O Seminário e a formação de Pastores – Parte 9

6.2. As origens na História da Igreja

O Cristianismo – como também o Judaísmo –, deu grande ênfase ao ensino. Jesus Cristo passou parte do seu Ministério ocupado com a formação de discípulos (Maqhth/j).

Quando Jesus terminou de proferir o “Sermão do Monte”, registra Mateus: “Estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas”(Mt 7.28-29).

Jesus preparou discípulos, os quais se tornaram mestres, que formaram outros mestres mantendo um elo ininterrupto até os nossos dias.

Na escolha dos doze vemos delineado o seu objetivo: “Então designou doze para estarem com Ele….”  (Mc 3.14). Ou seja, para treiná-los, prepará-los como seus discípulos.

Jesus também nos oferece a sua concepção de ensino: “O discípulo (maqhth/j) não está acima do seu mestre (dida/skaloj); todo aquele, porém, que for bem instruído (katarti/zw)[1] será como o seu mestre (dida/skaloj)(Lc 6.40).[2]

Jesus chamou os seus discípulos e, após instruí-los, eles passaram a ter a responsabilidade de ensinar (pregar) e, como um dos sintomas disso, os discípulos são designados pelo próprio Senhor de “apóstolos” (Lc 6.12,13), ou seja, aqueles que são “enviados”.[3]

Jesus não simplesmente ensinava um conteúdo, antes formava seguidores, pessoas que, crendo na sua mensagem, devotavam-se ao Senhor.[4] Entretanto, não competia aos seus discípulos formarem discípulos seus, antes ensinar a Palavra para que os convertidos tornassem-se discípulos do Senhor (Mt 28.19).

Os apóstolos seguindo o exemplo de seu Mestre, dentro da sua esfera, empenharam-se na instrução, preparando seus sucessores na liderança da Igreja.  Jesus Cristo havia incumbido aos seus discípulos de pregar a Palavra a todas as nações, “ensinando-as (dida/skw) a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.20).

Pois bem, Paulo, discípulo de Cristo (At 9.26), despede-se de Timóteo, dizendo: “O que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir (dida/skw)  a outros” (2Tm 2.2). Aqui fica evidente a preocupação de Paulo com a corrente de ouro do ensino evangélico, preparando discípulos de Cristo que continuassem a obra de ensino.

A História da Igreja vem demonstrar que isso de fato ocorreu: O apóstolo João dedicou muitos anos de sua vida a este trabalho em  Éfeso; Policarpo em Esmirna e, diversas outras escolas embrionárias de “ensino teológico” foram organizadas em  Cesareia, Antioquia, Laodiceia, Atenas, Roma, Cartago e Alexandria entre tantos outros lugares.

Agostinho (354-430) também instituiu uma espécie de “Seminário Primitivo”, quando agrupou em torno de si os clérigos e sacerdotes fornecendo-lhes um regulamento de vida comum.[5] Contudo, a primeira determinação específica a respeito deste assunto, temos no 2º Concílio de Toledo (17/5/527) que dispõe no Cânon I:

Quanto àqueles que que foram consagrados à vida clerical   desde os primeiros anos de sua infância por vontade de seus pais, decretamos que se observe o seguinte: que uma vez tonsurados e entregues para o ministério dos eleitos, devem ser instruídos pelo propósito de importância, nas coisas da Igreja debaixo da inspeção do bispo, e quando completarem dezoito anos lhes perguntarão se querem se casar ou não. Aqueles que por inspiração de Deus lhes agradar a graça da castidade e prometerem que guardarão o voto de continência sem o laço conjugal, estes como aspirantes de uma vida mais austera serão colocados debaixo do jugo suave do Senhor e primeiramente receberão, completados os vinte anos, o subdiaconato, uma vez que tenham provado a sinceridade de sua profissão. E se chegarem aos vinte e cinco anos sem culpa nem mácula, serão promovidos ao ofício de diaconato se o bispo comprovar que podem cumpri-lo prudentemente. Contudo, devem esses salvos de que esquecendo alguma vez sua promessa se entregam depois ao casamento terreno ou as relações ilícitas, e se acaso fizerem algo disso, serão condenados como réus do sacrilégio e considerados como estranhos para a Igreja. Mas aqueles que no momento de serem interrogados, por sua própria vontade mentirem o desejo de casar-se, não poderemos negar-lhes a permissão que lhe foi concedida pelos apóstolos, de tal modo que uma vez que tenham alcançado a idade madura, vivendo em matrimônio, si de comum acordo prometerem.[6]

Durante a Idade Média os clérigos eram formados nas escolas dos mosteiros (escolas monásticas) e das catedrais (escolas episcopais ou escolas catedrais) e, posteriormente, nos colégios instituídos junto das Universidades.[7]

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] Quando o discípulo receber o treinamento e preparo completo do seu mestre.  A ideia da palavra é de preparar de forma adequada e própria (espiritual, intelectual e moral) para a execução de determinada tarefa. O seu sentido é mais funcional do que qualitativo (Cf. R. Schippers, Retidão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 215). O verbo katarti/zw tem um amplo sentido de restauração: consertar as redes (Mt 4.21; Mc 1.19); boa instrução (Lc 6.40); perfeita união (1Co 1.10); aperfeiçoar/equipar (2Co 13.11; Hb 13.21; 1Pe 5.10; 2Co 13.9 (kata/rtisij); correção (Gl 6.1); reparo (1Ts 3.10), formar (Hb 10.5; 11.3). Deste modo, os dons recebidos, foram-nos concedidos para que os usássemos para a edificação da Igreja, não para a disseminação de discórdias, ou para usar de nossa influência para dividir, denegrir, solapar ou mesmo para a nossa projeção pessoal: Deus não desperdiça os dons “por nada e nem os destina para que sirvam de espetáculo”, enfatiza Calvino. (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.7), p. 376).  O objetivo é claro: “Com vistas ao aperfeiçoamento (katartismo/j) dos santos” (Ef 4.11). O termo grego utilizado por Paulo, no campo cirúrgico, era usado para “consertar um osso quebrado”. “Ajustar em conjunto num só corpo” (David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 172). “A ideia fundamental do termo é de pôr nas condições em que devem estar já uma coisa ou uma pessoa” (William Barclay, Efésios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, p.156). Calvino diz que o termo grego “significa literalmente a mútua adaptação (= coaptitionem) de coisas que devem ter simetria e proporção; assim como, no corpo humano, há uma combinação apropriada e regular dos membros; de modo que o termo é também usado para ‘perfeição’. Mas como a intenção de Paulo aqui é expressar um arranjo simétrico e metódico, prefiro o termo constituição (= constitutio). Pois, estritamente falando, o latim indica uma comunidade, ou reino, ou província, como constituída, quando a confusão dá lugar ao estado regular e legítimo” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 124).

[2] Veja-se: Jay A. Adams, Conselheiro Capaz, São Paulo: Fiel, 1977, p. 242.

[3]O verbo a)poste/llw, significa “enviar’, “mandar” (Mt 2.16; 11.10; Jo 1.6; At 3.20). Primariamente, no grego secular, a palavra com emprego náutico, tinha o sentido de enviar um navio de carga ou uma frota em expedição militar. Somente mais tarde é que a palavra passou a indicar uma pessoa enviada, um emissário. (Vejam-se: K.H. Rengstorf, a)poste/llw: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1983 (Reprinted), v. 1, p. 398-447 (especialmente, a página 407); E. von Eucken, et. al. Apóstolo: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 234-239 (especialmente, a página 234).

[4] Ver: Hermisten M. P. Costa, Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo, São Paulo, Paracletos, 2001.

[5] Cf. Seminário: In: António da Costa Leão, et. al. (dir.), Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, v. 28, p. 234b. Veja-se: Daniel-Rops, A Igreja os Tempos Bárbaros, São Paulo: Quadrante, 1991, p. 31-32. Quanto às regras criadas por Agostinho, veja-se:  Santo Agostinho, A Regra de Santo Agostinho, Petrópolis, RJ.: Vozes, 2009 (Com apresentação e comentário de Clodovis Boff).

[6]J. Vives, ed. Concilios Visigóticos e Hispano-Romanos (Ed. bilíngue latim-espanhol). Barcelona-Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1963, p. 42-43.

[7]Cf. Seminário: In: António da Costa Leão, et. al. (dir.), Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, v. 28, p. 234b; Rómulo  de Carvalho, História  do Ensino em Portugal, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1986), p. 15.

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