Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente – Parte 22

E. A Reforma e a divulgação das Escrituras

A Reforma se nos apresenta como um grande conjunto: um grande labor que compreende pesquisas, pensamento, pregação, discussão, polêmica, e organização. Porém, foi mais que tudo isso. Pelo que sabemos, foi também um constante ato de oração, uma invocação e, acrescentemos, uma ação dos homens, de certos homens, ao mesmo tempo que uma resposta da parte de Deus. – Karl Barth.[1]

A Reforma não trouxe perfeição social ou política, mas ela gradualmente gerou um aperfeiçoamento vasto e único. O que o retorno da Reforma aos ensinamentos bíblicos trouxe para a sociedade foi uma oportunidade para o exercício de uma liberdade tremenda, sem recair no caos. – Francis A. Schaeffer.[2]

A Reforma  teve  como  objetivo precípuo uma volta às Sagradas Escrituras,  a  fim de reformar a Igreja que havia caído ao longo dos  séculos,  numa  decadência  teológica, moral e espiritual. A preocupação  dos  reformadores  era  principalmente “a reforma da vida,  da  adoração  e  da  doutrina à luz da Palavra de Deus”.[3] Dessa  forma,  a  partir  da Palavra, passaram a pensar acerca de Deus,  do  homem  e  do  mundo!  “A reforma foi acima de tudo uma proclamação positiva do evangelho Cristão”, sumaria Leith (1919-2002).[4]

O princípio  protestante  do “livre exame” caminhava na mesma direção do espírito  humanista de rejeição a qualquer autoridade externa:[5] as coisas  são  o que são porque são, não porque outros dizem que elas  sejam. Isto é válido para as verdades científicas, como para as  verdades  teológicas: Não é a Igreja que autentica  a Palavra por  sua interpretação “oficial”, mas, sim, é a Bíblia que se autentica  a  si  mesma  como Palavra autoritativa de Deus.[6]  E, é ele mesmo quem nos ilumina para que possamos interpretá-la corretamente.

A questão da interpretação bíblica sempre foi o ponto nevrálgico em toda a história da teologia.[7] Na Reforma deu-se uma mudança de quadro de referência. Por isso, podemos falar desse movimento como tendo um de seus pilares fundamentais a questão hermenêutica,[8] envolvendo em seu bojo a provisoriedade de sua interpretação.[9]

 

Mudança do “eixo hermenêutico”

O “eixo hermenêutico” desloca-se da tradição da igreja para a compreensão pessoal da Palavra, contudo sem desprezar aquela. Há aqui uma mudança de critério de verdade que determina toda a diferença. No entanto, conforme acentua Popkin (1923-2005), Lutero inicialmente confrontou a igreja dentro da perspectiva da própria tradição dela. Somente mais tarde é que ele,

Deu um passo crítico que foi negar a regra de fé da Igreja, apresentando um critério de conhecimento religioso totalmente diferente. Foi neste período que ele deixou de ser apenas mais um reformador atacando os abusos e a corrupção de uma burocracia decadente, para tornar-se o líder de uma revolta intelectual que viria abalar os próprios fundamentos da civilização ocidental.[10]

A Reforma e a tradução das Escrituras

Partindo-se desses princípios, a Reforma onde quer que chegasse, se preocupava em colocar a Bíblia na língua do povo – e neste particular, a tipografia foi fundamental para a Reforma[11] – a fim de que todos tivessem acesso à sua leitura – sendo o “reavivamento” da pregação da Palavra um dos marcos fundamentais da Reforma. “A divulgação da Bíblia na língua vernácula dos povos foi o centro do movimento em todos os países da Europa”, conclui Schalkwijk.[12] Ela foi caracterizada pela “emergência de uma nova pregação”, infere Lienhard.[13]

George sumaria:

Os reformadores queriam que a Bíblia lançasse raízes profundas na vida das pessoas que foram chamadas para servir. A Palavra de Deus não devia ser apenas lida, estudada, traduzida, memorizada e usada para meditação; ela também devia ser incorporada à vida e à adoração na igreja. A concretização da Bíblia foi muito claramente expressa no ministério de pregação, que recebeu nova preeminência na adoração e na teologia das tradições da Reforma.[14]

Os Reformadores criam que se as Escrituras estivessem numa língua acessível aos povos, todos os que quisessem poderiam ouvir a voz de Deus e, todos os crentes teriam acesso à presença de Deus. Portanto, “para eles, as Escrituras eram mais uma revelação pessoal que dogmática”, interpreta Lindsay (1843-1919).[15]

Lutero (1483-1546), em 1520, escreveu:

A alma pode prescindir de todas as coisas, menos da Palavra de Deus, e fora da Palavra de Deus nada mais pode auxiliá-la. Quando, porém, ela possui a Palavra, de nada mais necessitará, pois na Palavra ela encontrará satisfação, alimento, alegria, paz, luz, ciência, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e todos os bens em abundância.[16]

Em 1546, Calvino escreveria:

[A Escritura] é o mais importante  e precioso bem de que dispomos  nesse mundo, uma vez que ela é a chave  que nos abre o reino de Deus e nele nos introduz para que saibamos qual o Deus que devemos adorar e para quê Ele nos chama; (ela) é o caminho certo que nos conduz de tal modo que não vaguemos errantes, de lá para cá, durante todo o tempo de nossa vida; é a norma verdadeira para que possamos discernir entre o bem e o mal e nos exercitar no correto serviço de Deus, para que não ajamos irrefletidamente, indo atrás de mesquinharias de nenhum valor e, por vezes, buscar nossa devoção em coisas que Deus condena e reprova como sendo maléficas.[17]

Calvino entendia que as Escrituras eram tão superiores aos outros escritos que, “Logo, se lhes volvemos olhos puros e sentidos íntegros, de pronto se nos antolhará a majestade de Deus, que, subjugada nossa ousadia de contraditá-la, nos compele a obedecer-lhe”.[18]

 

Analfabetismo generalizado

Contudo, os reformadores esbarraram num problema estrutural: o analfabetismo generalizado entre as massas. A leitura era um privilégio de poucos. A leitura de livros, então, restringia-se a médicos, nobres, ricos comerciantes e integrantes do clero.[19]

É digno  de  nota que antes mesmo do humanista Erasmo de Roterdã  (1466-1536)  editar  o Novo Testamento Grego (1516)[20] e de  Lutero  afixar as suas 95 teses às portas da catedral de Wittenberg  (31/10/1517),  já se tornara visível o esforço por colocar  a  Bíblia  no  idioma nativo de cada povo.[21] John Wycliffe (c. 1320-1384), Nicholas  de Hereford († c. 1420)[22] e John Purvey (c. 1353-1428) traduziram a Bíblia para o inglês em 1382-1384,[23] então idioma dos camponeses.

Coube a Nicholas a tradução da maior parte do Antigo Testamento.[24] Essa tradução que incluía os apócrifos, foi feita diretamente da Vulgata, sem consultar os originais hebraicos e gregos.

Outro  ponto  que  deve  ser  realçado  a esse respeito, é que quanto  mais  os tempos se avizinhavam do século XVI, verifica-se um  desejo mais intenso de ler as Escrituras. Como reflexo disso,  “de  1457  a  1517 são publicadas mais de quatrocentas edições da Bíblia”, informa Biéler (1914-2006).[25]

 

A Tradução de Lutero do Novo Testamento

Lutero  traduziu a Bíblia para o alemão, concluindo o seu trabalho  em outubro de 1534.[26] Se ler uma tradução é como beijar a noiva com o véu, Lutero tratou de tornar esse véu o mais fino possível.  A sua tradução é uma obra primorosa, sendo considerada o marco inicial da literatura alemã.[27] “O resultado foi um frescor de linguagem que tornou Jesus um contemporâneo do século XVI”, comenta Pelikan (1923-2006).[28]

Febvre (1878-1956) diz de forma poética, que o trabalho de Lutero consistiu

Numa assombrosa ressurreição da Palavra.  Estando o mais distante possível de uma fria exposição, de um labor didático de um filólogo. Também, é mais do que um ‘trabalho de artista’ em busca de um estilo pessoal.  É o esforço, sem dúvida dramático, feliz, de um pregador que quer convencer;  ou melhor, de um médico que quer curar, trazer aos seus irmãos, os homens, todos os homens, o remédio milagroso que acaba de curá-lo…..[29]

O sucesso editorial da tradução de Lutero

Os três mil exemplares da primeira edição logo se esgotaram e, em poucos anos diversas edições já tinham sido publicadas em várias cidades da Europa.[30] Entre 1522 e 1524 foram feitas 14 reimpressões do NT. em Wittenberg; e 66 outras em Augsburgo, Basiléia, Estrasburgo e Leipzig. Em Basiléia, Adam Petri publica 7 reimpressões.[31] Calcula-se que durante a vida de Lutero, foram feitas 11 edições,[32] 84 impressões originais e 253 baseadas nelas.[33]

Hill (1912-2003), não sem razão, comenta que, “a quantidade de obras de Lutero que foram vendidas geraria inveja em nossos modernos escritores de romances populares”.[34]

Como é sabido, havia outras traduções do Novo Testamento na língua alemã anteriores à de Lutero; acontece que a sua linguagem era muito imperfeita, sendo inadequada para a leitura do povo. Por outro lado, as Bíblias utilizadas nas igrejas eram latinas e custavam 360 florins. As mais elaboradas chegavam a custar 500 táleres.

O Novo Testamento traduzido por Lutero, foi vendido por apenas 1 ½ florins [= c. 3 francos].[35] Lutero, auxiliado por Melanchthon (1497-1560) e outros eruditos, revisou continuamente a sua tradução, permanecendo nesse labor até o dia da sua morte: “A última página impressa que passou a vista foi a prova da última revisão”, comenta Bainton (1894-1984).[36]

Esta última edição (1545) é considerada a mais importante.[37] A divulgação de sua obra foi extensa. A primeira edição completa da Bíblia foi de 4.000 exemplares.[38]

Cocleau (Cochlaeus) (1479-1552), Doutor em Teologia (1517), violento adversário de Lutero e da Reforma, admitiu:

Novo Testamento de Lutero foi divulgado de tal forma, que também alfaiates e sapateiros, sim, até mulheres e crianças que mal haviam aprendido a ler algumas poucas palavras nas embalagens de um bolo de mel, o liam com grande avidez dentro de suas naturais limitações. Alguns o carregavam consigo por onde andavam e, na medida do possível, o aprendiam de cor. Destarte, eles conseguiam em poucos meses, capacitar-se a discutir, sem constrangimento, com padres e monges aspectos da fé e do evangelho. Sim, houve também o caso de mulheres humildes que tiveram a ousadia de discutir temas religiosos com doutores e homens letrados. Acontecia mesmo, nessas discussões, que leigos luteranos mostravam mais facilidade para citar   .[39]

O impressor Hans Lufft (1495-1584)  durante quarenta anos (1534-1574) chegou a imprimir 100.000 exemplares da Bíblia traduzida por Lutero e, entre (1546-1580) publicou 37 edições do Antigo Testamento.[40]

Febvre (1878-1956) e Martin (1924-2007) dizem que juntando as obras de Lutero – ainda mais populares do que a sua tradução da Bíblia –, “constatamos que, pela primeira vez, constituiu-se então uma literatura de massa, destinada e acessível a todos”.[41]

Estima-se que as obras de Lutero em suas respectivas primeiras edições, se esgotavam em 7 a 8 semanas.[42] Além da sua prodigalidade em números de escritos, Lutero é um sucesso de venda (muitas de suas obras são reeditadas inúmeras vezes num pequeno espaço de tempo).

Mesmo amparando-se em dados “imprecisos”, estima-se que em 1518 a Alemanha publicou 71 obras, sendo 20 de Lutero; em 1519, publicou 111, sendo 50 de Lutero; 1520, 280 obras, 133 do reformador, e assim por diante.[43]

Lindsay diz que, “Quase poderia dizer-se que o movimento da Reforma criou na Alemanha o comércio de livros”.[44] Havia também uma estratégia própria para estas vendas.[45]

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] Karl Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 9.

[2] Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, São Paulo: Cultura Cristã, 2003,  p. 63.

[3] Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 36. “A Reforma nada inventou propriamente falando, porquanto só fez rebuscar e reencontrar as raízes próprias da fé cristã, que mergulham tanto no patrimônio judeu integral do Antigo Testamento quanto na herança dos apóstolos e dos discípulos de Jesus Cristo, que nos é transmitida pelo Novo Testamento. A força dos reformadores consiste em nos ter ensinado um método de reinterpretação sempre nova (com referência a situações históricas cambiantes e a culturas diferentes) da eterna e imutável Palavra que Deus dirige a suas criaturas por meio das Escrituras, dinamizadas pelo Espírito Santo” (André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p. 56-57).

[4] John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 36.

[5] Lacouture (1921-2015), diz que no século XVI, “o livre exame avança nas consciências, em todas as consciências” (Jean Lacouture, Os Jesuítas, Porto Alegre, RS.: L&PM, 1994, v. 1, p. 389). As consequências deste espírito são incalculáveis na formação e transformação de uma cultura. “Ao proclamar, no domínio religioso, o princípio do exame livre (sic), a Reforma atiçou as aspirações à liberdade política. Não é possível limitar esse princípio. Se é proclamado num setor, acaba sempre por transbordar para outro. De fato, muitos protestantes compreenderam muito cedo as conclusões políticas do princípio da liberdade do exame” (Padre R.L. Bruckberger, A República Americana, Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1960, p. 30). “Por toda parte nos países protestantes, o exercício do sacerdócio universal dos crentes na Igreja preparara-os para a prática da democracia na vida política, na atividade parlamentar” (André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p. 95).

[6] Ver: João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 4.12), p. 110.

[7]“Em certo sentido, a história da teologia cristã pode ser entendida como a história da interpretação bíblica” (Alister E. McGrath,  Fundamentos do Diálogo entre Ciência e Religião, São Paulo: Loyola, 2005, p. 15). “As novas estratégias hermenêuticas promovidas pelos primeiros protestantes foram de importância fundamental no estabelecimento das condições que tornaram possível o aparecimento da ciência moderna” (Alister E. McGrath, A Revolução Protestante, Brasília, DF.: Editora Palavra, 2012, p. 369).

[8] “A Reforma Protestante foi em sua raiz um evento do domínio da hermenêutica”  (Edward A. Dowey Jr., Documentos Confessionais como Hermenêutica: in:  Donald K. Mckim, (Ed.).  Grandes Temas da Teologia Reformada, São Paulo: Pendão Real, 1999, p. 13). “A Reforma Protestante foi, em muitos sentidos, um movimento hermenêutico”  (Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e Seus  Intérpretes,  São Paulo: Editora  Cultura Cristã, 2004, p. 159). Veja-se: Alister E. McGrath, A Revolução Protestante, Brasília, DF.: Editora Palavra, 2012, p. 370.

[9] “Um dos princípios fundamentais do protestantismo é sua insistência em que todas as interpretações da Bíblia devem ser consideradas provisórias, e não definitivas; parte da tarefa da igreja é reexaminar continuamente as formas anteriores de interpretar a Escritura a fim de assegurar que elas não desviem para modos sem critério, irrefletidos ou simplesmente errôneos de interpretar esse texto essencial” (Alister E. McGrath, A Revolução Protestante, Brasília, DF.: Editora Palavra, 2012, p. 372).

[10]Richard H. Popkin, História do Ceticismo de Erasmo a Spinoza, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2000, p. 26.

[11]Escolar escreve: “O livro teve uma influência considerável na difusão da Reforma e na fixação das ideias dos distintos grupos que se separaram da Igreja Romana” (Hipólito Escolar, Historia del Libro, 2. ed. corregida y ampliada, Salamanca; Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez; Pirámide, 1988, p. 387). Esta compreensão não quer indicar, por exemplo, que sem a imprensa não haveria a Reforma; a Reforma protestante não pode ser simplesmente rotulada como “filha da imprensa”… (Vejam-se as pertinentes observações de Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, São Paulo: Hucitec., 1992, p. 409 e 447).

[12] Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654),   p. 22,23. Ver também, p. 227,228.

[13]Marc Lienhard, Martin Lutero: tempo, vida e mensagem, São Leopoldo, RS.: Editora Sinodal, 1998, p. 97.

[14]Timothy George, Lendo as Escrituras com os reformadores: como a Bíblia assumiu o papel central na Reforma religiosa do século XVI, São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p.181.

[15] T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico, Barcelona: CLIE., (1985), p. 475.

[16]Martinho Lutero,  Da Liberdade do Cristão: Prefácios à Bíblia, São Paulo: Fundação Editora da UNESP., 1998, p. 27.

[17]Segundo Prefácio de Calvino à tradução da Bíblia feita por Pierre Olivétan (1546):  In: Eduardo Galasso Faria, (Ed.).  João Calvino: Textos Escolhidos,  São Paulo: Pendão Real, 2008, p. 34.

[18] João Calvino, As Institutas, I.7.4.

[19] Veja-se: Steven R. Fischer, História da Leitura,  São Paulo: Editora UNESP., 2006, p. 205-206.

[20]Novum Instrumentum omne, Basiléia: Froben, 1516. A palavra Instrumentum mais do que um simples sinônimo de Testamentum, significa aqui “Pacto”. (Cf. T.H.L. Parker, Calvin´s New Testament Commentaries, 2. ed. Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1993, p. 123). Erasmo de Roterdã (1466-1536) demonstrou a sua preocupação em tornar a Palavra de Deus acessível ao povo. No prefácio da sua edição do Novo Testamento Grego (1516) e em outros lugares, escreveu: “Eu discordo veementemente daqueles que não permitem a particulares a leitura das Sagradas Escrituras, nem as permitem ser traduzidas em língua vulgar (…). Quero que todas as mulheres, mesmo meninas, leiam os evangelhos e as epístolas de Paulo. Provera a Deus que a Bíblia fosse traduzida em todas as línguas de todos os povos, para que pudesse ser lida e conhecida, não só pelos escoceses e pelos irlandeses, mas também pelos turcos e pelos sarracenos. Porém o primeiro passo necessário é fazê-los inteligíveis ao leitor. Eu almejo o dia quando o lavrador recite para si mesmo porções das Escrituras enquanto vai acompanhando o arado, quando o tecelão as balbucie ao ritmo da sua lançadeira e o viajante repare o cansaço da sua viagem com as narrativas bíblicas; e que todas as conversas sejam sobre temas da Bíblia! Com efeito, nós somos aquilo que forem as nossas conversas quotidianas….”. Sobre as crianças: “Que a primeira palavra que se aprenda a balbuciar seja Cristo; e que, com os Seus evangelhos, se forme a primeira infância: desejaria que estas coisas lhe fossem ensinadas entre as primeiras, para que fossem amadas pelas crianças. Dediquem-se, depois, as crianças aos estudos bíblicos, até que, com tácitos progressos, se transformem em homens robustos em Cristo. Feliz aquele que a morte encontra com a Bíblia na mão!” (Apud João Amós Coménio, Didáctica Magna, 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1985), XXIV.20. p. 361-362; E.J. Goodspeed, Como nos veio a Bíblia, 3. ed. São Bernardo do Campo, SP.: Imprensa Metodista, 1981, p. 116; John Mein, A Bíblia e como chegou até nós, 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP. (revista e ampliada), 1977, p. 64; Steven R. Fischer, História da Leitura, São Paulo: Editora UNESP., 2006, p. 208). Erasmo é chamado por Westcott (1825-1901) de “o dirigente verdadeiro das escolas literárias e críticas da Reforma” (B.F. Westcott, El Canon de la Sagrada Escritura, Barcelona: CLIE., (s.d.), p. 293). O teólogo liberal alemão Johann S. Semler (1725-1791) considerou Erasmo “o verdadeiro fundador da teologia protestante” (Cf. E. Cassirer, A Filosofia do Iluminismo, Campinas, SP.: Editora da UNICAMP., 1992, p. 198). O historiador Gibbon também o designou de “pai da teologia racional” (Edward Gibbon, “Decline and Fall of the Roman Empire,” The Master Christian Library, Volume 5 (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 1998), p. 610. O fato é que com a publicação da edição grega do Novo Testamento, a autoridade de Erasmo cresceu em todos os grandes centros; como sintoma disso encontramos a sua correspondência pessoal passando por um aumento considerável atingindo diversos países. (Vejam-se: Johan Huizinga, Erasmus and the Age Reformation, New York and Evanston: Harper & Row, Publishers, 1957, p. 91; H.R. Trevor-Roper, Religião, Reforma e Transformação Social, Lisboa: Editorial Presença; Martins Fontes, (1981), p. 153). Quanto a uma síntese das críticas de Erasmo à igreja romana e o seu desejo de purificá-la, ver: Sergio Paulo Rouanet, As Razões do Iluminismo, 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 283-284.

[21] Léonard (1891-1961) observa que constitui-se em “pura lenda o fato de que a Igreja [romana] tenha constantemente mantido seus fiéis afastados das Sagradas Escrituras” (Émile G. Léonard, O Protestantismo Brasileiro, 2. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: JUERP.; ASTE., 1981, p. 28). Do mesmo modo entende Boisset (Veja-se: Jean Boisset, História do Protestantismo, São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971, (Coleção “Saber Atual”), p. 19).

[22] Ele propôs que o dinheiro da igreja fosse empregado para criar 15 Universidades e umas cem instituições de caridade. (Cf. Christopher Hill, A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 30).

[23] J.R. Branton, Versions, English: In: Geoffrey W. Bromiley, General Editor, The International Standard Bible Enciclopaedia, 2. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1980, v. 4, [p. 760-771], p. 761. A tradução do Novo Testamento ficou pronta em 1382 e a do Antigo Testamento em 1384. Posteriormente, John Purvey, provavelmente auxiliado por Nicholas de Hereford, fez uma revisão desta tradução em 1388, melhorando-a consideravelmente, procurando colocar a tradução num inglês mais acessível. Todavia, tanto a versão de Wycliff como a revisada de Purvey só circularam em forma manuscrita, já que a imprensa com tipos móveis ainda não fora utilizada no Ocidente. A versão de Purvey só foi impressa em 1731 e a de Wycliff, em 1848. (Vejam-se: E.J. Goodspeed, Como nos veio a Bíblia, p. 114-115; J.G. Vos, Bible, English Versions: In: Merril C. Tenney, (Ed. Ger.). The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible, 5. ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1982, v. 1, [571-582], p. 575; J.G.G. Norman, Purvey, John: In: J.D. Douglas, (Ed. Ger.). The New International Dictionary of the Christian Church, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1979, p. 815; Ian Sellers, Nicholas of Hereford: In: J.D. Douglas, (Ed. Ger.). The New International Dictionary of the Christian Church, p. 709).

[24] Cf. P.M. Bechtel; P.M. Comfort, Wycliffe: In: J.D. Douglas; Philip W. Comfort, eds. Who’s Who In Christian History, Wheaton, Illinois: Tyndale House Publishers, Inc. 1992, p. 735; E.J. Goodspeed, Como nos veio a Bíblia, p. 114; J.R. Branton, Versions, English: In: George A. Buttrick, Editor. The Interpreter’s Dictionary of the Bible, New York: Abingdon Press, 1962, v. 4, [p. 760-771], p. 761.

[25] André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 44. Como decorrência disso, há o progressivo interesse comercial, que estimulava alguns impressores a produzirem mais impressões, ainda que com menor qualidade… No entanto, devemos reconhecer que tudo isso preparou o campo para o êxito da Reforma (Ver: Hipólito Escolar, Historia del Libro, p. 310ss).

[26]O Novo Testamento de Lutero foi publicado em 21/09/1522 (Cf. J.H. Merle D’aubigné, História da Reforma do Décimo-Sexto Século, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, [s.d.], v. 3, p. 94; Gustav Just, Deus Despertou Lutero, Porto Alegre, RS.: Concórdia, 1983, p. 112; W. Walker, História da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE, 1967, v. 2, p. 20; W.G. Kümmel, Introdução ao Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1982, p. 714; Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos séculos: Uma História da Igreja Cristã, p. 238; B.M. Metzger, Versions, medieval, etc.: In: Geoffrey W. Bromiley, General Editor, The International Standard Bible Enciclopaedia, v. 4, p. 773. A tradução de Lutero foi baseada na 2ª edição do Texto Grego de Erasmo (1466-1536), publicado em 1519 (Agora com o título: Novum Testamentum omne, Basiléia: Froben, 1519), que já havia corrigido muitíssimos erros da primeira edição publicada às pressas (Cf. Timothy George, Lendo as Escrituras com os reformadores: como a Bíblia assumiu o papel central na Reforma religiosa do século XVI, São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 69-74) (ainda que não todos) da primeira edição (A primeira edição que começou a ser impressa em 11/9/1515 foi concluída em 01/3/1516, sendo dedicada ao Papa Leão X, grande patrocinador das artes), com quem se encontrara em Roma em 1509, ainda como Giovanni de Medici (Vejam-se: Timothy George, Lendo as Escrituras com os reformadores, p. 71;   W.G. Kümmel, Introdução ao Novo Testamento, p. 714; Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek Testament, 2. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft; German Bible Society, 1994, p. 8-10 (Introduction); B.M. Metzger, Versions, medieval, etc.: In: Geoffrey W. Bromiley, (Gen. Ed.). The International Standard Bible Enciclopaedia, v. 4, p. 773; B.M. Metzger, Introdução ao Comentário Textual do Novo Testamento Grego: In: Russel N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado, Guaratinguetá, SP.: A Voz Bíblica, [s.d.], v. 1, [p. 126-130]. p. 128; Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 108-110; B.F. Westcott, El Canon de la Sagrada Escritura, p. 231; Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 194; T.H.L. Parker, Calvin´s New Testament Commentaries, 2. ed. Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1993 p. 125).

[27]E.J. Goodspeed, Como nos veio a Bíblia, p. 118; Joseph Angus, História, Doutrina e Interpretação da Bíblia, 3. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1971, p. 124; W. Walker, História da Igreja Cristã, v. 2, p. 20; Otto M. Carpeaux; Sebastião U. Leite, et.al. Bíblia: In: Antonio Houaiss, (Ed.). Enciclopédia Mirador Internacional, São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1976, [p. 1337-1354], v. 4, p. 1352; E.E. Cairns, O Cristianismo Através dos séculos: Uma História da Igreja Cristã, p. 238; K.S. Latourette, Historia del Cristianismo, v. 2, p. 64; Hipólito Escolar, Historia del Libro, p. 390; Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 451,452. Para uma visão panorâmica da história e algumas das principais traduções da Bíblia para o inglês e francês, Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 70-84.

[28]Jaroslav Pelikan, A Imagem de Jesus ao longo dos séculos, São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000, p. 173.

[29] Lucien Febvre, Martín Lutero: um destino, 7ª reimpresión, México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 187.

[30] Cf. M. D’aubigné, História da Reforma do Décimo-Sexto Século, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, [s.d.], v. 3, p. 94-95; E. J. Goodspeed, Como nos veio a Bíblia, p. 117). (Escolar fala de 5.000 exemplares, ainda que por descuido de revisão confunda ambos os Testamentos da Bíblia). (Hipólito Escolar, Historia del Libro, p. 390).

[31]Cf. Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 416.

[32]Cf. B.M. Metzger, Versions, ancient: In: Geoffrey W. Bromiley, General Editor, The International Standard Bible Enciclopaedia, v. 4, p. 773.

[33]Cf. Jean Delumeau, O Nascimento e Afirmação da Reforma, São Paulo: Pioneira, 1989, p. 99. Vejam-se outros números In: Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 417). Escolar menciona 400 edições. (Hipólito Escolar, Historia del Libro, p. 390).

[34]Christopher Hill, A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII, Rio de Janeiro:  Civilização Brasileira, 2003, p. 32.

[35]Cf. G. Just, Deus Despertou Lutero, p. 111-112. Apenas como referência aproximada, cito que Calvino que passou inúmeros apuros financeiros em Estrasburgo (1538-1541), recebia, não sem atraso, 1 florim por semana, conforme verba votada pelo Conselho de Representantes da cidade. (Cf. Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 101; Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, São Paulo: Quadrante, 1996, p. 380). Obviamente ele não conseguiria viver com tão pouco; por isso se desdobrava em outras várias atividades. Contudo, mesmo assim nada sobrava: o custo de vida em Estrasburgo ao que parece era muito elevado (Veja-se: T. George, Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 181). No seu regresso a Genebra (1541), os seus honorários tornaram-se generosos: 500 florins por ano, doze medidas de milho e duas pipas de vinho; o equivalente a duas garrafas por dia. (Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, p. 131. Veja-se também, p. 155ss.; Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, São Paulo: Quadrante, 1996, p. 396).

[36]Roland H. Bainton, Martin Lutero, 3. ed. México: Ediciones CUPSA., 1989, p. 368.

[37]Cf. J. Delumeau, O Nascimento e Afirmação da Reforma, p. 98.

[38]Cf. Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 316-317.

[39]Apud G. Just, Deus Despertou Lutero, p. 114; James Atkinson, Lutero e o Nacimiento del Protestantismo, 2. ed. Madrid: Alianza Editorial, 1987, p. 255.

[40]Hipólito Escolar, Historia del Libro, p. 390; Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 417.

[41]Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 417. Veja-se também: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 118.

[42]Cf. T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico, p. 322.

[43]Vejam-se: T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico, p. 322; Lucien Febvre; Henry-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p. 413ss.

[44]T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico, p. 321.

[45]Ver: Elisabeth L. Eisenstein, A Revolução da Cultura Impressa: Os primórdios da Europa Moderna, São Paulo: Editora Ática, 1998, p. 172.

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