O Seminário e a formação de Pastores – Parte 7

5. A Teologia como auxílio aos peregrinos no seu caminho de vida

 

Deus nos guia em segurança

O profeta Isaías, bem antes do cativeiro de Judá, considera que Deus como pastor e senhor apascenta o seu rebanho, cuidando carinhosamente dele. Escreve então, consolando o povo que seria tirado de sua terra: “Como pastor (h[‘r’) (raah), apascentará (h[‘r’) (raah) o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam ele guiará mansamente” (Is 40.11).

A Palavra de Deus traz princípios eternos para o nosso viver cotidiano. De fato, Deus, por intermédio da sua Palavra, nos desafia a seguir a sua “luz”, quando se nos deparam outras “luzes”  provenientes do mundo que por vezes nos fascinam pelos contornos propiciados conforme seus fachos brincando diante de nós com o binômio luz e sombra, deixando boa parte dos efeitos disso por conta de nossa imaginação ingênua ou propensa às novidades prometidas ou apenas insinuadas.

A Palavra de Deus nos guia sempre em segurança, apresentando-nos o caminho de vida. Por isso, ela deve ser o nosso guia perene. A solução de Deus deve ser buscada e praticada; ela nos guia passo-a-passo, rumo à sua vontade. O salmista declara: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos” (Sl 119.105). Em meio às trevas, Deus nos orienta e guia por seu caminho com a luz que procede dele mesmo.

O que deve nos caracterizar nesse processo, é a meditação na Palavra, confiança em Deus e o desejo de obedecê-lo. Meditação, sem confiança e obediência, de nada adiantaria. Poderíamos ter apenas um conhecimento intelectual que no máximo, terminaria em nosso deleite intelectual. – Racionalismo.

Confiança, sem meditação e obediência, estaríamos vagando sem saber o que Deus deseja de nós e, por isso, nem saberíamos ao que obedecer. Estaríamos propensos a acreditar em qualquer ensinamento que nos parecesse provir de Deus. – Religiosidade emotiva e vazia de conteúdo e envolvimento concreto.

Obediência, sem meditação e confiança, poderíamos, quem sabe, seguir práticas e ritos religiosos, sem saber ao certo o que Deus deseja. Assim, seríamos bastante voláteis em nossa fé, sendo conduzidos de uma lado para o outro, com uma forte tendência a alimentar uma confiança mágica em roteiros místicos que nos são propostos mas, que nos distanciam do Deus da Palavra. – Religiosidade supersticiosa.

No nosso caminhar segundo a Palavra, nos aproximamos gradativamente de Deus, tendo uma trilha segura que nos conduz à plenitude daquilo que Deus tem para nós, bem como rumo à compreensão do propósito de Deus na história. Pedro diz: “Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vossos corações” (2Pe 1.19).

Calvino comentando essa passagem, diz:

Seu objetivo era apenas nos ensinar que todo o curso de nossa vida deve ser guiado pela Palavra de Deus; pois de outra forma devemos estar envolvidos por todos os lados nas trevas da ignorância; e o Senhor não brilha sobre nós, exceto quando tomamos sua Palavra como nossa luz. (…)

Portanto, a menos que esteja decidido a se lançar voluntariamente em um labirinto, tome cuidado especial para não se afastar, mesmo que seja a mínima coisa, da regra e direção da palavra. Não, a Igreja não pode seguir a Deus como seu guia, a menos que observe o que a palavra prescreve.[1]

Agora, ainda envoltos em nossa carnalidade, com frequência, não percebemos com clareza o que Deus quer nos mostrar ainda que sigamos, por vezes, timidamente o seu caminho No entanto, quando Cristo retornar consumando a sua obra, então veremos perfeitamente a grandiosidade da obra de Cristo concluída em nós.

O segredo de um caminhar seguro está na fidelidade à Palavra, mantendo-a em nosso coração, a sede de todas as nossas deliberações. Davi, descrevendo o procedimento do justo, diz: “No coração tem ele a lei de Deus; os seus passos não vacilarão” (Sl 37.31).

Se caminharmos segundo a “lâmpada” que é-nos concedida por Deus, jamais cairemos nas trevas do pecado. Portanto, se queremos ser santos, devemos buscar na Palavra a “ciência” de Deus para a nossa vida. No entanto, ainda que distanciados de Deus, se pelo Espírito enxergamos a sua Palavra, podemos segui-la, porque Deus mesmo nos guiará em segurança rumo à nossa recuperação nele.

O salmista após meditar no poder sustentador de Deus e na sua misericórdia manifesta para com o  seu povo, conclui: “…. este é Deus, o nosso Deus para todo o sempre: ele será nosso guia até à morte” (Sl 48.14/Sl 73.24).

Na realidade, este é um dos propósitos da teologia, conforme define Wollebius (1586-1629):

A teologia consiste tanto em contemplação como em ação. Ela é sabedoria e prudência; o discernimento naquilo que ele apreende princípios através de uma inteligência divinamente iluminada e estende as suas conclusões através do conhecimento; e a prudência está no que ela guia a alma humana em suas ações.[2]

 

Santos Peregrinos em processo de santificação

Os corações devem ser purificados pela fé e mantidos por Deus. ‒ Matthew Henry (1662-1714).[3]

O Espírito nos chama por meio da Palavra. Para muitos crentes, este chamamento poderá parecer o clímax da vida cristã, no entanto, é apenas o início. A conversão não é o final de uma corrida, antes é a “largada”.

O Espírito que nos chama, continua agindo em nós, nos guiando à verdade e à compreensão desta mesma verdade, nos instruindo por intermédio da Palavra de Deus, para que a cumpramos, a fim de que ela seja de fato a norma para a nossa vida. O novo nascimento é “o começo de um caminho de vida”.[4]

O Espírito deve ser o orientador dos nossos projetos, o iluminador dos nossos sonhos e o diretor de nossas realizações. Ele nos conduz à verdade, fazendo-nos compreendê-la concedendo-nos força para cumpri-la à risca (Vejam-se: Sl 119.1-5/Jo 14.26; 16.13; Ef 6.17; Ap 2.7,11, 17).

Horton, resume esse aspecto: “O papel do Espírito é tornar a Palavra exterior uma realidade vivenciada e aceita interiormente, não oferecer uma gnose superior ou suplementar à própria Palavra”.[5]

Deus é absolutamente santo, majestoso em sua santidade (Ex 15.11; Sl 99.9; Is 6.3). Ele deseja do seu povo uma vida de santidade.         Nós fomos separados dos valores deste mundo a fim de progredirmos em nossa fé.

Santificação, portanto, é o processo sobrenatural que se inicia com a regeneração, consistindo no progressivo abandono do pecado em direção a Deus. Nós somos santos em santificação![6]

Em outras palavras: Fomos separados do mundo (sendo santificados definitivamente, santidade posicional) para crescermos, progredirmos em nossa fé (santificação processual ou progressiva).[7] O Espírito opera em nós a salvação a qual se evidencia em santificação (1Co 6.11; 2Co 3.18; 1Pe 1.2/Jo 17.17). A santidade posicional requer necessariamente a santidade existencial!

Paulo cultua a Deus considerando que Deus nos escolheu na eternidade para sermos santos (Ef 1.4).[8] Deus nos elegeu para sermos aquilo que não éramos. Assim, a escolha divina não foi baseada em mérito algum; o seu propósito é tornar-nos santos.

A doutrina da santificação pressupõe que não somos perfeitos. Ela está relacionada com o homem pecador, cônscio de seus pecados, mas que, ao mesmo tempo, insatisfeito com a sua prática, deseja não mais praticá-los e, se aperfeiçoar espiritualmente, obedecendo aos mandamentos de Deus.

A vida cristã não significa apenas ser salvo. A salvação é apenas o seu início, consistindo numa busca efetiva por conhecer a Deus por meio da sua Palavra, e vivenciá-la diariamente. O fato é que, ou buscamos a santidade ou na realidade nunca fomos eleitos por Deus. Esta é a verdade bíblica pura e simples: Não há eleição e consequentemente vida cristã, sem santificação (Ef 1.4).

A santificação jamais terá fim nesta vida. Nós não somos perfeitos, nem o seremos enquanto estivermos neste modo de vida terreno. Todavia, buscamos a perfeição; caminhamos em sua direção.

Como não estamos livres da influência do pecado, significa que a nossa caminhada não é sempre na mesma direção. Muitas vezes avançamos, outras vezes retrocedemos, somos tentados a seguir atalhos que se mostram fascinantes, que, contudo, nos conduzem ao desvio de rota do propósito de Deus.  Contudo, nesse processo, até mesmo as nossas quedas e desvios, de alguma forma fazem parte do nosso currículo salvador tendo como propósito final glorificar a Deus.[9]

 

Não há perfeccionismo espiritual

A oração do “Pai Nosso” indica que somos pecadores carentes da misericórdia perdoadora de Deus.[10] O pecado continuará por todo este estado de existência a exercer influência sobre nós. Por isso, qualquer conceito de perfeccionismo espiritual, que declare que o crente não mais peca, é ilusório e, portanto, antibíblico.[11]

A Palavra de Deus ensina enfaticamente que nós pecamos, mesmo após o nosso novo nascimento.[12] Lemos nas Escrituras: “Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?” (Pv 29.9). “Não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20. Vejam-se: Rm 6.20; 7.13-25; Tg 3.2. 1Jo 1.8).

Contudo não existem carências em nossa vida que não possam ser supridas pelo próprio Cristo, nosso Senhor. E Ele o faz nos renovando por meio do conhecimento e obediência à Palavra.

O pecado tem um poder sutil. Ele nos aliena de Deus e, consequentemente de nós mesmos. Fornece-nos óculos coloridos por meio dos quais nunca enxergamos a gravidade de nossa real situação.

A visão do pecado, por essa ótica, sempre nos parecerá fascinante e atraente. As possíveis perdas que talvez enxerguemos por cima das lentes, serão consideradas acidentes de percurso ou um preço baixo a ser pago pelas conquistas e prazeres alcançados.

O Cristianismo, no entanto, tem como um de seus ingredientes fundamentais, a consciência de que somos pecadores e, que, sem o perdão de Deus permanecemos sob a sua ira.

O Apóstolo João não nos deixa nutrir nenhuma ilusão quanto a isso. Escrevendo aos crentes de todas as épocas, adverte-nos quanto ao fato concreto e real de nossos pecados: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1.10/1Jo 2.1).

 

O perigo da acomodação espiritual

Todavia, é preciso que entendamos que a consciência da não existência do perfeccionismo espiritual não nos pode conduzir ao extremo oposto de nos acomodar com o pecado e, até mesmo, nutrir um certo orgulho em preservá-lo.

A questão aqui é de equilíbrio: Não alcançamos a perfeita santidade; contudo, devemos buscá-la constantemente sem esmorecer.

O que nos distingue da nossa antiga condição, além da consciência de que somos pecadores, é que não mais temos prazer no pecado. Podemos até dizer que o pecado é um acidente de percurso na vida dos regenerados.

Calvino, escreve:

Todavia, que ninguém se engane nem se vanglorie do seu mal, ao ouvir que o pecado habita sempre em nós. Isso não é dito para que os pecadores durmam sossegados em seus pecados, mas unicamente com este propósito: que aqueles que, aborrecidos, tentados e espicaçados por sua carne, não fiquem desolados, não se desanimem e não percam a esperança; antes, que vejam que continuam no caminho certo e que tiveram bom proveito ao sentirem que a sua concupiscência vai diminuindo pouco a pouco, dia após dia, até chegarem à meta almejada, a saber, a eliminação derradeira e final da sua carne, alcançando a perfeição quando esta vida mortal tiver fim.[13]

 

A graça educadora

Isso indica a necessidade de o convertido adquirir novos hábitos pela prática da verdade em amor (Ef 4.15).[14] A graça de Deus é educadora (Tt 2.11-15), operando por intermédio das Escrituras, nos corrigindo e educando na justiça para o nosso aperfeiçoamento (2Tm 3.16,17). Alguns destes hábitos santamente desenvolvidos, são: leitura e meditação na Palavra, oração, participação dos cultos, esforço no anúncio do Evangelho e ajuda aos irmãos na fé.

“A santificação é um processo contínuo pelo qual Deus, por sua misericórdia, muda os hábitos e o comportamento do crente, levando-o a praticar obras piedosas”, resume Booth (1734-1806).[15] Todavia, continuaremos sendo pecadores até o fim dessa existência.

 

Crescimento harmonioso

O nosso crescimento externo deve ser caracterizado pelo aprofundamento e solidificação de nossas raízes. Altura exige profundidade e solidez. Por isso, o nosso crescimento profissional, social, econômico, cultural, etc., deve vir acompanhado necessariamente de um alimento mais sólido.

Esse alimento deve ser buscado não na mera superfície, porque assim procedendo correríamos o risco de, subalimentados, perdermos a oportunidade de mantermos uma vida espiritual real e verdadeira.

Árvores mais altas necessitam de raízes mais profundas e vigorosas. A nossa projeção em geral vem acompanhada de tentações mais sofisticadas e sutis, às quais se configuram de maneira diferente.

Curiosamente, a nossa palavra humildade, provém do latim, humus e seu adjetivo humilis,  que designava tudo que está perto do solo e, por derivação, algo ou alguém de pouca estatura. Portanto, nosso crescimento espiritual tem que ser para baixo. “O que temos que perceber é que só crescemos em direção a Cristo quando diminuímos (humildade, do latim humilis, que significa ‘baixo’). Os cristãos, podemos dizer, crescem mais quando ficam pequenos”, aplica Packer.[16]

Possivelmente, se a nossa logística  e arsenal espiritual,  não estiverem em constante sincronia com a Palavra, estarão desatualizados para uma batalha na qual já entramos vencidos porque nem sequer a percebemos como tal. A ignorância a respeito de nosso inimigo e de seu arsenal bélico de tentações, pode nos conduzir em uma ingênua e fatal indolência espiritual. Não brincamos com o pecado, nem fazemos pouco caso das tentações. O nosso coração em sua volúpia pode se tornar em um péssimo conselheiro a serviço do pecado.

 

Pecado sobrevivente mas, poderoso

“Éramos pecadores quando iniciamos a carreira cristã, e pecadores seremos enquanto estivermos prosseguindo no caminho. Somos renovados, perdoados, justificados, e, no entanto, pecadores até o último instante”, escreve Ryle (1816-1900).[17]

Antes, o pecado comandava o nosso pensar e agir, agora ele ainda nos influencia, todavia não mais reina. Calvino pontua em lugares diferentes: “O pecado deixa apenas de reinar, não, contudo de neles habitar”.[18] Em outro lugar: “Ainda que o pecado não reine, ele continua a habitar em nós e a morte é ainda poderosa”.[19]

Murray (1898-1974) ilustra bem este ponto:

Há uma total diferença entre o pecado sobrevivente e o pecado reinante, o regenerado em conflito com o pecado e o não-regenerado tolerante para com o pecado. Uma coisa é o pecado viver em nós; outra bem diferente é vivermos em pecado. Uma coisa é o inimigo ocupar a capital; outra bem diferente é suas milícias derrotadas molestarem os soldados do reino.[20]

Ao mesmo tempo, aprendemos que somos chamados ao crescimento em nossa caminhada de forma progressiva. Estamos sujeitos ao pecado, é verdade. Ele é ainda uma realidade presente. Por isso, como disse Lloyd-Jones: “Jamais poderemos ter feriado espiritual”.[21] A luta é contínua e sem tréguas. Deste modo, todos nós devemos estar comprometidos em crescer em nossa fé para que tenhamos maior sensibilidade espiritual para com os feitos de Deus.

 

Caminhando e aprendendo

Ao povo da Aliança que se desviara do caminho do Senhor, Este lhe diz: Aprendei (למד)(lâmad) [22] a fazer o bem” (Is 1.17).[23] A santificação é justamente isto; um santo aprendizado guiado pelo Espírito, tendo como constituição normativa e legislativa do nosso pensar, agir e sentir, a Palavra de Deus. Portanto, a santificação envolve uma nova “alfabetização” espiritual guiada pela Palavra de Deus.[24]

Berkhof (1873-1957) usa uma figura para ilustrar a nossa nova condição:

Uma criança recém-nascida é, salvo exceções, perfeita em suas partes, mas não está no grau de desenvolvimento ao qual foi destinada. Justamente assim, o novo homem é perfeito em suas partes, mas, na presente vida, continua imperfeito no grau de desenvolvimento espiritual.[25]

O crente é chamado a uma caminhada constante. Os cristãos do Novo Testamento eram reconhecidos como aqueles que eram do Caminho. Saulo, antes de convertido, pediu cartas ao sumo sacerdote “a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim homens como mulheres, os levasse presos para Jerusalém” (At 9.2).

Lucas relata que Priscila e Áquila, após ouvirem uma pregação de Apolo, o chamaram e, “com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus” (At 18.26).

O novo nascimento não é um produto acabado, antes, é fundamentalmente o início de um novo caminho de vida alicerçado na prática do Evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo e modelado pelo Espírito por meio da Palavra.   As Escrituras nunca nos apresentam atalhos circunstanciais, obscuros com pavimentação incerta.

Na realidade, o nosso mundo pode apresentar um cenário de sombras e desolação, no entanto, Jesus Cristo, o nosso único caminho, ilumina a  nossa trilha de peregrinação a caminho de nossa morada eterna.

A santificação é, portanto, um desafio a perseguirmos este caminho, nos empenhando por fazer a vontade de Deus. Por isso, a santificação nos fala de caminharmos sempre em direção ao alvo proposto por Deus, com os nossos corações humildes, desejosos de agradar a Deus, de fazer a sua vontade com o sentimento adequado.

A vida cristã não é a de um transeunte em férias, sem compromissos, sem agenda definida. Ela se compatibiliza mais propriamente à figura do peregrino, sempre buscando o melhor caminho para chegar ao seu destino.

O cristão está comprometido com o propósito de seu Senhor (Ef 1.4). Todo o seu coração deve estar voltado para isso. Temo contudo, que a fé cristã, por vezes, com uma pauta acessória que lhe tem sido agregada, com tantos novos caminhos aparentemente tão bem pavimentados e, por isso, convidativos, tem perdido esse caminho.

É possível que com o tempo ele seja até mesmo apagado da memória cristã em meio às condições climáticas adversas – ventos, chuvas, mover da terra e o cair das folhas –,  porém, necessárias.

Não permitamos que por simples modismos, intuições e má vontade, nos afastemos de caminhar por trilhas já percorridas pelos nossos pais na fé que, com grande proveito para nós, deixaram suas ricas contribuições de teologia e vida.[26] Por outro lado, que isso não nos sirva de desculpa para não vivenciarmos a nossa fé em busca de maior santidade de forma rica e piedosa em nossa época, deixando de recorrer ao que Deus nos tem mostrado progressivamente.

É urgentemente necessário transitar meditativamente pelo caminho da santidade a fim de que a sua trilha não seja perdida nem esquecida e as nossas pegadas sejam ampliadas por outras e outras[27]

O antigo professor de Princeton, Patton (1843-1932), ressalta que,

A santificação é uma mudança gradual de caráter; é um despojo do homem velho, “que se corrompe pelas concupiscências do engano”, e um revestimento do “novo homem que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade”. Na regeneração, o filho de Deus torna-se “uma nova criatura”, e isto se manifesta mais e mais, à proporção que a santificação vai progredindo. O filho de Deus é objeto de novos sentimentos, novos prazeres, novos motivos e novas aspirações. “As coisas velhas são passadas”.[28]

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker, 1996 (Reprinted), v. 22/2, (2Pe 1.19), p. 388.

[2]Johannes Wollebius, Compêndio de Teologia Cristã,  Eusébio, CE.: Peregrino, 2020, p. 24.

[3] Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed., Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Mt 5), p. 751.

[4]Hendrikus Berkhof, La Doctrina del Espíritu Santo, Buenos Aires: Junta de Publicaciones de las Iglesias Reformadas; Editorial La Aurora, 1969, p. 78.

[5]Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 795.

[6] “O Novo Testamento não diz que os crentes devem ter vidas santas a fim de se tornarem santos; ao invés disso, ensina que os crentes, por serem santos, devem viver vidas santas! Esse, pois, é o primeiro e fundamental aspecto do dom divino da santificação” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 162-163).

[7]Stott denomina essas condições de santidade “concreta” e “potencial” (Cf. John Stott, O chamado para líderes cristãos, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018,  p. 16).

[8]Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor” (Ef 1.4).

[9] Veja-se: James P. Boyce,  Teologia Sistemática: Uma introdução aos pilares da fé,  Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2020, p. 498.

[10] Lutero (1483-1546), em seus sermões sobre o “Pai Nosso”, proferidos em 1517, nos chama a atenção para o fato de que, quando oramos a Deus pedindo que “Faça a sua vontade”, estamos afirmando que desobedecemos a Deus, confessando “contra nós próprios” que não cumprimos a sua vontade. Acrescenta: “Uma vez que temos de fazer esta oração até a morte, segue-se que até à hora da nossa morte seremos também acusados de sermos os que desobedeceram a vontade de Deus. Quem, pois, pode ser orgulhoso ou subsistir à sua própria oração, quando nela descobre que, se Deus o quisesse tratar com justiça, o poderia fazer, a toda a hora e com toda a equidade condenando-o e reprovando-o como desobediente, desobediência que ele confessa com a sua boca e de que está convencido?”. Portanto, conclui Lutero, esta petição deve nos conduzir à humildade, reconhecendo a iniquidade de nossa “vontade própria”,  e a procurar sinceramente  na graça de Deus a remissão de toda a nossa desobediência (Martinho Lutero, Explicação do Pai Nosso,Lisboa: Edições 70, (Estante Espiritualidade), (1996), p. 46ss.).

[11] Veja-se a exposição da teoria e a sua refutação em:  Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 2, p. 618-624.

[12] “Quanto trazemos ainda conosco de nossa carne é algo que não podemos ignorar, pois ainda que a nossa habitação está no céu, todavia somos ainda peregrinos na terra” (J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 13.14), p. 462). “…. A referida perversidade da nossa natureza nunca cessa em nós, mas constantemente [Rm 7.7-25]  produz em nós novos frutos, quais sejam, as obras da carne acima descritas como uma fornalha acesa sempre a lançar labaredas e fagulhas, ou como um manancial de águas correntes continuamente vertendo sua água. Porque a concupiscência nunca morre nem é extinta por completo nos homens, até quando, livres da morte pela morte do corpo, sejam inteiramente despojados de si mesmos. É certo que o Batismo nos garante que o nosso faraó foi afogado e que a nossa carne está mortificada. Todavia, não ao ponto de que o nosso inimigo não mais exista e que já não nos incomode, mas somente no sentido de que já não nos pode vencer. Porque, enquanto vivermos encerrados na prisão que o nosso corpo é, os restos e as relíquias do pecado habitarão em nós. Mas, se pela fé retivermos a promessa que Deus nos fez no Batismo, essas forças adversas não nos dominarão e não reinarão em nós” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.11), p. 166). Veja-se também:  James P. Boyce, Teologia Sistemática: Uma introdução aos pilares da fé,  Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2020, p. 496-497.

[13]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.11), p. 166. Do mesmo modo, ver: Juan Calvino, El Carácter de Job, Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 1), p. 32.

[14] “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15).

[15]A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 44-45.

[16] J.I. Packer, A Redescoberta da santidade,  2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 96.

[17] J.C. Ryle,  Santidade, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1987, p. 56.

[18]João Calvino, As Institutas, III.3.11.

[19]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.20), p. 44.

[20]J. Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 162.

[21]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 352. “Uma vez que os crentes todos os dias se envolvem em muitos erros, de nada lhes aproveitará já terem tomado a vereda da justiça, a menos que a mesma graça que os manteve em sua companhia os conduza à última fase de sua vida” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32.1), p. 42).

[22]A ideia básica da palavra é a de aprender, ensinar, treinar, educar, acostumar-se a; familiarizar-se com. Deus nos ensina para que cumpramos a sua Palavra: “Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino (למד)(lâmad), para os cumprirdes, para que vivais, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR, Deus de vossos pais, vos dá” (Dt 4.1). (Do mesmo modo: Dt 4.5,14; 5.1,31; 6.1).

Como mestre perfeito, Deus usava inclusive do recurso musical para ensinar a Lei ao povo: “Escrevei para vós outros este cântico e ensinai-o (למד)(lâmad) aos filhos de Israel; ponde-o na sua boca, para que este cântico me seja por testemunha contra os filhos de Israel. (…) Assim, Moisés, naquele mesmo dia, escreveu este cântico e o ensinou (למד)(lâmad) aos filhos de Israel” (Dt 31.19,22/Dt 32.1-47). (Cf. Walter C. Kaiser, Lâmad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 791; D. Müller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 662; A.W. Morton, Educação nos Tempos Bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger. Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261; E.H. Merrill, dml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 800-802; Hermisten M.P. Costa, Introdução à Educação Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2010).

[23] Em outro lugar o salmista suplica: “Faze-me, SENHOR, conhecer os teus caminhos, ensina-me (למד)(lâmad) as tuas veredas” (Sl 25.4). Conforme já indicamos, a ideia básica de (למד)(lâmad) é a de treinar e educar, acostumar-se a; familiarizar-se com; aprender.

[24] “Se formos vigilantes contra Satanás em um ponto da muralha de nosso viver, ele tentará rompê-la em outro ponto, esperando por um momento quando nos sentirmos seguros e felizes, e quando, provavelmente, nossas defesas estarão fracas. Assim prosseguem os seus ataques, o dia inteiro e todos os dias” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 83).

[25]Louis Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 541.

[26] “Os cristãos modernos são os herdeiros de uma grande tradição intelectual cristã. Essa tradição de pensamento ativo e solução prática de problemas é uma aliada vital dos cristãos que lutam contra as tendências intelectuais do mundo contemporâneo. O uso das perspectivas do passado pode fornecer uma perspectiva valiosa sobre as questões atuais. Podemos, assim,  livrar-nos da tirania do presente, a suposição de que a maneira que as pessoas pensam hoje é o único modo possível de pensar” (Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 97). Da mesma forma, Stott: “Desrespeitar a tradição e a teologia histórica é desrespeitar o Espírito Santo que tem ativamente iluminado a Igreja em todos os séculos” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo,  Miami: Editora Vida, 1991, p. 8).

[27] Devo a Packer o despertar para a figura da santificação e suas trilhas. Ele fala em termos de bosque com muita propriedade. Veja-se: J.I. Packer, A Redescoberta da santidade,  2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 10-11.

[28]Francisco L. Patton,  Compendio de Doutrina e a Egreja, Lisboa: Typ. A Vapor de Eduardo Rosa, 1909, p. 97.

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