Votos quebrados

por G.I. Williamson[1]

 

Há alguns anos atrás li o ensaio do professor John Murray sobre “A Santidade da Lei Moral”.[2] Esse artigo, escrito no auge da luta na Igreja Presbiteriana dos EUA, entre a ortodoxia e o modernismo,[3] chamou a atenção para o fato de que a ortodoxia não se preocupa somente com a doutrina. Murray escreve:

O cristão ortodoxo … tornou-se tão concessivo quando tolerou até mesmo a sugestão de que a diferença entre ele e o modernista se limita em grande parte ao domínio do que, mais especificamente, chamamos de crença doutrinária. Pois o ataque à fé cristã não é menor no âmbito dos padrões da obrigação moral …[4]

 

Ele continua a concentrar essa preocupação nos subscritores da Declaração Auburn!

A seriedade da Declaração Auburn se limita ao domínio do que chamamos de crença doutrinária? Oh, não mesmo! Outro aspecto disso é igualmente, se não mais grave, porque, nesse aspecto, evidencia o abandono do princípio da própria verdade. Esses mesmos homens juraram solenemente a crença e adesão a essas grandes verdades que posteriormente negaram ou classificaram como meras teorias. Com justiça e na verdade, a permanência na Igreja Presbiteriana só pode perdurar enquanto forem fiéis a esses votos. É evidente que eles não foram fiéis a esses votos. O que isto significa? Significa simplesmente uma violação flagrante da confiança, do princípio básico da honestidade, em uma palavra, da verdade.

. . . modernismo na doutrina e modernismo na ética são, em última instância apenas um.[5]

 

Essas poderosas palavras causaram-me uma profunda impressão, e eu chamo sua atenção porque acredito que precisamos ouvi-las novamente. Mesmo no momento em que isso foi escrito (setenta e um anos atrás), o sr. Murray sugeriu que muitas vezes as pessoas ortodoxas parecem faltar com respeito ao lado ético da questão. Afinal, não são somente os modernistas que parecem tratar os seus votos de ordenação com leviandade. Estou cada vez mais convencido de que o sr. Murray estava certo quando ele, de fato, nos advertiu contra uma “perda da consciência da santidade da lei moral e das suas implicações na verdade e na justiça”.[6]  O que me interessa neste artigo é a conexão vital entre doutrina e moral (ou ética) conforme definido pelo Capítulo 22 da Confissão de Fé de Westminster.

  1. Um juramento lícito é parte da adoração religiosa, em que, numa ocasião, a pessoa que jura solenemente invoca a Deus a testemunhar o que afirma ou promete e a julgá-lo de acordo com a verdade ou falsidade do que ele jura.
  2. O nome de Deus é o único pelo qual os homens devem jurar, e deve ser usado com todo o temor e santa reverência. Portanto, jurar em vão, ou precipitadamente, usando aquele nome glorioso e terrível, ou, jurar por qualquer outra coisa, é pecaminoso e desprezível. No entanto, como em questões de importância e ocasião, um juramento é justificado pela Palavra de Deus, sob o Novo, bem como sob o Velho Testamento; então um juramento legal, sendo imposto por uma autoridade legal, em tais assuntos, deve ser aceito.
  3. Qualquer um que faça um juramento deve considerar devidamente a gravidade de ato tão solene, e, evitar jurar nada além do que ele está plenamente persuadido, como verdade: tampouco qualquer homem pode se vincular por juramento a qualquer coisa, exceto ao que é bom e justo, e o que acredita ser, e o que ele é capaz e resolveu cumprir.
  4. Um juramento deve ser tomado no seu sentido simples e comum das palavras, sem equívoco, nem reserva mental. Não pode obrigar a pecar; mas em qualquer coisa que não seja pecaminosa, sendo realizado, obriga ao desempenho, mesmo que envolva a própria dano de quem jura. Também não deve ser violada, embora feita aos hereges, ou infiéis.
  5. Um voto é de natureza semelhante a um juramento obrigatório, e deve ser feito com o mesmo cuidado religioso, e ser realizado com igual fidelidade. Aqueles que recebem o privilégio de servirem como ministros do OPC fazem isso com base em votos solenes, feitos diante do Deus Todo-Poderoso, para das seguintes coisas: (1) “recebe e adota a Confissão de Fé e Catecismos dessa Igreja, como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras;” (2) “aprova o governo, disciplina e culto da Orthodox Prebyterian Church” (3) “promete sujeitar-se a … irmãos no Senhor” (4) e “ser zeloso e fiel em manter as verdades do evangelho e a pureza, a paz e a unidade da igreja, qualquer que seja a perseguição ou oposição que possam surgir … nesse motivo.”[7]

 

Parece-me que qualquer homem que faz esses votos de maneira conscienciosa, conforme especifica a Confissão de Fé de Westminster – a qual ele está subscrevendo com um juramento – nunca faria coisas como estas: (1) retirar-se do ministério do OPC simplesmente por não obter o seu próprio estilo num caso específico; (2) pregar intencionalmente qualquer doutrina ou se envolver nalguma prática no cumprimento do seu ofício que seja contrária à constituição da igreja, a que ele prometeu adesão; ou (3) abandonar o processo de disciplina administrativa ou judicial sem primeiro esgotar a completa disposição do devido processo. Não creio que precise citar exemplos específicos aos leitores da Ordained Servant,[8] porque estou confiante de que vocês também reconhecerão que há motivos para se preocuparem com essa questão.[9]

Mas o que me incomoda tanto quanto qualquer exemplo particular dos desvios listados acima, é o que vejo como tendência de alguns em terem disposição para minimizar esse pecado e, portanto, facilmente restaurar a reputação daqueles que quebraram seus votos por uma razão ou outra. O que eles parecem fazer é substituir a própria avaliação pessoal das coisas por causa da necessidade da urgência – mas, muitas vezes, egoisticamente abandonados – os resultados finais de uma fiel adesão ao devido processo. É minha opinião que quando um homem simplesmente renuncia à jurisdição da OPC, durante o processo de disciplina, ele não tem direito de reivindicar – nem de rapidamente receber crédito de outros, com base em sua reivindicação – estar no direito, enquanto a Igreja está no erro. Mesmo que ele possa provar que está certo, através do pleno uso do devido processo previsto em nossa constituição, o próprio ato de abandonar o processo é em si mesmo uma quebra do sentido e do significado de seus votos, e isso por si só o torna culpado.

Mas estou ainda mais espantado quando os irmãos me dizem “concordamos com vocês nos princípios envolvidos, mas discordamos neste caso”. Os princípios aos quais nos comprometemos com nossos votos envolvem responsabilidade. E um dos meus votos é que, de fato, submeto-me aos meus irmãos no Senhor. É sempre possível, é óbvio, que mesmo num processo completo possa resultar em erro de justiça. Vemos isso claramente na deposição de J. Gresham Machen. Mas mesmo na corrompida PCUSA e em deterioração naquela época, esse grande homem não se recusou a seguir o processo constitucional até que o abandono da justiça fosse evidente.

Os homens que quebraram seus votos não merecem ser tratados como se não tivessem feito nada de errado. Penso que eles não merecem continuar no ofício – certamente que não, a menos e até que se arrependam sinceramente de seus pecados. E acho que realmente não estamos fazendo o serviço da Igreja de Jesus Cristo quando os tratamos como se nada tivesse acontecido.[10]

Vivemos numa cultura degenerada em que os votos (os votos matrimoniais são um exemplo evidente) muitas vezes parecem não significar nada. É um momento em que “todo homem faz o que parece certo aos seus próprios olhos” (Juízes 17:5; 21:25). Mas deveríamos nos espantar com o que vemos em nossa cultura atual, em geral, enquanto vemos um tratamento tão “amoroso” dos oficiais da igreja que quebraram os seus votos? A Escritura diz “é hora de o julgamento começar na casa de Deus” (1 Pedro 4:17). E certamente o é.

 

NOTAS:

[1] Originalmente publicado em formato digital em Ordained Servant, Março 2008. Extraído de http://opc.org/os.html?article_id=93.

[2] Collected Writings of John Murray, vol. 1 (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1977), 193–204.

[3] O termo “modernismo” é usado aqui como sinônimo de liberalismo ou neo-ortodoxia teológica.

[4] Ibid., 193–194.

[5]  Ibid., 194–195.

[6] Ibid.

[7] Form of Government, XXII.13.c, no The Book of Church Order of the Orthodox Presbyterian Church (Willow Grove, PA: Committee on Christian Education of the Orthodox Presbyterian Church, 2005), 42.

[8] Revista dedicada à instrução dos oficiais da OPC.

[9] Aplica-se igualmente ao contexto da Igreja Presbiteriana do Brasil.

[10] The Book of Discipline held by the old UPCNA (em 1925) declarou que (X:6): “Os oficiais da Igreja depostos podem ser restaurados aos privilégios da igreja, em evidência de arrependimento; mas eles não devem, especialmente os ministros, serem restaurados ao exercício de seu cargo até que seja evidente que a comunidade religiosa esteja preparada para recebê-los em seu caráter oficial. A mesma decisão se encontra em nosso Livro de Disciplina” (VI,C.3D1): “Um oficial deposto por causa de uma ofensa comumente conhecida só será restaurado depois que o julgamento assegurar que a restauração não será injúria à causa do evangelho.”

 

G.I. Williamson, é um ministro da Orthodox Presbyterian Church, atualmente aposentado, mas ainda atua no trabalho ministerial de meio período no Presbitério de Dakotas da OPC e Cornerstone United Reformed Church em Sanborn, Iowa. O sr. Williamson foi o primeiro editor da revista Ordained Servant (1992–2005).

Traduzido por Gaspar da Silva

Revisado por Ewerton B. Tokashiki

 

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