O Seminário e a formação de Pastores – Parte 1

Reflexões históricas e teológicas (1)

(A propósito do dia dos Seminários e Seminaristas da IPB)

Quanto à história da Igreja, que se poderia cometer o erro de desprezar, eu devo acrescentar que sua função é enciclopédica: ela tem a honra de ser constantemente requisitada e ocupa um posto legítimo dentro do ensinamento cristão. − Karl Barth (1886-1968).[1]

O trabalho de um teólogo sistemático é reunir a verdade da Sagrada Escritura e apresentá-la de um modo que, pelo poder do Espírito Santo, ilumine a mente e inflame o coração para dirigir toda a vida para a glória de Deus. − Joel R. Beeke e Paul M. Smalley.[2]  

Ali estava uma teologia ancorada nas Escrituras, mas com uma precisão exegética mais evidente do que nos autores mais antigos, e, ao mesmo tempo, combinada com uma devoção que elevava tudo muito acima do nível de uma pura erudição acadêmica. “Tais eram o conhecimento e a experiência que Warfield possuía da verdade, e de Deus em Cristo por meio do Espírito Santo. (…) Mais do que a maioria dos escritores, ele dá uma profunda impressão da glória e da maravilha da grande salvação que desfrutamos” (Murray narrando o profundo impacto da leitura de Warfield (1851-1921), feita por Lloyd-Jones (1899-1981).[3]

O grande perigo é tornar a teologia um tema abstrato, teórico, acadêmico. Ela jamais poderá ser isso, porque é conhecimento de Deus. – D.M. Lloyd-Jones (1899-1981).[4]

 

Introdução

Vivemos num impasse. Como teólogos queremos apresentar uma mensagem relevante para a Igreja e a sociedade na qual vivemos. Sabemos que a genuína Igreja fundamentada na Palavra, com sua ênfase na santidade,[5] tem a sua voz profética para um mundo agonizante em seus referenciais puramente terrenos e bastante vulneráveis à épocas, culturas, modas e circunstâncias.

No entanto, parece que esta voz tem sido abafada em meio a outras vozes que, distantes da plenitude da Escritura, apresentam mensagens de matizes diferentes, ora amparando-se na antropologia, filosofia, sociologia e psicologia de massa, ora – por vezes como decorrência da interpretação da realidade pelo viés daquelas disciplinas –, na promessa final de bens terrenos para seus adeptos. Daí a pregação centrada no gosto do “cliente” que paga por determinado serviço e, com razão, cobra pelos resultados prometidos.

Se em alguns momentos da história a pregação de uma salvação apenas transcendente pode ter sido uma ameaça; agora, de forma mais evidente, a ameaça com a qual a Igreja se depara é a de uma pregação de salvação que consiste simplesmente em bens materiais, conforto, sentir-se bem, etc.

Na adoção dessa perspectiva, o culto transforma-se num momento de catarse coletiva, onde os sentimentos dos participantes são externados por meio de músicas chorosas e vitoriosas (uma espécie de sauna e ducha fria onde os “poros espirituais” [ou emocionais?] são purificados) tendo como fim em si mesmo e, para manter algum contato com o sagrado, a Palavra é lida e algumas amenidades são proferidas de forma cuidadosa para não afastar os clientes de voltarem outras vezes.

Contudo, Talvez haja um outro mal sutil que pode ser uma derrapagem de uma boa ênfase. Há cerca de 25 anos tem crescido um interesse vigoroso pela Teologia Reformada em nosso país.[6] Mais recentemente jovens de várias denominações têm se encantado com essa teologia pelo seu vigor, biblicidade, abrangência e capacidade de dar respostas às suas inquietações. Os cursos de teologia afloram em nosso país, primeiramente presencialmente, depois, no sistema de Ensino à Distância (EAD) ou híbrido. Após a pandemia o processo tem crescido de forma geométrica.

A popularização dos cursos de teologia em alguns aspectos, tem sido nefasto porque alguns pensam que teologia é simplesmente filosofia, sociologia, história, antropologia, psicologia e mais comumente, assistência social. A teologia pode envolver muitos dos conceitos dessas disciplinas, porém, é mais do que isso. O seu fio condutor é a revelação de Deus que trata de questões eternas e, que, portanto, são de extrema relevância para a nossa vida cotidiana.

Nesse período Deus tem levantado irmãos nossos e os capacitado a pregar e ensinar com fidelidade, vivacidade e profundidade. Ainda que não tenham buscado isso, o fato é que pela graça eles têm adquirido notoriedade e respeitabilidade. Nada mais justo.

A Igreja Presbiteriana do Brasil continua investindo significativamente no preparo teológico de seus futuros ministros, visando atender às demandas de nossa denominação e mesmo, beneficiando a outras como, por exemplo, no Curso de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie cujo alunado é essencialmente não-presbiteriano. Ali pode-se oferecer um ensino mais leve, com acomodações ao sistema laico governamental (MEC), sem os rigores acadêmicos e confessionais de nossos seminários.

Algo disso é maravilhoso e, pessoalmente me alegro com o fato de Deus vir concedendo à igreja brasileira tantos talentos que têm contribuído para a edificação da igreja. No entanto, alguns desvios involuntariamente podem estar ocorrendo.

Muitos jovens, ainda que não somente esses, têm se empolgado apenas com aspectos da Teologia Reformada ou do que julgam sê-lo. Assim, a entendem apenas como sendo uma teologia de cinco ou menos pontos. Esse fenômeno, ao que parece, não é exclusividade dos evangélicos brasileiros.[7] Desse modo, transformam a mensagem do Evangelho em debates em que o propósito mais evidente não é levar pessoas a Cristo antes, convencerem seus oponentes, mostrando como o seu sistema é superior e melhor elaborado.

Calvino já nos alertara quanto a esse perigo:

Quão perigoso para a Igreja é esse conhecimento que conduz às controvérsias, ou seja, o conhecimento que ignora a piedade e se preocupa só com a ostentação pessoal. Toda a assim chamada teologia especulativa dos papistas pertence a essa categoria.[8]

Outros, conforme fui alertado recentemente por um jovem pastor não-presbiteriano, têm surgido jovens − “pregadores itinerantes” −, que estão fascinado com a fama e com as ofertas previamente estipuladas para atenderem determinados convites para pregar o Evangelho… Tudo isso em nome de uma boa teologia.

Os momentos de fervor e crescimento trazem efeitos colaterais indesejáveis. Satanás parece ter desígnios extremamente dissimulados aqui. Foi o que ocorreu com Pedro após a confissão de ser Jesus o Cristo, com os anabatistas na Reforma, com grupos extremamente sensualistas no avivamento americano, e, para tomar um exemplo dolorosamente mais próximo, as disputas e divisionismo entre os presbiterianos no Brasil na virada do século 19, quando a igreja estava em pleno desenvolvimento.  Esses são apenas alguns poucos exemplos.

Não podemos arrefecer o ímpeto bíblico doutrinário e evangelístico. Mas, também, é preciso estar atento para não estimular inconsciente mas, não inconsequentemente, desvios teológicos que consistem essencialmente em uma negação da mensagem bíblica.

 

O caráter dialogal de nossa construção

Toda obra tem um caráter dialogal.[9] Por isso, toda a nossa produção é social, ainda que não saibamos mensurá-la precisamente até que ponto. Algumas obras mais explicitamente, outras menos, contudo, nenhuma é elaborada de modo neutro. Portanto, nenhuma pode se ufanar de passar incólume por este processo. Cada época nos diz algo de seus atores e cada ator histórico nos fala direta ou indiretamente do cenário que o inspira, dentro do qual ele foi gerado e nutrido e, de certa forma, ilumina e delimita a sua própria percepção da realidade.

O nosso lugar social privilegia a nossa percepção. O que nos privilegia também nos delimita. A proximidade do objeto nos confere a observação de certas particularidades, porém, certamente perdemos aspectos de sua abrangência.

A distância, por sua vez, pode nos oferecer um quadro mais amplo, porém, determinadas particularidades se tornam mais difíceis de serem percebidas.

Uma visão conjunta, considerando as visões diferentes e complementares de pessoas, lugares e épocas diferentes, ainda que não esgotem o fenômeno, podem nos ajudar a obter uma compreensão mais rica e completa.[10]  Contudo, permanece o fato: Não somos oniscientes. Conhecemos por mediações que conjugadas ampliam a nossa visão, minimizam os erros e omissões, porém, são mediações que também são limitadas. Somente Deus conhece toda a realidade de forma mediata porque tudo lhe é derivado; nada tem existência própria e independente da manutenção de Deus

Com a teologia não é nem poderia ser diferente. A teologia ocorre dentro de um lócus próprio no qual estamos inseridos e, de onde concluímos que somos mais filhos de nossa época do que estaríamos dispostos a admitir.

 

A aproximação teológica e seus condicionantes

Elencando alguns pontos, podemos dizer que o nosso labor recebe influência mais ou menos determinante destes elementos:

1 – Nossos pressupostos. Este é um ponto fundamental.

Como sabemos, todos trabalham com os seus pressupostos,[11] explícitos ou não, consistentes ou não, plenamente conscientes deles ou apenas parcialmente.[12]

A cosmovisão está associada ao sistema de ideias e valores que sustentamos. São uma espécie de “óculos teóricos” que, conscientes ou não, mas que, de alguma forma – mais intensa ou menos intensa; de modo mais elaborado ou menos elaborado, em questões mais simples ou mais complexas da vida[13] – está arraigada em nosso coração, nos permitindo ver o mundo por meio dessas lentes, privilegiando aspectos da realidade,[14] conferindo-lhes significados que, direta ou indiretamente, direcionam a nossa percepção e comportamento, constituindo-se assim, em um “sistema de vida”.[15]

Como as raízes de nosso pensamento estão fundadas em nosso coração, o centro vital do ser humano,[16] nem sempre temos clareza intelectual quanto à direção que seguimos visto que o nosso perceber é influenciado pelo nosso sentir sem que este indique de forma objetiva a sua presença. Cosmovisão é algo mais ou menos profundo, contudo, sempre passa pelo nosso coração![17] O que alimenta e satisfaz o coração determina a nossa compreensão e ação.

Trabalhamos teologia dentro de nossas tradições teológicas que são pressupostos que adotamos. A observação de Van Til (1895-1987) é, portanto, pertinente:

Uma vez que esses padrões ou dogmas da igreja tenham sido aceitos, é desnecessário dizer que o teólogo que escreve uma obra de Teologia Sistemática a escreverá de acordo com a interpretação dada nesses padrões. Dizer que isso obstrui sua liberdade seria dizer que ele não adotou livremente esses credos como membro da igreja.[18]

Os nossos pressupostos se constituem em lentes por meio das quais percebemos a realidade. Mudam-se as lentes porém, nunca enxergamos sem lentes.

2 – O pensamento que explicitamente queremos combater, amenizar ou mesmo enfatizar. Dialogamos com os oponentes de nossa visão e, também, com aqueles que são partidários de uma visão próxima ou considerada semelhante.

3 – O clima de opinião prevalecente, o qual, de forma direta ou indireta, nos oferece diretrizes quase nunca percebidas em nossa empreitada.

4 – O objetivo que explicitamente propomos para o nosso trabalho: quem é o nosso público-alvo?; o que esperamos alcançar com a leitura de nosso trabalho? etc. De modo ilustrativo podemos recordar que João Calvino (1509-1564), por exemplo, escreveu as diversas edições das Institutas em latim e em seguida traduzia para o francês. Com ambos os idiomas e com as respectivas ampliações de seu trabalho, ele tinha propósitos definidos: “Preparar e instruir de tal modo os candidatos à sagrada teologia, para a leitura da divina Palavra, que não só lhe tenham fácil acesso, mas ainda possam nesta escalada avançar sem tropeços”.[19]

Na tradução francesa de 1541 – tradução que, juntamente com outros dos seus muitos e belos escritos, contribuiu para modelar essa língua[20] – no prefácio, diz que a sua obra poderia servir como “uma chave e uma abertura para dar acesso a todos os filhos de Deus para entenderem bem, e diretamente, a Escritura Sagrada”.[21]

No parágrafo anterior justificara:

Redigi-a primeiramente em latim, para que pudesse servir a todos os estudiosos, de qualquer país que fossem, então, ao depois, almejando comunicar o que daí poderia advir de proveito à nossa gente francesa, traduzi-a também para nossa língua.[22]

Deve ser observando, portanto, que quem redige essas anotações também não escapa dos pontos elencados e de muitos outros percebidos ou não. A percepção do objeto não nos livra necessariamente dele. Contudo, nos oferece uma visão mais real e, portanto, humilde de nosso trabalho e compreensivo do labor do outro.

A Teologia Sistemática, ainda que não isoladamente, e a Reforma estabelecem uma conexão de valores e, portanto, de percepção.[23]  A Reforma, como sabemos, reafirma valores, esmera-se por recuperar ensinamentos esquecidos, negados, corrompidos ou empobrecidos, retornando à exegese bíblica a fim de compreender de forma mais clara possível os ensinamentos bíblicos os sistematizando especialmente em suas confissões e catecismos. Obviamente, num primeiro momento, a teologia romana seria o grande outro dos teólogos protestantes. Por isso a menção constante ao que era considerado erro, omissão, exagero e deturpação.

 

A estruturação teológica

Todavia, toda obra é mais do que um diálogo; é a tentativa de estruturação da realidade percebida. Quando laboramos com teologia temos um agravante. Estamos lidando com a Escritura Sagrada, o que consideramos ser o registro infalível da Palavra de Deus. Isso deve causar em nós um reverente temor. Por outro lado, temos um grande e fundamental conforto: cremos na iluminação do Espírito, que nos conduz à Palavra e nos permite compreendê-la adequada e genuinamente.

Calvino (1509-1564) está correto ao ensinar: “Nossa oração a Deus deve ser no sentido de desimpedir nossa vista e nos capacitar para a meditação sobre suas obras”.[24]  Em outro lugar: “O Espírito de Deus, de quem emana o ensino do evangelho, é o único genuíno intérprete para no-lo tornar acessível”.[25]

Cabe a nós submeter o nosso juízo e entendimento à verdade de Deus conforme testemunhada pelo Espírito.[26] Sem o Espírito, todo o nosso trabalho “exegético” será em vão. A genuína exegese tem como pré-requisito fundamental a oração e o espírito de dependência de Deus. Por isso, toda teologia começa e continua sendo um “diálogo com Deus”. Sem este diálogo, toda teologia não passa de “mexerico”. Uma mera “logia” – meros palavrórios inúteis e levianos − sem o conhecimento do “Theós”.

A conceituação apresentada por Witsius (1636-1708) aos seus alunos em Franeker (1675), parece-nos oportuna:

O verdadeiro teólogo é um humilde discípulo das Escrituras. Todavia, tão certo quanto a Palavra de Deus é a única regra de fé, assim também é que nosso teólogo, para que entenda de maneira espiritual e salvadora, deve ser entregue ao ensino interno do Espírito Santo. Portanto aquele que é discípulo das Escrituras também deve ser um discípulo do Espírito.[27]

O nosso desejo deve ser sempre o de expor com fidelidade a Palavra em sua abrangência e vivacidade. Acredito que João Calvino é quem melhor encarna estes ideais, quer como pastor e pregador, quer como exegeta, teólogo bíblico[28] e sistemático,[29] expondo a sua teologia de modo devocional,[30] buscando sempre uma compreensão prática da Palavra que nos conduza à obediência a Deus.[31]

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1]Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 12.

[2]Joel R. Beeke; Paul M. Smalley, Teologia Sistemática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2023, v. 2, p. 17.

[3]Iain H. Murray, A Vida de Martyn Lloyd-Jones 1899-1981: uma biografia, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,  2014, p. 171-172.

[4]D.M. Lloyd-Jones, Uma Escola Protestante Evangélica: In: Discernindo os Tempos, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 389.

[5]Veja-se: John MacArthur, Evangelismo na mão de pecadores: lições no livro de Atos: In: John MacArthur, et. al. Evangelismo: compartilhando o Evangelho com fidelidade, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2012, p. 111-122.

[6]Veja-se o que publiquei em 15 fevereiro de 2019. (https://www.hermisten.com.br/o-choro-bem-aventurado-uma-emocao-contracultural-mt-5-4-10-final/) (Consultado em 08.09.2023).

[7] “O número crescente de pessoas ao redor do mundo está atualmente abraçando somente parte da teologia reformada. Elas afirmam todos os 5 pontos da soteriologia calvinista básica (TULIP) e ensinam de forma cristocêntrica,  e que glorifica a Deus, que a salvação é pela graça somente, mas se apegam a um modo de vida mundano. Esse viver mundano se manifesta de várias maneiras, desde a participação em formas contemporâneas de adoração na igreja não ordenadas nas Escrituras até a busca pela satisfação em formas de divertimento que se chocam flagrantemente com a lei moral de Deus, a qual é o guia para a vida do cristão”  (Joel Beeke; Mark Jones, Teologia Puritana: Doutrina para a vida, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1191). “Infelizmente alguns reduziram a teologia reformada à soteriologia e, quando solicitados a definir teologia reformada, falam sobre os cinco pontos do calvinismo. Precisamos ver a teologia reformada tanto como uma visão do mundo quanto como uma visão da vida” (A.T.B. McGowan, Uma teologia evangélica reformada e missional para o século 21. In: Samuel T. Logan Jr., Org.  Reformado quer dizer missional. São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 239).

[8] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.14), p. 232. “A ambição é sempre contenciosa e nos conduz às polêmicas, de modo que aqueles que desejam aparecer estão sempre prontos a desembainhar a espada a pretexto de qualquer tema” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.20), p. 186). Como os jovens são mais irritáveis, dá uma orientação mais específica: “Os jovens, em meio às controvérsias, se irritam muito mais depressa do que os de mais idade; se iram mais facilmente, cometem mais equívocos por falta de experiência e se precipitam com mais ousadia e temeridade. Daí ter Paulo boas razões para aconselhar a um jovem a precaver-se contra os erros próprios de sua idade, os quais, de outra forma, poderiam facilmente envolvê-lo em disputas inúteis” (João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.22), p. 244).

[9]Mohler, nos Agradecimentos de seu livro, afirma: “Salvo raríssimas exceções, livros representam uma conversa” (R. Albert Mohler, O Desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 9). Barth, no prefácio da sexta edição de seu Comentário aos Romanos (1928), explica que se fosse reescrever seu comentário, resumiria algumas partes e ampliaria outras. Diz então: “Grande parte da estruturação do livro se deveu à minha situação particular e também à situação geral da época” (Karl Barth, Carta aos Romanos, São Paulo: Novo Século, 1999, p. 19).

[10]Sire (1933-2018), em Prefácio à Edição Brasileira, à obra de Nash, disse o seguinte:

“Se realmente conhecermos a nossa própria cosmovisão, se soubermos como ela pode ser comparada a outras cosmovisões e por que confiamos que a nossa é verdadeira, estaremos preparados para nos mover com mais profundidade não só no conhecimento e na compreensão de Deus, mas também no conhecimento das coisas  mais importantes da realidade como um todo” (James Sire em Prefácio à Edição Brasileira da obra de  Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 11).

“Não se pode ver claramente qualquer aspecto de uma época, por mais que se examine, até que se esteja fora desse período e se possa medi-lo por padrões não limitados a ele. O conhecimento da tradição cristã através dos séculos e das culturas dá essa capacidade com relação a todas as questões que preocupam o cristão dos dias atuais. Embora nunca consigamos ser absolutamente objetivos, podemos ser ajudados no exame de nossas pressuposições contemporâneas pelos exames feitos em outras épocas” (J.I. Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, São Paulo; Cultura Cristã, 1998, p. 237).

[11] “Nenhum homem, seja ele um cientista ou não, consegue trabalhar sem pressuposições” (Henry H. Van Til, O Conceito Calvinista de Cultura, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 23). “Até cientistas fazem suposições epistemológicas, metafísicas e éticas importantes. Eles assumem, por exemplo, que o conhecimento é possível e que a experiência sensorial é confiável (epistemologia), que o universo é regular (metafísica) e que os cientistas devem ser honestos (ética). Sem essas suposições, que os cientistas não podem verificar dentro dos limites de sua metodologia, a investigação científica seria logo arruinada” (Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 33).

[12] “Todas as pessoas têm seus pressupostos, e elas vão viver de modo mais coerente possível com estes pressupostos, mas até do que elas mesmas possam se dar conta. Por pressupostos entendemos a estrutura básica de como a pessoa encara a vida, a sua cosmovisão básica, o filtro por meio do qual ela enxerga o mundo. Os pressupostos apoiam-se naquilo que a pessoa considera verdade acerca do que existe. Os pressupostos das pessoas funcionam como um filtro, pelo qual passa tudo o que elas lançam ao mundo exterior. Os seus pressupostos fornecem ainda a base para seus valores e, em consequência disto, a base para suas decisões” (Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 11).

[13]Veja-se: Karl Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, III/3, 11.48, § 2, p. 20.

[14] “Óculos corretos são capazes de pôr o mundo em foco mais claro – e a cosmovisão correta pode funcionar de um modo muito parecido. Quando alguém olha o mundo pela perspectiva da cosmovisão errada, o mundo não faz sentido. Ou o que a pessoa pensa fazer sentido estará, na verdade, errado em aspectos importantes. Aplicar o esquema conceitual correto, isto é, ver o mundo através da cosmovisão correta, pode ter repercussões importantes para o resto da compreensão da pessoa de acontecimentos e ideias”  (Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 27).

[15] Ainda que o dito seguinte tenha um propósito oposto à fé cristã, vejo aqui lampejos da graça comum, possivelmente em um raro momento de sanidade de Gramsci (1891-1937),   que podem ilustrar o que estamos dizendo: “Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte?” (Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020, v. 1, p. 94).

[16] “Assim como o coração no sentido físico é o ponto de origem e de força propulsora da circulação do sangue, assim também, espiritual e eticamente ele é a fonte da mais elevada vida do homem, a sede de sua autoconsciência, de seu relacionamento com Deus, de sua subserviência à Sua lei, enfim, de toda a sua natureza moral e espiritual. Portanto, toda a sua vida racional e volitiva tem seu ponto de origem no coração e é governada por ele” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 19). Para um estudo mais detalhado do conceito de coração na Escritura, veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001).

[17] “Cosmovisões são uma questão do coração” (James W. Sire, Dando nome ao elefante: Cosmovisão como um conceito. Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 181).

[18]Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 4.

[19]João Calvino, As Institutas, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, Prefácio à edição de 1559, p. 38. Ele conclui o Prefácio: “Felicidades, leitor amigo, e se destes labores meus algum fruto colhes, ajuda-me com tuas preces diante de Deus, nosso Pai” No prefácio de Salmos, Calvino explica os motivos que o levaram a escrever as Institutas (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, p. 39-40).

[20]“O livro é um dos primeiros monumentos duradouros da prosa francesa.  De um estilo sóbrio, claro, de uma eloquência incomparável, de uma linguagem firme, de um entusiasmo ardente, de uma convicção imperativa, de uma dialética firmada numa razão rígida, além disso, percebe-se um pouco de graça a fim de amaciar a linguagem difícil e tensa.  Todavia, Calvino “é um dos pais do nosso idioma”, como cita Pasquier, tendo feito pela prosa francesa, o que Lucrécio fez pela poesia latina: suavizou a língua para ela expressar as ideias sérias e duras”  (Léo Claretie,  Histoire de la Littèrrature Française (900-1900), Tome Premier: des origines au dix-septième siècle,  Paris: Socièté d’Èditions Littèraires et Artistiques, 1905, p. 252). “Depois de passados quatro séculos, a voz unânime da posteridade tem consagrado o texto francês das Institutas da Religião Cristã como uma das mais nobres e perfeitas obras-primas da nossa literatura” (Abel Lefranc, Grands Écrivains Français de la Renaissance,  Paris: Librairie Ancienne Honoré Champion, 1914, v. 2, p. 305). Vejam-se também: Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 266; T. George, Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 181-182; T.H.L. Parker, The Oracles of God: An Introduction to the Preaching of John Calvin, Cambridge, England: James Clarke & Co., 1947, (2002) Reprinted, p. 30; Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 100; Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 157-160. Willemart afirma que “Calvino foi, de um certo modo, fundador da prosa francesa com a Institution e seus tratados” (Philippe Willemart, A Idade Média e a Renascença na literatura francesa, São Paulo: Annablume, 2000, p. 43). Schaff (1819-1893) diz que Calvino “escreveu em duas línguas com igual clareza, força e elegância” (Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 267). Vejam-se. também, entre outros, o testemunho do erudito Joseph Scaliger (1540-1609) e dos católicos Etienne Pasquier (1528-1615) em Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 272-274 e Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A Reforma Protestante, São Paulo: Quadrante, 1996, p. 384-386.

[21]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, p. 34. É curioso que no Prólogo da Suma Teológica (c. 1266-1273) de Tomás de Aquino (1225-1274), ele diz: “É nossa intenção, na obra presente, ensinar as verdades da religião cristã de modo convincente à instrução dos principiantes”. Após falar das dificuldades encontradas pelos leitores neófitos na leitura de obras de outros autores – basicamente, prolixidade e assuntos desinteressantes –, continua: “Esforçando-nos por evitar esses e outros defeitos, tentaremos, confiantes no divino auxílio, expor, breve e lucidamente, o que respeita à doutrina sagrada, na medida em que a matéria o comporta” (S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, 2. ed. Porto Alegre; Caxias do Sul, RS.: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Livraria Sulina Editora; Universidade de Caxias do Sul, 1980, v. 1, “Prólogo”, p. 1).

[22]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,  v. 1, p. 33.

[23]O primeiro trabalho de Teologia Sistemática publicado por um protestante foi Loci Communes (1521) escrito pelo luterano P. Melanchthon (1497-1560) (Loci Communes, St. Louis: Concordia Publishing House, 1992). Nele Melanchthon segue a ordem da Epístola aos Romanos (Vejam-se: Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 7, p. 368-370; Herman Bavinck, Reformed Dogmatics: Volume 1: Prolegomena, Grand Rapids, Michigan: Baker Academic, 2003, p. 26-27; L. Berkhof, Introduccion a la Teologia Sistematica, Grand Rapids, Michigan: T.E.L.L., 1932, p. 79). Ele ampliou o seu trabalho nos anos seguintes. A metodologia adotada, no entanto, foi inadequada (Cf. Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, História e Filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 110). A tradução francesa deste trabalho foi prefaciada por Calvino (1546) de quem Melanchthon se tornou bom amigo e correspondente (Veja-se: W. de Greef, The Writings of John Calvin: An Introductory Guide, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 205).  A primeira Teologia Sistemática Reformada, foi publicada em 1525 por Zwínglio,  Comentarius de Vera et Falsa Religione.

[24]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 92.6), p. 465. A Confissão de Westminster declara: “Reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das cousas reveladas na palavra” (I.6).

[25]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 2.14), p. 93.

[26] J. Calvino, As Institutas, I.7.5.

[27]Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020.(Locais do Kindle 247-250).

[28] Alister E. McGrath, Christian Theology: An Introduction, Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1994, p. 71; Alister E. McGrath, A Life of John Calvin: A Study in the Shaping of Western Culture, p. 150-151; Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 458. Reid (1913-1996), acentua: “Calvino era primariamente um teólogo bíblico” (W.S. Reid, Calvinismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 225). Barth diz que os sermões de Calvino “são excelentes explicações da Escritura” (Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 83). Lane diz que Calvino “é o único escritor a pertencer indubitavelmente tanto à primeira linha de teólogos como à primeira linha de comentaristas” (Tony Lane, Pensamento Cristão, São Paulo: Abba Press, 1999, v. 2, p. 19).

[29]Torrance, erudito estudioso do pensamento de Calvino, resume: “Era certamente o destino de João Calvino  ser o pai da teologia moderna e da exposição bíblica moderna. Foi ele quem na sua Instituição da Religião Cristã pôs as fundações para teologia bíblica e dogmática como são agora seguidas, e foi ele quem em seus muitos Comentários sobre os livros do Antigo e Novo Testamento pavimentou o caminho para interpretação sistemática das Sagradas Escrituras no qual muitos grandes eruditos têm se ocupado desde então” (Thomas F. Torrance, The Hermeneutics of John Calvin, Edinburgh: Lindsay & Co. Ltd., 1988, p. 61).

McGrath – mesmo reconhecendo a impossibilidade de se encontrar um “ponto central” na teologia de Calvino ou mesmo, pretender definir a sua obra como um sistema teológico nos moldes medievais, acentuou:  “Ele [Calvino] foi inquestionavelmente um pensador sistemático, que plenamente reconheceu a necessidade de garantir consistência interna entre os vários componentes de seu pensamento” (Alister E. McGrath, A Life of John Calvin: A Study in the Shaping of Western Culture, p. 150).

George chama a obra de Calvino de “enorme tomo e tesouro da dogmática protestante” (Timothy George, Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 178). “Esta obra magistral, que perdura como uma das mais lúcidas e mais vigorosas sumas teológicas da história cristã, espalha-se por toda a Europa.” (André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 192).

Schaff diz que “Calvino foi, antes de tudo, um teólogo”. Ele acrescenta que Melanchthon denominou com grande ênfase a Calvino de “o Teólogo” (Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 260; Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 446. Do mesmo modo ver: Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 112, 117).

O Evangelista João foi cognominado pelos “Pais da Igreja” de “o teólogo”, porque ele tratou mais detalhadamente das “relacionamento interno das pessoas da Trindade” (A.H. Strong, Systematic Theology, 35. ed. Valley Forge, PA.: The Judson Press, 1993, p. 1). Posteriormente, este mesmo título seria dado a Gregório de Nazianzo (c. 330-389), especialmente devido à sua defesa da divindade de Cristo (distinção homologada em Calcedônia, 451). (Cf. Cf. A.H. Strong, Systematic Theology, p. 1; Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 261; W.C. Weinrich, Gregório de Nazianzo: In: Walter A. Elwell, ed., Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1990, v. 2, p. 226; C. Folch Gomes, Antologia dos Santos Padres, 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 245; Gregório Nazianzeno: In: R.N. Champlin; J.M. Bentes, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, São Paulo: Candeia, 1991, v. 2, p. 979).

[30] “A Institutio não é somente uma obra-prima de teologia Cristã; ela é um clássico devocional” [John Murray, Calvin as Theologian and Expositor, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, (Collected Writings of John Murray, v. 1), 1976, p. 311). Veja-se. também: John Murray, em Introdução à tradução americana da Instituição, [Reformation History Library, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 6.

[31] “Em suma, tomemos cuidado de ouvir o ensino que nos é oferecido em nome de Deus. Ouçamo-lo com humildade, sabendo que é Deus quem fala, ainda que pela ação humana e por meio de homens que são desprezíveis segundo a carne; não deixemos de inclinar a cerviz e mostrar que realmente somos suas ovelhas, visto que lhe aprouve ser nosso Pastor” (João Calvino, Sermões sobre Tito,  Brasília, DF.: Monergismo,  2019, (Tt 1.1-4), p. 17). (Edição do Kindle).

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