria revertido definitivamente por meio da obediência perfeita de Cristo, nosso Senhor.[21]

Aqui temos também outra lição preciosa para nós que muitas vezes tendemos a trocar a instrução de Deus por outra, estranha à sua Palavra. Esta é uma tendência normal do homem pecador. Portanto, todos nós sem exceção estamos, ainda que por vezes de modo sutil, dispostos a substituir o Criador pela criatura (Rm 1.25),[22] criando e cultuando a deuses afeitos aos nossos desejos e circunstâncias.

A partir desse novo ponto umbilical de referência, excluindo Deus ou o deixando em um canto, à margem da história e da sua vida, o homem começa a construir entusiasticamente seus ídolos de acordo com a sua nova imagem eticamente caída, à semelhança do que fizera Nietzsche (1844-1900).[23]

Isso consumado, instalou-se o caos na sua vida, em suas relações e na criação. (Gn 3.7-24). A paz da criação estabelecida por Deus foi quebrada ali,[24] ainda que antes, já estivera trincada no coração do homem e da mulher.

Temos aqui o início do humanismo, considerando de forma teórica e prática o homem como centro e medida de toda a realidade.[25] Por isso é que todo humanismo autônomo não passa de um ato idólatra onde Deus é subjetivamente destronado e o homem colocado como centro da realidade, perdendo assim todas as referências metafísicas.

Vanhoozer, inspirando-se em uma antiga pergunta de Richard Dawkins, velho conhecido de McGrath, propõe que o teólogo tem um papel importante na universidade:

Justamente porque estão atentos contra a criação de ídolos, os teólogos também servem de sentinelas contra o reducionismo científico – a tentação que aflige incessantemente o acadêmico. O reducionismo é a concupiscência dos olhos teóricos, o desejo de ser capaz de explicar todos os fenômenos relevantes por meio de suas  próprias ferramentas conceituais – saber como Deus sabe.[26]

O homem, em seu pretenso humanismo autônomo, não consegue encontrar um ponto de integração que confira sentido à realidade. Portanto, o sentimento constante de insatisfação e frustração, como descrito por McGrath:

Deixar de relacionar-se com Deus é deixar de ser completamente humano. Ser realizado é ser plenificado por Deus. Nada transitório pode preencher esta necessidade. Nada que não seja o próprio Deus pode esperar tomar o lugar de Deus. Assim mesmo, por causa da decadência da natureza humana, há hoje a tendência natural de se tentar fazer com que outras coisas preencham essa necessidade. O pecado nos afasta de Deus e nos leva a pôr outras coisas em seu lugar. Essas vêm para substituir Deus. Elas, porém, não satisfazem. E, como a criança que experimenta e expressa insatisfação quando o pino quadrado não se encaixa no orifício redondo, passamos a experimentar um sentimento de insatisfação. De alguma forma, permanece em nós a sensação de necessidade de algo indefinível de que a natureza humana nada sabe, só sabe que não o possui.[27]

Retornando ao Jardim, observamos que a estada abençoadora e alegre de Deus no cair da tarde, tornou-se terrificante e assombrosa. Deus continuava a ser o mesmo. O homem, no entanto não. O pecado nos afasta de Deus, e rejeita a sua presença que, por si só, revela a nossa condição de desobediência, e torna notória a nossa infelicidade conquistada autonomamente.

Na realidade, Adão e Eva desejaram ser independentes. Eles quiseram ter um conhecimento autônomo, sem Deus. Outrossim, queriam ser iguais a Deus, autossuficientes. O limite é, com frequência, o atrativo maior do desejado.[28] Mas, ao mesmo tempo, o limite é o teste de nossa fidelidade e caminho de crescimento.

Na insinuação diabólica, há sempre uma tentativa em apontar que o nosso caminho, a nossa opção é a melhor. A sua proposta sempre se configurará como a mais lógica e atraente. A desobediência a Deus de fato é, com frequência, o caminho que nos parece mais objetivo e prático, além de encontrarmos uma inclinação natural para ele. No entanto, a vontade de Deus para nós é que resistamos a estas tentações e continuemos crendo em Deus e na sua Palavra, seguindo a rota proposta – o caminho de vida por ele traçado para nós.

A heresia normalmente surge assim: Satanás, que cita a Palavra de Deus,[29] insinua que há algo mais profundo e rápido do que o árduo estudo das Escrituras. Ele propicia “revelações especiais”, sonhos, “luz interior”. Ele nos diz que por intermédio destes meios podemos chegar a conhecer mais do que todos os homens. Que, finalmente, descobrimos o “método” de Deus para o nosso “crescimento espiritual”, para adquirir uma visão mais abrangente do mundo que nos circunda. Satanás é o grande divulgador da “autoajuda”.[30] Faça você mesmo sem necessidade de Deus e da sua Palavra. Esta é a sua insinuação.

“Satanás, furtivamente, se move sobre nós e gradualmente nos alicia por meio de artifícios secretos, de modo tal que quando chegamos a extraviar-nos, não nos apercebemos de como o fizemos. Escorregamo-nos, gradualmente, até finalmente nos precipitarmos na ruína”, comenta Calvino.[31]

O alvo constante de Satanás é a Palavra de Deus. Ele procura tirá-la de nós, ou, senão, dar-nos uma visão distorcida do seu teor. No seu argumento, sempre há algo de verdadeiro, contudo a sua dialética, que pode se valer das Escrituras, tem um referencial totalmente excludente onde ele dilui muito bem a fim de dar-nos a impressão de que a sua conclusão é coerente com a Palavra.[32] Como bem disse Bonhoeffer (1906-1945): “A fraude, a mentira do diabo consiste na sua tentativa de fazer o homem acreditar que poderia viver sem a Palavra de Deus”.[33]

Com esse propósito, ele também age por intermédio de falsos mestres, dizendo-nos que pode nos levar à verdade plena muito superior à que nos é proposta pela Escritura. Foi isto que ocorreu na igreja de Corinto: os falsos mestres usados por Satanás fizeram muitos crentes acreditarem que o apóstolo Paulo era desprezível, portanto, não poderia dar-lhes ensinamento profundo. Nós, hoje, sabemos quanto sofrimento o fato trouxe à Igreja e a Paulo, quanta dor e desvios doutrinários e, consequentemente, um distanciamento de Deus ocasionou. Satanás sempre objetiva nos afastar de Deus e, quando creditamos as suas insinuações, ele consegue o seu objetivo.

Como vimos, o pecado é enganoso. Atende num primeiro momento os nossos desejos mas, depois, nos conduz à frustração justamente por nos indispor com Deus e a sua Palavra, unicamente onde temos vida.

Na narrativa bíblica da Criação, lemos: “Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal ([r;)(ra`) (Gn 2.9).

Lemos também a respeito da proibição divina aos nossos primeiros pais: 16E o Senhor Deus lhe deu esta ordem (hw”c’) (tsavah): De toda árvore do jardim comerás livremente, 17mas da árvore do conhecimento do bem e do mal ([r;)(ra`) não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16-17).

Eles desobedeceram. A chave da questão não está na árvore, antes, na desobediência à ordem de Deus: “Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei (hw”c’) (tsavah) que não comesses?” (Gn 3.11).[34]

Observe a ênfase dada à ordem divina. Somente Deus tem autoridade para estabelecer leis e critérios para a sua criação. Na realidade, pouco importaria para Deus o que o homem comeria no Jardim do Éden, exceto pelo fato dele estabelecer a sua proibição como sinal de sua autoridade absoluta, demarcando o limite que caracterizaria a obediência ou não do homem e da mulher, suas criaturas.[35]

Apesar de o pecado ter comprometido, de forma gravíssima todas as faculdades originais do ser humano, o homem não deixou de ser a imagem e semelhança de Deus – porque isto implicaria em deixar de ser homem. Nele “esses atributos ainda estão presentes em ‘pequenas reservas’ remanescentes da sua criação”, escreve Bavinck.[36]

Contudo ele se tornou uma imagem desfigurada, pervertida, desfocalizada, mais propriamente uma “caricatura” do seu Criador.[37] Em outras palavras: continuamos sendo homens, ainda que em franca rebelião contra Deus. Perdemos, assim, algo de nossa humanidade. Agora a sua maneira de perceber a realidade e responder a ela passou por uma mudança drástica, sofreu uma virada antropológica.

O homem deseja satisfazer unicamente seus interesses. A realidade tornou-se egorreferente. A condição de pecador é a expressão negativa por livre escolha, de ser e existir criado à imagem de Deus. A consciência da escolha torna-se real e relevante na condição de pecador. Na obediência em amor, não ocorre a possibilidade da desobediência. O pecado nos identifica como criados à imagem de Deus e, ao mesmo tempo, como alguém que usou terrivelmente deste privilégio.

Calvino (1509-1564), comentando esse assunto, disse que,

Quando de seu estado [original] decaiu Adão, não há mínima dúvida de que por esta defecção se haja alienado de Deus. Pelo que, embora concedamos não haja sido nele aniquilada e apagada de todo a imagem de Deus, foi ela, todavia, corrompida a tal ponto que, o que quer que resta, é horrenda deformidade.[38]

O pecado como consequência da desobediência voluntária do homem (Gn 3.1-6; Is 48.8; Rm 1.18-32), trouxe sobre ele efeitos danosos, tornando-o necessitado de salvação que estava além de sua capacidade em obtê-la.

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 101-102.

[2] F.A. Schaeffer, O Deus que intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 256.

[3] J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 78.

[4] “Apesar de ter sido colocado num Paraíso, cercado de abundantes bênçãos de Deus, o homem escolheu resistir ao direito de Deus de governar sobre ele” (Steven J. Lawson, Fundamentos da Graça, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2012, v. 1, p. 76).

[5] Veja-se: G.C. Berkouwer, Doutrina Bíblica do Pecado, São Paulo: ASTE., 1970, p. 14-15.

[6] “A impossibilidade de se explicar a origem do pecado, portanto, não deve ser entendida como um desculpa, um refúgio para a ignorância. Em vez disso, deve-se dizer aberta e claramente: estamos, aqui, nos limites de nosso conhecimento. O pecado existe, mas nunca será capaz de justificar sua existência. Ele é ilícito e irracional” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 71-72).

[7]15 Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar. 16 E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, 17 mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.15-17).

[8] “O pecado original foi o pecado de esquecer Deus. Adão e Eva deram as costas a Ele – daí os problemas” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 47).

[9] “Mal moral é o mal resultante das escolhas e das ações dos seres humanos” (Ronald H. Nash, O Problema do Mal: In: Francis J. Beckwith, et. al. eds. Ensaios Apologéticos, São Paulo: Hagnos, 2006, p. 247).

[10] Ocorre 5 vezes no NT.: Lc 20.23; 1Co 3.19; 2Co 4.2; 11.3; Ef 4.14.

[11]e)capataw * Rm 7.11; 16.18; 1Co 3.18; 2Co 11.3; 2Ts 2.3; 1Tm 2.14.

[12] “Se formos vigilantes contra Satanás em um ponto da muralha de nosso viver, ele tentará rompê-la em outro ponto, esperando por um momento quando nos sentirmos seguros e felizes, e quando, provavelmente, nossas defesas estarão fracas. Assim prosseguem os seus ataques, o dia inteiro e todos os dias” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 83).

[13] “A serpente estava tentando fazer com que Eva adotasse uma sabedoria autônoma, isto é, sabedoria que já não dependeria de Deus como sua fonte. Em lugar de a admiração por Deus produzir nela uma submissão à sábia vontade dele, a admiração pela sabedoria independente produziu nela rebeldia conta a vontade de Deus” (P. Tripp, Admiração, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 74).  “A essência do pecado dos nossos primeiros pais é que eles queiram ter uma existência autônoma e independente, não mais dependendo ‘de toda palavra que procede da boca de Deus’ (Mt 4.4). De fato, essa referência foi tomada da tentação de Jesus pela serpente no deserto, em que ele desfaz a transgressão de Adão respondendo a ela da maneira correta” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 59).

[14] Tillich (1886-1965), assim define este conceito: “Representa a vida humana vivida segundo a lei da razão em todos os aspectos da atividade espiritual (…). Para os indivíduos, autonomia é a coragem de pensar; coragem de se valer dos próprios poderes racionais (Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX, São Paulo: ASTE, 1986, p. 48).

[15] Veja-se: R.K. Mc Gregor Wright, A Soberania Banida, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 248.

[16]Herman Bavinck, A Filosofia da Revelação,  Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 84-85.

[17] Robert D. Knudsen, O Calvinismo como uma força cultural: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua influência no mundo ocidental, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 20.

[18] Devo parcialmente essa observação ao Rev. Ricardo Rios que, em correspondência privada (08.06.18), disse: “A minha tese é que o ateísmo é uma resposta aos ditames de Deus. Como eu não posso seguir suas ordenanças, eu nego que elas existam.  A autonomia é uma deificação humana”.

[19] Cf. P. Tripp, Admiração, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 22.

[20]Instruir-te-ei (שׂכל) (śâkal) e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te darei conselho” (Sl 32.8). A palavra aqui traduzida por “instrução”, é traduzida também por “entendimento” (Gn 3.6; Sl 14.2; 53.2; 2Cr 30.22); “inteligência” (Jr 3.15); “atentar” (Sl 106.7); “prudência” (1Sm 18.5; Sl 2.10; 94.8; 111.10; Is 52.13); “êxito” (1Sm 18.14,15,30; 2Rs 18.7); “discernimento” (Sl 36.3); acudir (Sl 41.1). A palavra se refere “à ação de, com a inteligência, tomar conhecimento das causas. (…) Designa o processo de pensar como uma disposição complexa de pensamentos que resultam numa abordagem sábia e bastante prática do bom senso. Outra consequência é a ênfase no ser bem-sucedido” (Louis Goldberg, Sakal: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p 1478). Vejam-se: William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament, 3. ed. Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1978, 789-790; Louis Goldberg, Sakal: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1478-1480; Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 74, 224-225.

[21]“Ele [Jesus Cristo] tornou-se o Autor de nossa salvação, visto que se fez justo aos olhos de Deus, quando remediou a desobediência de Adão através de um ato contrário de obediência” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.9), p. 137-138).

[22]20Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; 21porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. 22Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos 23 e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. 24 Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para desonrarem o seu corpo entre si; 25pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!” (Rm 1.20-25).

[23] Vejam-se: F. Nietzsche, Gaia Ciência, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 32), 1974, § 343, p. 219-220; F. Nietzsche, O Anticristo: Ensaio de uma Crítica do Cristianismo, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 32), 1974, § 16, p. 357-358; F. Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, São Paulo: Hemus, 1977, p. 238-239, 264-265.

[24] Cf. P. Tripp, Admiração, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 22.

[25]“A forma extrema da idolatria é o humanismo, que vê o homem como a medida de todas as coisas” (R.C. Sproul, O que é a teologia reformada: seus fundamentos e pontos principais de sua soteriologia, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 33). Veja-se também: R.C. Sproul, A santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 205. Na provável primeira carta que Calvino escreveu depois de ter se fixado em Genebra (1536), alegra-se com o avanço da Reforma e a consequente diminuição da superstição e idolatria. Então diz: “Deus permita que os ídolos sejam erradicados também do coração” (Carta escrita ao seu amigo Francis Daniel no dia 13 de outubro de 1536. In: João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 30). Veja-se também: João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 8, p. 22.

[26] Kevin J. Vanhoozer, A Trindade, as Escrituras e a função do teólogo: contribuições para uma teologia evangélica, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 99. Lembrei-me da figura empregada por Barth (1886-1968):

“Não se pode despedir-se da vida e da sociedade. Elas nos cercam por todos os lados; elas nos impõem questões; elas nos confrontam com decisões. Nós devemos sustentar nossa base. O fato de que hoje nossos olhos estão mais amplamente abertos às realidades da própria vida se dá porque desejamos algo mais. Nós gostaríamos de estar fora desta sociedade, e em outra. Mas isto é apenas um desejo; nós ainda estamos dolorosamente cônscios de que, a despeito de tudo, as mudanças sociais e as revoluções, tudo é como era antigamente. Se fora desta situação nós perguntamos: ‘Vigia, o que há na noite?’, a única resposta que carrega alguma promessa é, ‘O cristão’.” (Karl Barth, A Palavra de Deus e a Palavra do homem, São Paulo: Novo Século, 2004, p. 207-208)

[27]Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 68.

[28] “Os homens pecaminosos nunca se dispõem a andar dentro das fronteiras que Deus impõe às suas criaturas. Em sua arrogância, declaram sua suposta liberdade e reivindicam ser senhores de seus próprios destinos” (Allan Harman, Comentário do Antigo Testamento ‒ Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, (Sl 2), p. 79).

[29]Bonhoeffer, com argúcia, disse que “Também Satanás sabe empregar a Palavra de Deus como arma na luta” (D. Bonhoeffer, Tentação, Porto Alegre, RS.: Editora Metrópole, 1968, p. 52).

[30] Outro mal contemporâneo é aquilo que MacArthur chama de “teologia da autoestima” e “psicologia da autoestima” (Ver: John MacArthur Jr., Sociedade sem Pecado, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 74ss).

[31]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 6.4), p. 151-152.

[32] “O credo alternativo do diabo contém, frequentemente, alguns elementos da verdade, escolhidos com cuidado – mas sempre diluídos e totalmente misturados com falsidades, contradições, deturpações, distorções e qualquer outra perversão imaginável da realidade. E, somando tudo isso, o resultado final é uma grande mentira” (John F. MacArthur, Jr., A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 71).

[33] D. Bonhoeffer, Tentação, p. 60.

[34] “E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara (hw”c’) (tsavah) não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida” (Gn 3.17). O contraste posterior com Noé é evidente. Este, fez tudo quando o Senhor ordenara (hw”c’) (tsavah) (Gn 6.22, 7.5,9,16). Os mandamentos de Deus são para serem literalmente cumpridos: “Tu ordenaste (hw”c’) (tsavah) os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca” (Sl 119.4).

[35] Veja-se: Steven J. Lawson, Fundamentos da Graça, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2012, v. 1, p. 73.

[36]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 18.

[37] Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 87.

[38]João Calvino, As Institutas, I.15.4. Em outro lugar, escreve Calvino: “O primeiro homem foi criado por Deus em retidão; em sua queda, porém, arrastou-nos a uma corrupção tão profunda, que toda e qualquer luz que lhe foi originalmente concedida ficou totalmente obscurecida. (…) Só quando aliado ao conhecimento de Deus é que alguns dos dotes a nós conferido do alto se pode dizer que possui alguma excelência real. À parte disso, eles se acham viciados por aquele contágio do pecado que não deixou sequer um vestígio no homem de sua integridade original” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 62.9), p. 579). “Tão logo Adão alienou-se de Deus em consequência de seu pecado, foi ele imediatamente despojado de todas as coisas boas que recebera” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 2.5), p. 57). “É verdade que ela (a imagem de Deus no homem) não foi totalmente extinta; mas, infelizmente, quão ínfima é a porção dela que ainda permanece em meio à miserável subversão e ruínas da queda” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 8.5), p. 169).

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