Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente – Parte 18

6. A Reforma Protestante[1]

Do prisma teológico, um dos serviços prestados pelos humanistas do século XVI à causa da verdade foi o de levantar dúvidas quanto à legitimidade dos esteios humanos sobre os quais a fé, a Igreja e a teologia pensavam poder apoiar-se. – Jacques de Senarclens (1914-1971).[2]

Apesar de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do Novo Testamento e da época patrística, a Reforma consistiu essencialmente num movimento visando ao futuro. Foi um movimento dos “últimos dias”, vividos numa forte tensão escatológica entre o “não mais” da antiga dispensação e o “ainda não” do reino perfeito de Deus. – Timothy George.[3]

O protestantismo, por sua exata natureza, criou espaço para empreendimentos individuais com o intuito de redirecionar e redefinir o cristianismo. Era uma ideia perigosa, mas ela era um entendimento da essência da fé cristã que possuía uma capacidade sem precedentes para se adaptar às circunstâncias locais. Desde o início, o protestantismo foi um desígnio religioso para adaptação e transplantação globais. – Alister McGrath.[4]

Introdução

O historiador luterano von Mosheim (1693-1755), considerado o pai da historiografia da igreja, em sua monumental obra de 4 volumes, Institutes of Ecclesiastical history, ancient and modern (1726), declarou:

O tempo em que nós vivemos normalmente tem tanta influência sobre nós que medimos as eras passadas por ele, pensando que anteriormente o que deveria ser feito ou deveria ser impossível é o que hoje está feito ou é impossível. Em seguida as pessoas cujo testemunho deve-se usar, especialmente aquelas que têm sido conhecidas ao longo dos anos por sua santidade e virtude, frequentemente nos levam ao erro por sua autoridade. Por último, o amor à opinião e doutrinas que gozam de nossa afeição frequentemente constrange nossas mentes, e mesmo inconscientemente podemos ter visões errôneas dos fatos. Essa servidão tripla deve, portanto, com toda as nossas forças, ser arrancada de nossas mentes.[5]

Saibamos, portanto, de nossas limitações. Contudo, não abandonemos o ideal de uma maior objetividade possível, como marca de um pesquisador honesto,[6] assunto que voltaremos a tratar em lugar apropriado.[7]

 

As fronteiras históricas

Assim compreendendo, devemos também ter em mente que as fronteiras históricas são sempre difíceis de demarcar, sendo de certo modo arbitrárias, visto que as transformações não ocorrem simplesmente por decreto ou por decisão de um líder ou concílio. Esses, sem dúvida, são muitas vezes fundamentais para um processo. Contudo não estabelecem o limite.

Outro aspecto, é que normalmente aquilo que caracteriza um período, geralmente está ainda como que um sobrevivente – incômodo para o historiador, diga-se de passagem – no posterior e, por sua vez, os elementos saudados como a grande marca de uma nova fase, já viviam ainda que embrionariamente, e tantas vezes anônimos, na anterior. Ou seja, ainda que nem sempre prontamente percebido, os movimentos interagem e coexistem com outros movimentos e culturas, há sempre um entrelaçamento dos tempos e dos movimentos.[8]

O Renascimento – apesar de ser uma decorrência da Idade Média –,  veio implodir a Idade Média e muitos de seus valores. Pode parecer estranho o que estamos afirmando, todavia, não devemos nos esquecer, que os movimentos históricos não são determinados apenas positivamente pelos fatos, antes, há uma determinação por via oposta, indireta, que, contudo, não exclui as suas causas. Por isso, qualquer tentativa de explicar a relação entre a Idade Média e o Renascimento de forma reducionista – ora afirmando a simples continuidade, ora declarando a total oposição –, cai numa simplificação deturpante dos fatos históricos, não fazendo jus à sua complexidade.[9]

Como bem observa Daniel-Rops (1901-1965), “nesse terreno, todo o juízo de valor se revela subjetivo e gratuito”.[10]

A. O Divino e o Humano no Tempo e na História

Deus define a realidade. − John Piper.[11]

Nossa compreensão da realidade é sempre interpretada. − Michael Horton.[12]

Quanto à história da Igreja, que se poderia cometer o erro de desprezar, eu devo acrescentar que sua função é enciclopédica: ela tem a honra de ser constantemente requisitada e ocupa um posto legítimo dentro do ensinamento cristão. − Karl Barth (1886-1968).[13]

A concepção cristã de tempo, mesmo com as suas variações, influenciou diretamente todo o mundo ocidental. A compreensão de que o tempo tem um início, meio e fim era totalmente estranha às culturas pagãs.[14] A questão da história e do tempo é fundamental para o Cristianismo pela sua própria constituição.

O Cristianismo é uma religião de história.[15] Elimine, por exemplo, a historicidade dos 11 primeiros capítulos de Gênesis, e mutilaremos o sentido das Escrituras e, por isso mesmo, os fundamentos da fé cristã. Pelo fato de a Criação ter ocorrido na história, bem como a Queda, a promessa (Gn 3.15) e o Dilúvio, é que tudo o mais faz sentido.

Se a Queda é apenas uma lenda, porque precisaríamos crer na encarnação, morte e ressurreição de Cristo como fato histórico? Bastaria a criação de outra lenda para, quem sabe, remediar o que fora inventado anteriormente.

A revelação dá-se na história. Qual o sentido de Deus falar e agir na história e, ao mesmo tempo, fornecer por meio de sua Palavra uma história mentirosa, cheia de equívocos, contradições e erros? Grande parte dos ensinamentos doutrinários das Escrituras provém de fatos históricos não apenas de proposições doutrinárias.[16]

Na história vemos a demonstração prática dos ensinamentos de Deus, revelando os acertos e fracassos de suas criaturas em permanecerem fiéis ao seu Senhor, e, ao mesmo tempo, a demonstração de sua misericórdia incompreensível que atinge o seu ápice na encarnação do Verbo.

Dito de outro modo: A história retrata, em muitos aspectos, os efeitos da obediência e desobediência do povo de Deus à sua Lei. Ainda assim, permeada pela misericórdia soberana e incompreensível de Deus.

Insistimos: o Cristianismo não se ampara em lendas, antes, em fatos os quais devem ser testemunhados, visto que têm uma relação direta com a vida dos que creem.[17] O Cristianismo é uma religião de fatos, palavra e vida. Os fatos, corretamente compreendidos, têm uma relação direta com a nossa vida.

A fé cristã fundamenta-se no próprio Cristo: O Deus-Homem. Sem o Cristo histórico não haveria Cristianismo.[18] A sua força e singularidade estão neste fato, melhor dizendo: na pessoa de Cristo, não, simplesmente, nos seus ensinamentos.[19] O Cristianismo é o próprio Cristo.

A encarnação é toda e inclusivamente missionária: o Verbo fez-se carne e habitou entre nós (Jo 1.14). É por isso também, que o Cristianismo é uma religião de memória, relatando os feitos de Deus e desafiando o povo a reafirmar a sua fé a partir do rememorar dos atos de Deus na história.[20]

Bavinck (1854-1921) corretamente destaca a singularidade de Cristo para o Cristianismo:

Ele ocupa um lugar completamente único no Cristianismo. Ele não foi o fundador do Cristianismo em um sentido usual, ele é o Cristo, o que foi enviado pelo Pai e que fundou Seu reino sobre a terra e agora expande-o até o fim dos tempos. Cristo é o próprio Cristianismo. Ele não está fora, Ele está dentro do Cristianismo. Sem Seu nome, pessoa e obra, não há Cristianismo. Em outras palavras, Cristo não é aquele que aponta o caminho para o Cristianismo, Ele mesmo é o caminho.[21]

Se as reivindicações divinas e redentivas do Jesus Cristo histórico são verdadeiras como de fato são, a mensagem do evangelho deve ser anunciada ao mundo para que aqueles que crerem sejam salvos.

Noll resume bem ao dizer que: “Estudar a história do cristianismo é lembrar continuamente o caráter histórico da fé cristã”.[22] Sem o fato histórico da encarnação, morte e ressurreição de Cristo, podemos falar até de experiência religiosa, mas não de experiência cristã. A experiência cristã depende fundamentalmente desses eventos.[23]

Quando focamos o nosso olhar na experiência, corremos o risco de perdermos a dimensão da essência, do referente de toda a realidade, que é o próprio Deus Criador e preservador de todas as coisas. Nesse processo, como escreveu Barth (1886-1968), “a passagem da experiência do Senhor à experiência de Baal é curta. O religioso e o sexual são extremamente semelhantes”.[24]

É por isso que a pregação da Igreja primitiva, conforme nos mostram as Escrituras, estava fundamentalmente amparada na certeza da ressurreição do Senhor.[25]

Jesus Cristo é o clímax da Revelação; é a Palavra Final de Deus. Nele temos não uma metáfora ou um sinal, antes, temos o próprio Deus que se fez homem na história.

Escreve Sire (1933-2018):

Jesus Cristo é a revelação final e especial de Deus. Porque Jesus Cristo era verdadeiramente Deus Ele nos mostrou mais plenamente com quem Deus era semelhante do que qualquer outra forma de revelação. Porque Jesus foi também completamente homem, Ele falou mais claramente a nós do que pode fazê-lo qualquer outra forma de revelação.[26]

A fé cristã é para ser vivida e proclamada. A pregação caracteriza essencialmente a fé cristã e a sua proclamação. Paulo, então indaga:

Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! (Rm 10.14-15).

No final de sua vida, Paulo, com a consciência certa de ter concluído fielmente o seu ministério, exorta ao jovem Timóteo:

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas (mu=qoj = lenda, mito). Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4.2-5).

 

O lado divino e humano da História

A História da Igreja, bem como da Teologia, tem um lado divino: Deus dirige a História e, um lado humano: os fatos compartilhados por todos nós que a vivemos. Os atos de Deus na história não são objeto de análise do historiador. Não somos Lucas, inspirados infalivelmente por Deus, apresentando uma interpretação inspirada.[27]

A relação entre a história e a teologia é extremamente complexa e de difícil interpretação.[28] Além disso, é preciso delimitar a esfera de domínio do historiador e do teólogo. Somos homens comuns, que procuramos estabelecer métodos, examinar documentos, fazer-lhes perguntas e interpretá-los a bem da melhor compreensão possível do que aconteceu.

Nesse sentido, a História é uma ciência social “cujo objeto é o conhecimento do processo de transformação da sociedade ao longo do tempo”, escreve Sodré (1911-1999).[29] Ela tem como pressuposto, a consciência de determinada ignorância – aliás, a consciência da ignorância é um requisito fundamental para o historiador – para a qual buscaremos uma solução[30] por meio do uso que consideramos plausível dos documentos disponíveis.

Contudo não captamos o fato absolutamente. Ele, como “conhecimento autêntico e seguro”, sempre nos escapa,[31] Compreendemos, sim, as versões, as nossas versões dos fatos que julgamos serem coerentes com eles. No entanto, há uma interação mutativa: as evidências interferem em nossa cosmovisão e esta, por sua vez, fornece-nos novos cânones – provisórios é verdade – de aproximação das mesmas evidências que, agora, podem já não ser consideradas evidências.

O estudo do passado, se devidamente compreendido, ainda que não exaustivamente, pode nos levar a reavaliar as nossas próprias suposições que, em muitos casos, são “crenças correntes”[32] já tão bem estabelecidas que julgávamos acima de qualquer “suspeita”. Duby (1919-1996), colocou isso de forma bela e ao mesmo tempo angustiante: “Todo historiador se extenua para conseguir a verdade; essa presa escapa-lhe sempre”.[33]

A História da Igreja, por exemplo, é uma ciência que não está atrelada a nenhuma ciência em particular. Como ciência histórica, deve apresentar um quadro histórico e cronológico dos principais fatos da vida da Igreja do período analisado. Para que isso seja feito com clareza, tornam-se necessárias fontes documentais, onde possamos nos alicerçar para exaurir as informações de cada época, a fim de formular um quadro interpretativo coerente com os documentos disponíveis.

A história é cheia de mistérios. Analisar o passado e prever o futuro, são atividades repletas de riscos, principalmente a segunda. O passado não pode ser idealizado,[34] mas, compreendido. O futuro, humanamente falando, tem a ver, ainda que não exclusivamente, com as nossas construções presentes.[35]

Um esforço honesto e positivo, é-nos fornecido pelo filósofo Schaff (1913-2006):

Um dos poderosos motores da autocrítica científica, que deveria caracterizar em permanência a obra do cientista e ser a garantia da sua vitalidade, é a consciência do condicionamento social e das limitações subjetivas do conhecimento; consciência que, sensível em primeiro lugar sob a sua forma teórica geral, conduz em seguida o cientista a pôr em questão a sua própria obra, a uma reflexão mais sistemática sobre o condicionamento social das suas próprias posições, sobre os limites e as deformações eventuais dos seus próprios pontos de vista sob o efeito do fator subjetivo”.[36]

Somos finitos, limitados, tentando entender e sistematizar os fragmentos com os quais nos deparamos e, muitas vezes, faltam-nos mais pedaços do que de fato os temos. “O historiador deve lembrar-se a tempo que é um simples homem e que convém aos mortais pensar como mortais”, resume Marrou (1904-1977).[37]

Por isso, é de grande pertinência, além de fidelidade às nossas fontes, cultivarmos uma humildade epistemológica que não deve ser confundida com agnosticismo. Afinal, o nosso conhecimento é mediato – repleto de preconceitos –,[38] indireto, inferencial e conjetural.[39] Além disso, as nossas teorias devem sempre cultivar o saudável e renovado hábito de se submeter aos fatos. E, um outro ponto dificultoso: somos do presente; nem do passado, nem do futuro. Por si só isso já nos delimita.[40]

 

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] Este capítulo com variações encontra-se em diversos textos meus. Ele é colocado aqui, com ênfases específicas, apenas para que possamos entender suficientemente como a Reforma fundamentou a sua fé a partir das Escrituras.

[2]Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, São Paulo: ASTE, 1970, p. 103.

[3]Timothy George, Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 319.

[4]Alister E. McGrath, A Revolução Protestante, Brasília, DF.: Editora Palavra, 2012, p. 12.

[5]Johann Lorenz von Mosheim, Institutes of Ecclesiastical history, ancient and modern, 2. ed. (Revised edition), London: Longman & Co., 1850, v. 1, p. 20-21.

[6] A “neutralidade” é impossível tal qual a “objetividade” completa, no entanto, deve ser buscada. Freyre (1900-1987) expressou bem isto, ao dizer: “A perfeição objetiva nas Ciências do homem ou nos Estudos Sociais talvez não exista. Mas o afã de objetividade pode existir. É a marca do historiador intelectualmente honesto. E sua ausência, o sinal do intelectualismo desonesto” (Gilberto Freyre, na Apresentação da obra de Davi Gueiros Vieira, O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 9). “É preciso admitir que o conhecimento objetivo só pode ser um amálgama do que é objetivo e do que é subjetivo, dado que o conhecimento é sempre obra de um sujeito; mas é preciso também admitir que o progresso no conhecimento e a evolução do saber adquiridos graças a ele só são possíveis se transpondo as formas concretas, sempre diferentes, do fator subjetivo” (Adam Schaff, História e Verdade, 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 294-295).

[7] Cabe aqui uma distinção entre “objetividade psicológica”, que seria uma espécie de ausência de preconceitos ou falta de compromisso com o tema e, a “objetividade racional” que consiste na capacidade de entender o assunto em pauta, discernindo o que é positivo e bem fundamentando do seu oposto. A “objetividade racional” indica o fato de que por termos posições definidas em determinados assuntos, não nos impede de analisar com clareza e integridade as posições diferentes. O nosso viés pode dificultar, porém, não impossibilita a nossa avaliação “objetiva” da realidade. Caso contrário, seria impossível, por exemplo, ser um professor academicamente honesto. (Veja-se: J.P. Moreland; William L. Craig, Filosofia e Cosmovisão Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 192-193).

[8]O medievalista Jacques Le Goff  (1924-2014) discute essa questão no que concerne à periodicidade da Idade Média. Veja-se: Jacques Le Goff, Em busca da Idade Média: conversas com Jean-Maurice de Montremy, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 53ss. Devemos ter em mente também, que o período do Renascimento é considerado com certa elasticidade no que se refere ao seu início e fim. Sciacca (1908-1975), por exemplo, o coloca como que indo dos séculos XIII-XIV até XVII-XVIII. (M.F. Sciacca, História da Filosofia, 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1968, v. 2, p. 8). Vejam-se: Renascimento: In: José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, São Paulo: Loyola, 2004, v. 4, [p. 2510-2512], p. 2510; G. Fraile, Historia de la Filosofia, Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1966, v. 3, p. 8-9; Philip Schaff; David S. Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 6, p. 561-562; John M. Frame, A History of Western Philosophy and Theology, Phillipsburg, New Jersey: P&R Publishing, 2015, p. 165-168. Devemos considerar também, que o Renascimento não ocorreu simultaneamente em todas cidades e países que o conheceram (Ver: Paul Johnson, O Renascimento, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 12ss.).

[9]Mesmo o filósofo dominicano Fraile (1909-1970), desejoso de mostrar a grande relevância do período Medievo, tem de se render aos fatos. Escreve:  “Em muitos aspectos, o ‘Renascimento’ é a culminação da Idade Média, a etapa final de um longo processo de desenvolvimento. Porém ao mesmo tempo entram em função outros fatores que abrem o começo de uma nova era (…). O Renascimento não é uma ruptura completa com seu passado imediato, nem um salto brusco, menos ainda uma ressurreição, senão o resultado de um processo histórico, cujas raízes mais profundas e autênticas devem ser buscadas em solo medieval (…). Não obstante, o Renascimento não é uma simples continuação da Idade Média” (Guillermo Fraile, Historia de la Filosofia, Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1966, v. 3, p. 8-9,12 e 16).

Por sua vez, o marxista Bloch (1885-1977), não poupa elogios à Renascença: “Nosso tema é uma aurora como a história universal rara vezes contemplou, com o frescor de uma classe ascendente; em uma palavra: o Renascimento. Não foi simplesmente um novo renascimento no sentido de que algo velho houvera voltado a aparecer, como, por exemplo, a Antiguidade, segundo a interpretação corrente; senão que foi um nascimento de algo que antes jamais havia passado pela mente humana, uma irrupção de figuras como jamais havia sido vista sobre a terra” (Ernst Bloch, Entremundos en la Historia de la Filosofía, Madrid: Taurus Ediciones, 1984, p. 149). (Vejam-se: Alister McGrath, The Intellectual Origins of The European Reformation, Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1995 (reprinted), p. 191ss.; Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, Lisboa: Editorial Estampa, 1984, v. 1, p. 19-20; Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, São Paulo: Quadrante, 1996, p. 173ss.; Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lisboa: Edições 70, (1995), p. 12; Paolo Rossi, O Nascimento da Ciência Moderna na Europa, Bauru, SP.: EDUSC, 2001, p. 16-18; Christian Amalvi, Idade Média: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, Coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP.; São Paulo, SP.: Editora da Universidade Sagrado Coração; Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 1, [p. 537-551], p. 548; Jacques Le Goff, Em busca da Idade Média: conversas com Jean-Maurice de Montremy, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 55; É. Bréhier, História da Filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977-1978, I/3, p. 206ss.

[10]Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, p. 173.

[11] John Piper, O Legado da Alegria Soberana: a graça triunfante de Deus na vida de Agostinho, Lutero e Calvino,  São Paulo: Shedd, 2005, p. 124.

[12] Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 16-17.

[13]Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 12.

[14]Cf. Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 22-23. Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Metodologia das Ciências Teológicas, Goiânia, GO.: Cruz, 2015, p. 180-193.

[15] Veja-se a exposição de Alan Richardson, Así se hicieron los Credos: Una breve introducción a la historia de la Doctrina Cristiana, Barcelona: Editorial CLIE, 1999, p. 15ss.

[16]Veja-se, por exemplo: Francis A. Schaeffer, Nenhum conflito final: a Bíblia sem erro em tudo o que ela afirma, Brasília, DF.: Monergismo, 2017, p. 13-33.

[17] Veja-se: F.A. Schaeffer, O Deus que intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 250-251.

[18]Georges Duby (1919-1996), dentro de uma perspectiva puramente histórica, admite: “O Cristianismo, que impregnou fundamentalmente a sociedade medieval, é uma religião da história. Proclama que o mundo foi criado num dado momento e que, num outro, Deus fez-se homem para salvar a humanidade. A partir disso, a história continua e é Deus quem a dirige” (Georges Duby, Ano 1000, ano 2000, na pista de nossos medos, São Paulo: Editora UNESP;  Imprensa Oficial do Estado, 1999, p. 16). “Os historiadores insistiram com justeza sobre o fato de que o cristianismo é uma religião histórica, ancorada na história e se afirmando como tal” (Jacques Le Goff, Tempo: In: Jacques Le Goff; Jean-Claude Schmitt, Coords. Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP.; São Paulo, SP.: Editora da Universidade Sagrado Coração; Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 2, p. 534). “O cristianismo, como também a religião de Israel, da qual ele nasceu, se apresenta como uma religião histórica de forma absolutamente concreta, em comparação à qual nenhuma das outras religiões do mundo pode se equiparar – nem mesmo o Islã, apesar de este se aproximar mais do cristianismo e do judaísmo, nesse sentido, que qualquer outra religião” (Christopher Dawson, Dinâmicas da História no Mundo,  São Paulo: É Realizações Editora, 2010, p. 343). Do mesmo modo: Marc Bloch, Apologia da história, ou, O ofício do historiador, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 58. Veja-se também: Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos homens e do mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 85, 92.

[19] Veja-se: Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 23ss. “Qualquer coisa que se apresente como cristianismo, mas que não insista na absoluta e essencial necessidade de Cristo, não é cristianismo. Se Ele não for o coração, a alma e o centro, o princípio e o fim do que é oferecido como salvação, não é a salvação cristã, seja lá o que for” (D. M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 143). “O evangelho nos confronta com fatos. Ele se baseia completamente numa pessoa; está fundamentado em fatos definidos que ocorreram ao longo da história. (…) Ele me conduziu por entre os fatos, ao longo do túnel das trevas em direção à aurora que ilumina a outra extremidade” (D.M. Lloyd-Jones, Não se perturbe o coração de vocês, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2016, p. 29). Vejam-se Alister E. McGrath, A gênese da doutrina: fundamentos da crítica doutrinária, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 195ss.; D.A. Carson, O que é o evangelho? – revisitado: In:  Sam Storms; Justin Taylor, orgs., John Piper: Ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, [p. 177-206], p. 204.

[20] Veja-se: Michael S. Horton, Os Sola’s de Reforma: In: J.M. Boice;  B. Sasse, Reforma Hoje,  São Paulo: Cultura Cristã, 1999, [p. 97-127], p. 97.

[21] Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 311.

[22] Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 16. Veja-se também: Clyde P. Greer, Jr., Refletindo Honestamente sobre a História: In: John F. MacArthur Jr. ed. ger. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 400-401.

[23] Cf. J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 77.

[24] Karl Barth, A Palavra de Deus e a Palavra do homem, São Paulo: Novo Século, 2004, p. 217.

[25]“Gostemos ou não, não podemos escapar ao fato de que historicamente o Cristianismo foi fundado sobre a crença na ressurreição” (Alan Richardson, Así se hicieron los Credos: Una breve introducción a la historia de la Doctrina Cristiana, Barcelona: Editorial CLIE, 1999, p. 24).

[26]James W. Sire, O universo ao lado, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 40.

[27]Conforme já citamos, Carson constatando a secularização na prática e nos discursos, arrematou: “Hoje não existe um departamento de história na terra que aprovaria uma dissertação de doutoramento que tentasse inferir algumas coisa sobre a providência” (D.A. Carson, O Deus amordaçado: o Cristianismo confronta o pluralismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2013, p. 38-39). Por sua vez, estimulando a nossa modéstia na interpretação da histórica, veja-se: Darryl G. Hart, 1929 e tudo aquilo, ou o que o calvinismo diz aos historiadores em busca de significado?: In: David W. Hall, Calvino em praça pública,  São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p 19-34.

[28] Ver: Michel De Certeau, A Escrita da História, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 33ss.

[29]Nelson W. Sodré, Formação Histórica do Brasil, São Paulo: Brasiliense, (1962), p. 3.

[30]Veja-se: R.G. Collingwood, A Ideia de História, Lisboa: Editorial Presença, [s.d.], p. 21.

[31]“O homem sente necessidade absoluta de chegar ao conhecimento autêntico do que verdadeiramente aconteceu, ainda que tenha consciência da pobreza dos meios de que para isso dispõe” (Johan Huizinga, El Concepto de la Historia y Otros Ensayos, 4. reimpresión, México: Fondo de Cultura Econômica, 1994, p. 92).

[32]Veja-se: Quentin Skinner, Liberdade antes do Liberalismo, São Paulo: Editora UNESP/Cambridge, 1999, p. 90.

[33] Georges Duby, O Prazer do Historiador: In: Pierre Nora, et. al. Ensaios de Ego-História, Lisboa: Edições 70, (1989), p. 110.

[34]“O estudo da história da Igreja pode ser um abridor de olhos. Os heróis da fé geralmente têm pés de barro, às vezes pernas, corações e cabeças também. As eras de ouro do passado geralmente revelam-se manchadas se forem examinadas bem de perto. Em torno dos heróis da fé existem muitos vilões e alguns deles se parecem um bocado com os heróis” (Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 20).

[35] Veja-se de forma ilustrativa, C.S. Lewis, Cartas do Inferno, São Paulo: Vida Nova, 1964, p. 160-161.

[36] Adam Schaff, História e Verdade, p. 293.

[37]H.I. Marrou, Do Conhecimento Histórico, p. 51. Veja-se: Adam Schaff, História e Verdade, p. 284.

[38] “Por mais que lutemos arduamente para evitar os preconceitos associados a cor, credo, classe ou sexo, não podemos evitar olhar o passado de um ponto de vista particular. O relativismo cultural obviamente se aplica, tanto à própria escrita da história, quanto a seus chamados objetos. Nossas mentes não refletem diretamente a realidade. Só percebemos o mundo através de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos, um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra” (Peter Burke, Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro: in: Peter Burke, org. A Escrita da História: novas perspectivas, São Paulo: UNESP., 1992, p. 15).

[39] Veja-se: Carlo Ginzburg, Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e história, São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 150.

[40]Veja-se: Edward Hallet Carr, O que é história?,  3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (7ª reimpressão), p. 60-61.

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